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Benjamim Formigo 24 de Agosto de 2007 às 13:59

O Iraque de Bush à deriva

George W. Bush tem pela frente, já em Setembro, nova dor de cabeça quando o comandante das tropas americanas no Iraque e o seu embaixador em Bagdade entregarem o relatório de progresso exigido pelo Congresso.

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Esta semana a Imprensa norte-americana dava conta de que um crescente número de peritos em relações internacionais, incluindo apoiantes de George W. Bush, considera praticamente inútil a presença das tropas americanas no Iraque e ainda mais o seu reforço. Em paralelo, líderes da Comissão das Forças Armadas do Congresso, de ambos os partidos, consideravam o actual primeiro-ministro iraquiano “sectário” e “incapaz de obter um compromisso” entre as facções rivais.

O presidente norte-americano neste momento tem razão numa coisa: não é possível retirar as suas tropas do Iraque sem lançar o país num caos ainda maior do que aquele em que se encontra (se é possível um caos ainda maior). Nem a sua batalha de propaganda, levando congressistas ou influentes personalidades a zonas onde existe um bom entendimento com sunitas está a ter sucesso.

As primárias presidenciais estão, pelo menos por enquanto, a ser o alívio de Bush. Os candidatos putativos, democratas ou republicanos, não ousam falar abertamente de uma retirada do Iraque, pelo menos de uma retirada apressada. A imagem seria demasiado semelhante ao caos no Vietname. Os mesmos candidatos, sem alienar os eleitores que estão frontalmente contra a guerra, procuram conquistar posições entre os que defendem a decisão presidencial, ou, pelo menos, a sua política de reforço de efectivos.

Essas contradições internas ir-se-ão desfazendo com o tempo ou podem esboroar-se de um momento para o outro, conforme as notícias que vêm do Iraque ou as opiniões qualificadas sobre uma retirada. No seu último mandato, Bush não tem nada a perder, a não ser o julgamento da História e a sua aspiração de “espalhar a democracia” pelo Mundo, principio anunciado pela sua candidatura e que, até agora, tem estado enredado na burocracia de Washington e, no terreno, não se tem conseguido impor aos chamados resistentes, que dão luta sem tréguas aos amigos dos EUA, como é o caso da oposição a Hosni Mubarak.

As últimas informações de fontes ligadas à informação militar davam conta de milícias xiitas estarem a ser treinadas pela Guarda da Revolução iraniana. Os supostos erros cometidos pela comunidade de informações sobre a existência de armas de destruição maciça, na origem da invasão do Iraque, lançaram o descrédito sistemático. E muitos se interrogam como é que muitas das armas que supostamente são contrabandeadas através da fronteira entre o Irão e o Iraque vão parar às mãos dos sunitas.

O mais grave, porém, é que Bush decidiu no inicio do ano reforçar as forças americanas com mais 30 mil homens, um contingente que só ficou completo em Junho. Os americanos treinaram já dez das doze brigadas que irão integrar o “novo” exército iraquiano, mas não foram capazes de instituir chefias respeitadas e obedecidas por uma cadeia de comando, confundindo-se, por vezes, milicianos – melhor, terroristas – com forças militares e polícia, que lhes dão cobertura.

O presidente da Comissão do Congresso para as Forças Armadas, recentemente regressado de uma visita ao Iraque considerou o primeiro-ministro Nouri al-Maliki “incompetente”, “incapaz de conseguir compromissos” e adiantou que o parlamento iraquiano o deveria demitir. A diplomacia ou a independência e soberania do Iraque nem sequer forma um obstáculo a estas declarações.

Na verdade al-Maliki não se tem mostrado muito empenhado em encontrar uma base de consenso entre os xiitas (maioritários e sua base de apoio), os sunitas e os curdos, muto especialmente no que se refere à divisão das receitas petrolíferas. Do mesmo modo que não tem dado aos americanos o apoio que estes necessitariam para operar no ambiente de insurreição vigente.

Esta guerra só pode ser controlada através do apoio das populações a um conjunto de princípios e normas que tenham o selo de garantia dos americanos. Se assim fosse então o reforço militar poderia surtir algum efeito. Mas também é verdade que as tropas americanas já estão a ser excessivamente encaradas como uma força de ocupação e não têm mostrado uma estratégia de conquista das populações. Bush cometeu um erro crasso ao permitir que, com a destituição de Saddam Hussein, se destruíssem todas as estruturas políticas, militares e militarizadas existentes.

O país ficou à deriva, de tal modo que Washington já aconselha a reintegração de alguns funcionários e membros “aceitáveis” do partido Baas, que apoiava Saddam. Mudança de primeiro-ministro pode ser uma fuga para a frente mas não será de esperar que isso transforme as milícias e os seus apoiantes em meninos bem comportados.

Para usar uma expressão bem americana, Bush e a sua Administração no Iraque “are in the creek without a pedal”. Ou quem vier atrás que feche a porta, a menos que o Irão se porte mal e dê razões a outra intervenção. O preço do petróleo iria então sim disparar e a Guerra alastrar-se-ia ao controlo do petróleo e aos que se insurgiriam pela força contra monarquias menos aconselháveis do Golfo, incluindo alguns actuais aliados do Norte de África.

No contexto de desastre que se vive, a única coisa positiva é as várias partes ainda falarem umas com as outras, mesmo que seja um dialogo de surdos.

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