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11 de Junho de 2003 às 10:32

Paulo Ferreira: «Política de choque»

Estamos a falar, afinal, de uma alteração gradual, que foi prometida e adiada, e que vai incidir apenas sobre as taxas de IRC. Chamar a isto um “choque” é, no mínimo, um abuso de linguagem.

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Em Portugal sempre se tentou compensar a incapacidade de execução e de fiscalização da máquina administrativa com sucessivas alterações legislativas. É isto que acontece há anos com o Código da Estrada, com as regras de financiamento dos partidos, as normas de ética e incompatibilidades, com o combate à corrupção ou com a fuga ao fisco.

Quando assenta a poeira legislativa e propagandística, vemos que nenhum desses problemas foi verdadeiramente atacado. A generalidade deles evolui até para pior. O chamado “choque fiscal” arrisca-se a ser mais um desses passos em falso.

Primeiro a questão semântica. A expressão “choque fiscal” remete-nos para uma mudança urgente, repentina e profunda na tributação portuguesa, alterando equilíbrios entre impostos directos e indirectos e fazendo rupturas nas taxas aplicadas. Mas estamos, afinal, a falar de uma alteração gradual, que foi prometida e adiada, e que vai incidir apenas sobre as taxas de IRC, trazendo-as em três anos de 30% para 20%. Chamar a isto um “choque” é, no mínimo, um abuso de linguagem. Com a ambição colocada tão baixo, o essencial é perguntar se esse tal “choque fiscal” vai resolver alguma coisa.

É provável que os ideólogos que o desenharam tenham feito alguns estudos e chegado a conclusões interessantes. Mas esse trabalho, essencial para avaliar a bondade da medida, não é público. Públicas são outras contas, como as que foram realizadas pela revista “Forbes” e que publicamos nesta edição. E estas dizem-nos que a carga fiscal portuguesa (as taxas de imposto, mas também as importantes contribuições para a Segurança Social, de que poucos falam) compara bem com a da generalidade dos países europeus. Não é, certamente, tão favorável aos investidores como o da Irlanda. Mas também não é, só por si, um factor de perda de competitividade.

Os consultores fiscais ouvidos pelo Jornal de Negócios não têm dúvidas. Eles, que geralmente são o “interface” entre os grandes projectos de investimento estrangeiro e a nossa legislação e administração fiscal, retiram ao nível das taxas o papel de “mau da fita” com que muitos o pintam. A falta de competitividade do país existe e afasta investimentos importantes. Mas parece vamos ter que procurá-la noutro lado.

Não há taxas de imposto suficientemente baixas que compensem os custos de um sistema administrativo pesado, altamente burocratizado, que vive virado para si e não para o utente; de uma população activa com uma formação deficiente; de um sistema fiscal que muda todos os meses e que é tão complicado que só favorece a corrupção e a arbitrariedade de decisões; de uma justiça lenta como poucas; de preços de energia e de telecomunicações, esses sim, exorbitantes; da distorção da concorrência provocada pelas empresas que vivem à margem do fisco e da lei.

Baixar as taxas de imposto é uma medida fácil. Se ainda for essa a sua vontade, o Governo que o faça, que daí não vem mal ao mundo. Mas que não crie com isso a ilusão de ter colocado o país no mapa da competitividade. Os verdadeiros choques são mais difíceis, mais demorados. E, sobretudo, exigem outro tipo de coragem política.

Por Paulo Ferreira Director-Adjunto do Jornal De Negócios

Publicado no Jornal de Negócios

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