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Opinião
09 de Junho de 2006 às 13:59

No Darfour é tempo de dizer basta!

Seis milhões de sudaneses, três milhões em Darfour, vivem da ajuda internacional. Dois milhões tiveram de fugir e estão em situação precária. Oficialmente morreram já mais de 180 mil pessoas.

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O acordo de paz recentemente assinado é ignorado pelas milícias. A União Africana pediu apoio à ONU, esta mandou uma missão. A Comunidade Internacional deveria dizer basta! O que se passa em Darfour é puro genocídio patrocinado pelo Governo.

A violência no Sul do Sudão é uma história com décadas. Étnica e religiosamente diversa do Norte – árabe – o Sul, africano e vagamente cristão, foi de forma sistemática flagelado, discriminado, marginalizado pelo Governo de Kartum, dominado pelo Norte árabe.

O SLA – Exército de Libertação do Sudão – foi uma constante desde a década de 80 na luta contra as incursões/retaliações do Exército regular numa região com a superfície da França. Em 1988 chegavam diariamente à fronteira com a Etiópia, refugiados, a maioria crianças, que eram encaminhados para campos já sobrelotados a poucos quilómetros da fronteira. Encontrei ali, em 1988, homens que contavam história inacreditáveis de matanças indiscriminadas levadas a cabo dia ou noite pelas tropas governamentais. O SLA pouca força tinha e a sua resistência era quase simbólica. Mas não era só para a Etiópia que fugiam, cada fuga tinha como destino um local pior que o outro. A luta do UNHCR, agencia da ONU para os refugiados era diária e muitas vezes infrutífera.

Em Fevereiro de 2003, cinco anos depois de ter visitado esses campos de refugiados, a resposta organizada surgiu com um grupo rebelde que se opôs ao que considerava ser a discriminação contra os não árabes na região de Darfour. Em Abril de 2004, sob mediação da Organização de Unidade Africana, hoje União Africana, foi finalmente assinado um acordo de paz e uma forma de partilha da Presidência onde o comandante rebelde Salva Kiir ocupa o lugar de primeiro vice-Presidente.

O acordo assinado entre o líder do Movimento de Libertação do Povo do Sudão, Salva Kiir e o Presidente Omar Hassan al-Bashir, do Partido do Congresso Nacional, árabe, e que acabou com duas décadas de conflito não contemplava a situação de violência que há três anos abalava o Darfour.

A UA, com os seus sete mil homens reconhece não ter capacidade, organização nem mandato para implementar o acordo de paz entretanto assinado e que permitiu a sua deslocação para o Darfour. O pedido de transição da força multinacional da UA para uma força da ONU surgiu naturalmente com a UA a manter um papel activo na implementação da paz numa região onde o Governo não está interessado em proteger as populações.

O acordo de paz para o Darfour assinado em Abuja, na Nigéria, não foi subscrito por todas as facções. Duas delas, com considerável poder militar e representação étnica recusam o acordo sem garantias de participação no desarmamento das milícias pró governamentais, os Janjaweed, de origem árabe, criadas, organizadas e armadas pelo Governo de Omar Hassan al-Bashir. Estas milícias são responsáveis por mais de dois milhões de desalojados, centena e meia de milhar de mortos de um número incontável de violações de mulheres não árabes. Nos últimos dias, com a cumplicidade de grupos do Chade, atravessaram a fronteira massacrando aldeias inteiras na zona fronteiriça ao mesmo tempo que rebeldes chadianos atacavam a capital N’Djamena.

Os Janjaweed comportam-se como esquadrões da morte dos dois lados da fronteira do Sudão e Chade. O Governo sudanês recusa, mesmo com a presença de uma missão da ONU em Kartum esta semana, alargar o âmbito da força da ONU que monitoriza o acordo com o MLPS de Salva Kiir, ao Darfour, e seu eventual reforço, em cooperação com a União Africana. O Conselho de Segurança ameaça com sanções e uma força de manutenção de paz, para a qual quer o acordo de al-Bashir. No mesmo dia Salva Kiir em declarações públicas abriu uma porta ao entendimento para ser horas depois contrariado pelo Presidente.

O Governo nada faz para controlar as milícias que criou nem para os desmobilizar. Pela sua inércia deixa milhões de seres humanos no Darfour à mercê de bandidos, muitos teriam morrido se não fosse o auxílio alimentar da Comunidade Internacional. Omar Hassan al-Bashir não deu quaisquer sinais de se incomodar com essa situação.

Por uma vez George Bush teve razão ao descrever os massacres de Darfour como um genocídio, mas no Conselho de Segurança absteve-se quando os restantes países votaram considerando a situação sujeita à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. (Recorde-se que Washington recusa reconhecer a jurisdição deste Tribunal).

Os sudaneses do Darfour estão a morrer em ataques de milícias pró-governamentais, no fogo cruzado das lutas entre facções e de fome perante a passividade do seu Governo. Não são necessárias as câmaras de gás. A política de Kartum tem o mesmo resultado e por isso não pode ser olhada de outra forma se não crimes contra a Humanidade e genocídio.

Mesmo que não venha nos jornais ou nas televisões, é tempo de obrigar os Governos a dizer basta!

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