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20 de Fevereiro de 2009 às 13:03

Três meses em Washington (III)

Cada dia que passa mais me convenço que a Universidade em que estou a trabalhar em Washington - Georgetown Law - representa, mais coisa menos coisa, o oposto do conceito tradicional de Universidade que, durante décadas, construímos em Portugal.

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Cada dia que passa mais me convenço que a Universidade em que estou a trabalhar em Washington - Georgetown Law - representa, mais coisa menos coisa, o oposto do conceito tradicional de Universidade que, durante décadas, construímos em Portugal.

Para quem, como eu, dedica parte relevante da sua vida profissional à Universidade desde 1989 - ou seja, há quase vinte anos - esta constatação é bastante incómoda.

Onde vemos a Universidade como uma missão conventual a ser conduzida por alguns iniciados, aqui ela é aberta à sociedade e ao mundo; onde os docentes se cansam a construir patamares de inacessibilidade e distanciamento, aqui estão permanentemente disponíveis (pessoalmente, quase todo o dia, ou por mail em não mais de 24 horas após a solicitação); onde a Universidade é construída como espaço de conhecimento puro em função da investigação, aqui é construída como espaço de ensino em função do aluno; onde as instalações são frias, despidas e inóspitas, aqui são quentes, agradáveis e bem decoradas; onde os Professores são mal pagos e pouco valorizados, aqui são bem pagos e respeitados; onde não existe um mercado de Professores, aqui o sistema é totalmente concorrencial, ocorrendo sistemáticas transferências de docentes; onde existem vagos polidesportivos, aqui existe um moderno ginásio totalmente equipado que faz inveja a qualquer outro ginásio que conheça; e mais, mais, mais.

Um jovem Assistant Professor, nos primeiros patamares da sua carreira docente, ganha aqui, fora regalias, cerca de 100.000 USD; um Professor ganha mais ou menos o dobro. Situações especiais são tratadas como especiais, e nas circunstâncias certas em que a Universidade queira mesmo contratar um docente, estes números podem, em concreto, ser aumentados 40, 50% ou até mais. Mais interessante é constatar que só em Washington há mais de uma dúzia de Universidades e que os números - todos eles públicos - revelam que em algumas deles um Assistant Professor pode ganhar cerca de 50.000 USD e um Professor 75.000 USD, ou seja, menos de metade.

Diga-se, para os menos atentos, que em Portugal um Professor Catedrático, nos últimos patamares da carreira docente, ganha cerca de €45.000 por ano. Seja bom ou mau docente, seja bom ou mau investigador, trabalhe muito ou pouco, esteja na melhor ou na pior Universidade. Em cima disto e das nefastas consequências de um sistema tabelado, acumulamos uma espiral de perversões de carreira, como seja a dinamização da promoção do docente pelo número de vagas e não pela carreira científica do próprio. O resultado é que o esforço não é exigido - o que se pode exigir de investigação, publicação, organização das aulas, a um brilhante e requisitado Assistente-estagiário a quem se paga menos de €17.000 por ano? - é nobremente oferecido por quem o quer oferecer. E, faça-se a justiça, são muitos os que o fazem.

Seria profundamente injusto se não reconhecesse que as coisas estão a mudar em Portugal. Assistimos hoje a esforços sérios no sentido de modernizar a nossa academia. Perdemos décadas, mas antes tarde que nunca. Só que é preciso olhar para fora para perceber como estamos longe - podemos mudar um num ano mas vamos demorar décadas a alterar as mentalidades. A experiência das universidades americanas mostra que falhámos quando, nuns casos, não percebemos atempadamente que a Universidade é uma empresa e quando, noutros casos, achámos - mal - que era uma empresa de serviços indiferenciados. Não é nem uma coisa nem outra - é uma empresa especial, que vive do prestígio, da reputação, das condições oferecidas a docentes e alunos, mas que também vive do dinheiro. Que tem de oferecer boas condições a quem nela trabalha e estuda, bons laboratórios, boas salas de aula e anfiteatros, bons Professores, boas condições tecnológicas.

Perdidas várias décadas, não temos outra solução que não seja a de atalhar caminho. Copiar modelos, importar professores e modelos de negócios e abrir-nos ao mundo. Parte significativa dos alunos de Georgetown não são de Washington, e outra parte muito significativa não é sequer Americana. Mas porque esta é uma boa Universidade, para aqui vêm, suportando custos significativos e vivendo longe das suas casa. Ora, tendo Portugal condições únicas para funcionar como um pólo internacional de captação dos melhores alunos, falta-nos construir a grande Universidade que nos demarque e faça de nós melhores.

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