Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
06 de Outubro de 2005 às 14:30

«O cavalo turco da cidadela comunitária»

A adesão da Turquia à União Europeia é a história de um namoro de conveniência e de um prometido casamento que esta vai adiando sucessivamente, pois sabe ser problemático e que tem como contraponto as compreensíveis irritações turcas.

  • ...

A adesão da Turquia à União Europeia é a história de um namoro de conveniência e de um prometido casamento que esta vai adiando sucessivamente, pois sabe ser problemático e que tem como contraponto as compreensíveis irritações turcas.

É que a história é longa. Logo em 1963 a Turquia assinou um Acordo de Associação com a CEE e em 1973 um Protocolo Adicional, relativo à construção da união aduaneira.

O pedido formal de adesão aconteceu em 1987. Desde então já entraram na União Europeia mais quinze países, enquanto Ankara espera firme, no altar.

Claro que não lhe faltam apoios de padrinhos poderosos como os Estados Unidos e a Inglaterra, esta última a conseguir agora na presidência que exerce nos Conselhos da União, uma vitória com a abertura das negociações da Turquia como país candidato à adesão reconhecido pelo Conselho Europeu de Bruxelas em 2004.

Mas esta vitória da presidência inglesa foi ensombrada pela Áustria a contrariar a ideia que um pequeno país, ou mesmo de dimensão média, não tem qualquer poder contra os restantes vinte e quatro. Engano puro, porque nesta matéria está-se no reino da intergovernamentalidade. E Schuessel, o chanceler austríaco que há cinco anos viu o seu país ser alvo de sanções bilaterais, por parte dos outros Estados Membros, por causa de uma aliança maldita com o populista de extrema-direita Jorg Haider, resolveu agora mostrar a sua garra, na defesa da adesão da Croácia.

Esta reacção musculada, perante o mundo inteiro, de um país que, no próprio dia da cerimónia negocial solene, joga o tudo ou nada, deixou a Europa mais desunida e mostrou a todos a desunião europeia.

Sobretudo porque, num passo de mágica, surge o acordo que só o cinismo da diplomacia internacional em todo o seu esplendor consegue, ao pôr em poucas horas a relapsa Croácia a colaborar com o Tribunal Penal Internacional.

Dir-se-ia que tudo isto é culpa da Turquia que sempre teve uma história atribulada com a União Europeia e que suscita os mais diversos sentimentos de rejeição, sobretudo no que concerne aos Direitos do Homem, concretamente aos das Mulheres e das minorias, a somar à recusa reiterada de reconhecer o Chipre e o não esquecido genocídio arménio da I Guerra.

A verdade é que a Turquia tem um longo caminho pela frente não só nos dez anos de negociações que se avizinham, mas no objectivo de alcançar os padrões políticos e institucionais europeus.

É por isso que este país continua a espicaçar as sensibilidades europeias democráticas. Isto, apesar do governo de Recep Tayyip Erdogan ter adoptado importantes reformas, embora, no essencial, se trate de meras formalidades sem tradução na prática dos factos.

É verdade que o partido islâmico moderado travou uma luta contra os movimentos islâmicos extremistas e nacionalistas e que a Europa tem todo o interesse em usar a Turquia como tampão estratégico contra a sua invasão por outras partes do Mundo. Porém Ankara se quiser ser Estado membro tem de se adaptar e não pode posicionar-se como um Estado fortaleza que quer ter apenas os direitos e não as responsabilidades.

Este comportamento é, em absoluto, contrário à filosofia subjacente ao projecto europeu.

A não ser que a Turquia se adapte, não pode ter lugar, apesar de todas as vantagens e apoios, num clube que tem como traço de união o respeito pela pessoa humana e pelas suas liberdades individuais.

Caso contrário, e a permitir-se noutros termos uma adesão, a Turquia só pode vir a ser um cavalo de Tróia da cidadela comunitária.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio