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As coisas são o que são

No passado domingo, a República de Chipre assumiu a Presidência do Conselho da União Europeia que conservará até ao fim do ano, sucedendo-lhe a Irlanda a 1 de Janeiro de 2013.

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No passado domingo, a República de Chipre assumiu a Presidência do Conselho da União Europeia que conservará até ao fim do ano, sucedendo-lhe a Irlanda a 1 de Janeiro de 2013. Numa espécie de pescadinha de rabo na boca, um estado membro da União que acaba de anunciar ter de ir pedir dinheiro às instituições do costume (Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu) toma o leme do barco para o entregar depois ao segundo estado membro a ter precisado de tal ajuda (logo a seguir à Grécia) desde que a desagradável questão das dívidas soberanas veio apoquentar países europeus até há pouco habituados ao quero, posso e mando de cinco séculos de hegemonia ocidental.

Chipre já trazia à União incómodos que esta dispensaria. Admitido no clube em 2004, com Malta, Eslovénia e sete países do Leste da Europa libertados do jugo soviético, entrou sem ter resolvido o seu problema existencial: estar a ilha dividida em duas partes, uma de população grega, reconhecida por todo o mundo menos a Turquia e outra de população turca, só reconhecida pela Turquia. Tal resultou de tentativa de golpe de estado, em 1974, por fascistas gregos que queriam unir a ilha à Grécia dos coronéis e foram frustrados por invasão militar turca. A ditadura dos coronéis caiu em Atenas, a democracia voltou, mas a Turquia nunca mais tirou tropa da ilha. Os europeus haviam avisado que até ter o seu problema interno resolvido Chipre não seria admitido na União. À última hora, porém, Atenas veio com um ultimato - ou Chipre entrava ou não entrava ninguém – e Chipre entrou.

Fala-se muito da divisão Norte/Sul da Europa. Ao norte de um paralelo virtual, aí ao nível de Bruxelas, as pessoas acreditam umas nas outras e a autoridade, em princípio, é legítima; ao sul desse paralelo as pessoas desconfiam umas das outras e a autoridade, em princípio, é ilegítima. O sul seria preguiçoso e irresponsável como a cigarra de La Fontaine, e o norte trabalhador e escrupuloso como a formiga da mesma fábula. Desmandos têm posto cigarras do sul pelas ruas da amargura, mas a virtude justiceira alardeada por formigas do norte – Finlândia, Holanda, Alemanha - é falsa como Judas. As autoridades holandeses foram colaboradoras entusiásticas dos nazis alemães anti-semitas durante a guerra de 1939-1945 (ainda hoje não se sabe quem denunciou Anne Frank). Aos mesmos nazis alemães se aliaram militarmente os finlandeses para invadirem a Rússia Soviética. E na Alemanha, as enormidades do passado estão ainda à flor da pele. Um tribunal de Colónia sentenciou que a circuncisão de um rapaz pequeno era agressão física mesmo sendo escolhida pelos pais. Seguiu-se um coro de protestos de judeus e muçulmanos alemães e no domingo passado o ministro dos Negócios Estrangeiros de Berlim garantiu não haver razões para que o mundo duvide da tolerância religiosa na Alemanha.

De Chipre a Berlim, passando por Helsínquia e por Atenas, a Europa avança, feita de tudo isto e de muito mais ainda.

* Embaixador

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