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23 de Janeiro de 2009 às 13:00

Três meses em Washington

Quis a sorte, a vontade e o destino que a minha primeira semana em Washington terminasse com a tomada de posse de Barack Obama. Curiosamente, já uma sorte, uma vontade e um destino bem diferentes me tinham deixado em Brasília no dia 1 de Janeiro de 2003, em plena posse de Lula.

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Mais que as retóricas associadas ao momento, impressiona na tomada de posse de Barack Obama o entusiasmo popular que atravessou todos os momentos dos três dias de festa. Há no povo norte-americano uma confiança e fé no sistema democrático – e nas escolhas feitas – que deixa qualquer europeu embaraçado. Colocando a questão de forma simples, os dois a três milhões de pessoas que estiveram em Washington, e os muitos milhões que participaram em eventos populares pelo pais todo, partilharam e comungaram o seu entusiasmo e confiança no 44º presidente dos Estados Unidos. Trata-se de entusiasmo e confiança que, pura e simplesmente, não são compreensíveis para um europeu e, cabe dizê-lo, menos o são para um português. Encaramos o sistema político com cinismo, com reserva, com desconfiança. Não somos – já não somos – capazes de gerar sentimentos de euforia e entusiasmo com a política, porque, pura e simplesmente, a política não é capaz de nos entusiasmar.

É claro que podemos associar todo este oceano de diferenças ao facto de Barack Obama ser o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, ou ainda ao facto de ser o presidente que se segue a uma das presidências mais falhadas da história recente – esse é o marcante contexto do momento que vivemos; essa é a vertente "pop-star" de Barack Obama. E cabe dizer que o depósito de esperança que gera o contexto deste momento histórico – a mais recente sondagem "Gallup" coloca o nível de aprovação pública do novo presidente nos 78% – atinge proporções messiânicas que são assustadoras. Mas essa associação não explica tudo. Essa pode ser explicação, com as devidas adaptações, para o essencial do que assisti em Brasília em 2003 – a ascendência de um presidente do povo e a expectativa de uma alteração do paradigma da governação. Bastaria, no entanto, atravessar as ruas de Washington no passado fim-de-semana para perceber que se passou algo que assenta bem mais fundo; bastaria esperar na fila do Starbucks e ouvir as conversas cruzadas de rua para perceber que os americanos – de todas as classes culturais – vivem de facto a política de forma completamente diferente dos europeus.

Vivemos na Europa – e de forma muito perceptível em Portugal – uma profunda crise da democracia. Há dois anos, Barack Obama era um dos muitos putativos candidatos a 44º presidente dos Estados Unidos, e, certamente, não era um dos mais prováveis. Quando tentamos perspectivar as próximas eleições presidenciais e legislativas em Portugal, não conseguimos ver mais que dois pares de possíveis candidatos. A política na Europa afasta os melhores e atrai uma "troupe" de suspeitos do costume. E isto não acontece, ao contrário do que com facilidade dizemos, porque os melhores não estão na disposição de aceitar o escrutínio que sobre a sua vida se faria se aceitassem altos cargos políticos – o imposto que não foi pago, a empregada doméstica não legalizada ou os impostos não pagos atempadamente. Entre senadores, congressistas, candidatos a senadores e a congressistas, ou a outros tantos altos cargos nos Estados Unidos, há em cada momento milhares de políticos que vivem com a sua vida escrutinada pela opinião pública em níveis que, na Europa, não conseguimos sequer imaginar; e que o aceitam com naturalidade. O que aconteceu esta semana em torno das audições para a confirmação pelo Senado da nomeação de Timothy Geithner como Treasury Secretary do novo governo é disso prova mais que abundante. A razão é mais funda e mais grave – é que em Portugal não somos capazes sequer de compreender aqueles que – como Obama – trocam uma carreira frutuosa no mercado privado e concorrencial por uma vida de serviço público; é que nós não conseguimos achar que vale a pena!

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