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Negócios negocios@negocios.pt 24 de Outubro de 2012 às 23:30

A Reserva Federal e a guerra cambial

Os benefícios que as economias emergentes podem retirar, no médio prazo, de um crescimento mais rápido dos Estados Unidos estão agora a ser ameaçados pelos riscos de curto prazo gerados pelo "tsunami de capital".

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A recente decisão da Reserva Federal norte-americana (Fed) de lançar uma terceira ronda de medidas de estímulo à economia levou o ministro das Finanças do Brasil, Guido Mantega, a acusarem os Estados Unidos de desencadearem uma guerra cambial. Os países emergentes - que estão já a enfrentar o impacto da rápida valorização da moeda na sua competitividade - consideram que as medidas expansionistas anunciadas nas últimas semanas pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco do Japão aumentaram o alarme em relação à decisão da Fed.

Para mim, ambos os lados estão correctos. A Fed estava correcta em adoptar novas medidas monetárias expansionistas face à fraca recuperação da economia norte-americana. Além disso, aliadas aos avanços registados no mercado laboral foram um passo importante – que outros bancos centrais, especialmente o BCE, deviam seguir.

Claro que, a expansão monetária deve ser acompanhada por uma política orçamental menos rígida nos países industrializados. Mas o espaço de manobra das economias desenvolvidas é hoje mais limitado do que era em 2007-2008, e o impasse político nos Estados Unidos acentuou-se, o que impede medidas de estímulo através da política orçamental. Embora a eficácia de uma nova ronda de medidas de estímulo à economia seja limitada, como argumenta Mantega, a Fed não tinha escolha a não ser agir.

Mas o ministro das Finanças do Brasil também está certo. Dado o papel do dólar norte-americano como moeda dominante a nível mundial, a política expansionista da Fed gera externalidades significativas para o resto do mundo – efeitos que a Fed certamente não está a ter em consideração. O problema é que existem imperfeições num sistema monetário internacional baseado na utilização da moeda nacional como principal moeda de reserva a nível mundial.

Este problema foi assinalado pelo economista belga Robert Triffin na década de 50 e, mais recentemente, pelo já falecido economista italiano Tommaso Padoa-Schioppa. "As exigências de estabilidade do sistema como um todo" argumentou Padoa-Schioppa "são inconsistentes com a utilização de políticas económicas e monetárias forjadas unicamente com base numa lógica nacional".

Em particular, políticas monetárias expansionistas nos Estados Unidos (de facto, em todos os países desenvolvidos) estão a gerar elevados riscos para as economias emergentes. Dado que as taxas de juro têm de continuar muito baixas nos países desenvolvidos, pelo menos nos próximos anos, há agora fortes incentivos para exportar capital para as economias emergentes com elevadas ‘yields’. Mas tais fluxos de capital ameaçam provocar uma sobrevalorização da taxa de câmbio, aumentando os défices de conta corrente e gerando bolhas nos preços dos activos: tudo o que no passado conduziu a crises nestas economias.

Em suma, os benefícios que as economias emergentes podem retirar, no médio prazo, de um crescimento mais rápido dos Estados Unidos estão agora a ser ameaçados pelos riscos de curto prazo gerados pelo "tsunami de capital", como lhe chamou a presidente do Brasil, Dilma Rousseff.

O problema fundamental é a falta de um agenda mais ampla que permita que a posição da Fed seja consistente com a do ministro das Finanças brasileiro e de outras economias emergentes. Esta agenda tem de incluir duas questões da reforma monetária mundial que continuam por resolver: no curto prazo, uma regulação coordenada ao nível mundial dos fluxos de capital e, no longo prazo, uma mudança para um novo sistema monetário internacional baseado numa verdadeira moeda de reserva mundial (possivelmente baseada nos Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional).

Os Estados Unidos poderiam beneficiar de tais políticas, já que a regulação das contas de capital forçaria os investidores a encontrarem oportunidades no país. Enquanto uma verdadeira moeda de reserva mundial libertaria os Estados Unidos de preocupações – e injúrias graves – em relação às implicações que a sua política monetária tem na economia mundial. Ao mesmo tempo, as economias emergentes iriam ganhar a totalidade dos benefícios de uma política monetária expansionista nos Estados Unidos, já que esta permitiria aumentar a procura pelas suas exportações.

Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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