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23 de Outubro de 2013 às 00:01

O pequeno país

Entre 1974 e 1977, os portugueses saíram da bolha de ilusões em que o Estado Novo tinha querido meter-nos para entrar na bolha de ilusões que "a Europa" passou a querer impor-nos. Para os saudosos do salazarismo foram anos duros; para toda a outra gente foram anos "à la Saint-Juste" de felicidade sobre a terra. (Para os comunistas a festa foi curta porque as "Forças Armadas" lhes dispensaram os serviços assim que a independência de Angola as livrou de vez da guerra colonial).

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As Comunidades Europeias receberam Portugal de braços abertos não fosse a URSS querer armar aqui uma testa-de-ponte (não queria; queria Angola e essa teve-a). Brejnev não era Estaline, mas ainda metia medo; a RFA, quinhão ocidental da Alemanha, tinha capital em Bona e, dizia Helmut Kohl, o seu Chanceler devia fazer três vénias antes de dirigir a palavra ao presidente francês. A esta bem-aventurança nos juntámos em 1986 e em 1992 ao Euro. Entretanto, de repente, o papão soviético sumira-se e a Alemanha tinha-se reunificado. Deixámos de recear Moscovo e passamos a recear Berlim.


O resto sabe-se. O eixo franco-alemão inventado por De Gaulle e Adenauer, símbolo da reconciliação franco-alemã e da vontade de paz na Europa, já não existe. Merkel manda: levava à trela Sarkozy, a rir; agora leva Hollande, a chorar. O nosso pequeno país cá vai, bem mandado, mas de ser apaparicado à chegada ao clube passou, depois de 2008, a ser sujeito a tratos de polé. Uma interpretação alemã das causas da crise – golpistas desleixados do Sul abusando de gente séria e trabalhadora do Norte - e uma receita alemã para sair dela – austeridade (que tem aumentado a dívida e minado a democracia) – apesar de erradas foram aceites como boas não só em Lisboa, mas nas outras capitais da Europa. Há quem espere que agora, com uma grande coligação, a Alemanha passe a queixar-se menos, a consumir mais e a ver mais longe e mais alto do que com a coligação anterior fora capaz de fazer. Mas, diz-me um entendido, os alemães só mudarão quando acharem que não têm outro remédio. Por enquanto não acham e quando acharem talvez seja tarde demais - para eles e para os outros europeus.

Entretanto o pequeno país escolhe às vezes para chefes gente com a visão do saguão e o instinto da porta de serviço. Ou então gente tão zelosa que, ao ministrar o remédio para a crise que os alemães ordenaram, decidiu ser mais troikista que a troika. Seria para esconjurar o espírito do 1.º governo provisório que em 1974 celebrou a revolução amnistiando presos de delito comum e decretando passagens administrativas em liceus e faculdades? Mas nem 8 nem 80.

E por fim Angola, jóia da nossa coroa imperial – no tempo da guerra colonial nenhum cartaz em Lisboa rezava "Moçambique é nosso" - a fazer-nos passar por vergonhas (sempre o malfadado instinto da porta de serviço). "Só nos faltava mais esta" teria comentado o Dr.Salazar quando lhe vieram dizer que havia petróleo em Angola. É muito pior ainda do que ele imaginava.

* Embaixador

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