Opinião
Ils sont fous ces italiens
Conheci pessoalmente Silvio Berlusconi em Parma aquando da inauguração, nesta cidade, da Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos. A impressão que me causou foi de muita estranheza porque o seu tamanho era ínfimo, em termos absolutos e sobretudo re
A tez e o cabelo em tons de ruivo davam uma coloração que soava a falso e a deslocado e onde, apesar do fato de corte impecável e da gravata irrepreensível, na senda da boa tradição italiana, se sentia um perpassar kitch de novo-riquismo despótico.
Porém, e o pior de tudo, foi o discurso de um improviso desconchavado, longo e maçador, de carácter marcadamente populista e com um final preocupante de padrinho da máfia. Perguntámo-nos, nós os presentes, como sendo os italianos um povo, pelo menos a Norte, de reconhecido bom gosto, contaminado por um país lindo que é um verdadeiro museu a céu aberto, podiam ter tido o mau gosto de escolher um governante que nem sequer tinha carisma e apenas detinha o poder porque estava assente numa portentosa máquina de propaganda financeira e mediática, que teve o mérito de conseguir pôr a vencer um quase anão, mesmo nos processos judiciais mais complicados que envolveram, inclusive, o super-juíz espanhol Baltazar Garçon.
Assiste-se agora, de novo e de forma surpreendente, a uma terceira edição de Berlusconi que governou entre 1994 e 1996 e 2001 e 2006, onde a Itália não evoluiu e, antes empobreceu. Num mundo e numa Europa de novelas de bons contra maus, parece que estes, desde que sejam ricos e poderosos, podem continuar sempre a ganhar, numa versão maquiavélica de manutenção do poder, de que os meios justificam os fins.
Nem Romano Prodi que já demonstrou à sociedade, enquanto presidente da Comissão Europeia, que apenas é um bom Professor, um homem honesto e rigoroso, mas profundamente dormente e aborrecido, nem o seu sucessor Walter Veltroni, antigo presidente da Câmara de Roma, não conseguiram fazer esquecer as dificuldades de um país com a terceira maior dívida pública e um crescimento anual de apenas de 0,3%, contra uma média da zona euro de 1,4%. Veltroni tinha, por seu turno, um perfil demasiado discreto, elegante e ético para se confrontar com os golpes baixos de uma máquina de propaganda imparável, onde o centro-esquerda soçobrou.
Como tem vindo a ser salientado, a vitória de Walter Veltroni foi a de ter conseguido reduzir o número de partidos a apenas cinco, na futura composição do Parlamento, contra trinta da anterior legislatura, o que inclusive, fez mesmo desaparecer do hemiciclo, e pela primeira vez desde o nascimento da República Italiana, os Verdes e os Comunistas. Isto significa, teoricamente maior estabilidade governativa, o que, em época de berlusconismo, não é, definitivamente, uma boa notícia.
O novo partido de Berlusconi, do Povo da Liberdade, estranho desde logo como designação, tem a maioria absoluta ao aliar-se com a Liga do Norte de Umberto Bossi, partido xenófobo e populista que fez campanha contra a canalha de Roma, numa expressão já utilizada em tempos de presidenciais francesas, que fala de federalismo, designadamente fiscal, e quiçá de autonomia total, se as coisas na coligação não correrem de feição. De resto, o reconhecimento da independência do Kosovo, pela maioria dos países europeus, dá o precedente perigoso que muitas autonomias carecem.
O regresso do Cavaliere é a prova que em política não há mortes, não há certezas e de que os latinos gostam particularmente de personagens em que se possam rever, designadamente poderosas, autoritárias, numa versão freudiana que para além de procurarem a mãe é, afinal, o pai que manda através da sua figura forte e despótica, mas tutelar.
É neste tipo de cenários que a União Europeia emerge em todo o seu esplendor porque este acorrentamento a Vinte e Sete países, almofada excessos de derivas autoritárias, embora, infelizmente, debaixo da capa da legitimidade democrática, nem sempre as impeça.