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José Cutileiro - Embaixador 20 de Novembro de 2013 às 00:01

"Douce France"

Quanto aos franceses - cada vez mais afogados em impostos e ameaçados na civilização do seu viver por agências de notação (...) e por missionários da austeridade em Bruxelas e Berlim, indignados com Hollande por ele pouco ter tocado no estado social - saem à rua como só eles são capazes de fazer.

Olhar para a França como o próximo caso de doença a merecer cura de austeridade e fazer troça de François Hollande tornaram-se passatempos de europeus bem pensantes, mas mal avisados. Não se lhes pode levar a mal. Quer os franceses quer o presidente da sua República (república que vive na nostalgia permanente da monarquia absoluta e, por outro lado, vê democracia e estado de direito como empecilhos à revolução permanente) esgotariam a paciência de um santo. Malgrado tudo isto, porém, a França é a França.


Como Pedro Passos Coelho ou António José Seguro, François Hollande é um "apparatchik" partidário - certamente à grande e à francesa – e além disso tem tiques esquerdistas incómodos para quem preside ao país mais burguês do mundo. Já há muitos anos disse que não gostava de ricos, deixando metade da França de pé atrás até hoje. Mas o que mais lhe falta para presidente da República, foi dito por Bernardette, mulher de Jacques Chirac (compincha ocasional de Hollande) espantada quando ele se candidatou: "Não tem gabarito!". E o facto é que nenhum presidente da 5.ª República (De Gaulle, Pompidou, Giscard, Mitterrand, Sarkozy) conheceu aprovação pública tão restrita – 20% nas últimas sondagens.

Quanto aos franceses - cada vez mais afogados em impostos e ameaçados na civilização do seu viver por agências de notação (Standard & Poor baixou a França de mais um degrau) e por missionários da austeridade em Bruxelas e Berlim, indignados com Hollande por ele pouco ter tocado no estado social - saem à rua como só eles são capazes de fazer, obrigando o governo a meter no saco leis votadas no parlamento, causando estragos materiais e adorando verem-se na televisão, onde os barretes vermelhos dos bretões (da direita, do centro, da esquerda, em suma, da Bretanha) dão um toque de 1917 ao espírito de 1789.

Ao lado de uma Alemanha rica, ordeira, cada vez mais alemã e menos europeia, chefiada por Chanceler bem cotada no mundo de hoje em manha táctica e coragem estratégica, a França evocada acima põe o "Eixo Franco-Alemão" pelas ruas da amargura. É grande lástima. Inventado no tempo de De Gaulle e de Adenauer para reabilitar uma Alemanha saída destruída e moralmente infrequentável do nazismo; graças a chefia política francesa e trabalho alemão de reconstrução (ajudado por grande perdão de dívidas de guerra em 1953; Alemanha Ocidental forte dava jeito no confronto com a União Soviética), bem dirigido durante décadas por parelhas sucessivas de homens de estado – Giscard-Schmidt; Mitterand-Kohl – o eixo criou prosperidade e reforçou a construção europeia. Muito mais importante ainda, foi trazendo a Alemanha para convívios de igual para igual no seio dos países civilizados. Como numa estátua clássica, o Eixo Franco-Alemão foi a folha de vinha com que França ajudou a cobrir a vergonha alemã.

Foi e é. Hollande poderia ainda chamar à ordem Chanceler e Bundestag e metê-los a caminho da salvação da Europa. Vontade não lhe faltará, agora coragem…

* Embaixador



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