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30 de Novembro de 2006 às 13:59

Flexigurança: a receita europeia para modernizar o direito do trabalho

A União Europeia tem trazido muitas alterações aos hábitos e tradições portuguesas, para o melhor ou nem por isso, mas sempre a dar um abanão à gostosa inércia de raiz salazarista de que os outros, independentemente de quem quer que sejam, ...

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A União Europeia tem trazido muitas alterações aos hábitos e tradições portuguesas, para o melhor ou nem por isso, mas sempre a dar um abanão à gostosa inércia de raiz salazarista de que os outros, independentemente de quem quer que sejam, é que têm a responsabilidade de nos proteger e encaminhar ao longo da vida.

Só que já se percebeu que mesmo no sacrossanto trabalho ou emprego, porque domínio quase intocável, as coisas vão mesmo mudar e, provavelmente de forma mais radical do que se imagina, a ponto de daqui a uns tempos ser impossível reconhecer o típico contrato de trabalho, tal como ele se apresenta hoje na nossa ordem jurídica, sobretudo o de carácter dependente, onde temos uma das legislações mais restritivas em matéria de despedimentos.

Só que Portugal e outros países da União precisam de avançar em função, por exemplo, do progresso tecnológico, da emergência da gestão just-in-time, fruto da concorrência acrescida, da procura dos consumidores, cada vez mais volátil, o que implica que as empresas tenham que ter instrumentos para se organizarem de modo mais flexível tendo em vista a obtenção de maior produtividade. Tudo isto se reflecte na organização, nos horários de trabalho, dos salários e na diversidade dos contratos de trabalho.

Em suma, vai ser necessário proceder a reformas profundas até porque o relatório sobre o emprego na Europa 2006 constata que a legislação existente na maior parte dos países tende a reduzir o dinamismo do mercado, influencia negativamente a produtividade e as perspectivas dos grupos mais vulneráveis como as mulheres, os jovens e os idosos.

A ideia subjacente é a de que os mercados de trabalho europeus devem resolver o dilema de conjugar uma maior flexibilidade com a necessidade de maximizar a segurança para todos, a denominada "flexigurança". Esta não é, portanto, uma ideia portuguesa, mas comunitária, vertida no Livro Verde da Comissão para a modernização do direito do trabalho, tendo em vista enfrentar os desafios deste século.

Acontece, porém, que cada país tem de prosseguir este fim de forma adaptada à sua realidade laboral, social e económica, sendo a Comissão apenas o catalisador destinado a apoiar a acção dos Estados membros, designadamente através de medidas de apoio financeiro. É o chamado método aberto de coordenação que vai depois conduzir a planos nacionais específicos, seguidos da utilização de avaliações comparativas e de indicadores para medir os progressos alcançados, bem como o intercâmbio de experiências que possibilitam tirar ensinamentos das boas práticas registadas.

É aqui que entra o modelo dinamarquês escolhido pelo governo português para ser o farol das reformas. A Dinamarca conseguiu com Poul Rasmussen combinar uma nova flexibilidade no trabalho com uma nova segurança social, uma espécie de new-deal, como se diz no livro Verde, ao conjugar legislação de protecção do emprego simplificada, intensificação de medidas laborais activas, investimento significativo na formação e prestações de desemprego mais elevadas dependentes de condições rigorosas.

A questão, contudo, que se coloca é se é possível fazer um transplante de um modelo de "flexigurança" de um dador que é incompatível com o paciente, que se arrisca, assim, a morrer. Sabemos todos que a mentalidade e a predisposição laborais de um português não são exactamente iguais à de um dinamarquês, nem sequer aproximadas, nomeadamente em características como o rigor, organização, pontualidade, transparência e tantas outras que para os orgulhosos vikings são genéticas e que para os lusitanos vão levar gerações a adquirir. Em qualquer caso, é certo que há que abanar o sistema instalado, mais que não seja para fazer jus ao aforismo popular de que se não morrer da doença, morre da cura.

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