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31 de Maio de 2002 às 16:28

E-commerce» – défice de recursos qualificados

A procura de recursos especializados em TI, na Europa, excede a oferta em 600.000, podendo este valor ainda subir até aos 2 milhões em 2003, de acordo com alguns.

Jorge Alcobia, Accenture

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Depois de toda a euforia que se viveu, não apenas internacionalmente como também em Portugal, no que respeita ao «e-business» e ao seu potencial (nomeadamente especulativo) – à qual se seguiu uma fase de grande depressão, ou melhor dizendo, de ressaca – estamos a assistir ao começo de uma nova etapa.

Na realidade, o grande desafio passa pela mudança de cultura dos empresários e gestores europeus. Apesar de um número esmagador de empresas ter já desenvolvido iniciativas associadas ao comércio electrónico, falta ainda capturar o espírito empreendedor das «dotcoms» e embebê-lo nestas novas oportunidades de negócio. Esta mudança, está também relacionada com o modo como os empresários lidam com a incerteza que caracteriza estas iniciativas.

O lugar das «dotcoms» puras no comércio electrónico está hoje a ser ocupado pelas grandes empresas tradicionais, que acolheram de braços abertos as iniciativas relacionadas com a Nova Economia. De facto, as maiores empresas europeias são actualmente, em grande medida, responsáveis pelo desenvolvimento do comércio electrónico. Há mesmo quem fale da «vingança dos gigantes.»

A procura de recursos especializados em TI, na Europa, excede a oferta em 600.000, podendo este valor ainda subir até aos 2 milhões em 2003, de acordo com alguns analistas. Um estudo da Accenture revelou que metade das empresas americanas se refere à falta de recursos como sendo impeditiva de maior desenvolvimento do comércio electrónico.

Este factor é mais sério nos EUA do que na Europa. A escassez de recursos, ao nível europeu, é particularmente relevante no Reino Unido, Irlanda, Bélgica e Hungria, assumindo uma maior proporção nas pequenas «dotcoms» (mais do que em qualquer outro sector).

De acordo com a Datamonitor, os ganhos de produtividade para a Europa podem resultar num acréscimo do PIB na ordem dos 1,5% até 2002, partindo do princípio de que a Europa consegue «recrutar» 1,7 milhões de pessoas qualificadas.

A expectativa é que o problema da falta de recursos humanos ainda se venha a agravar, não obstante terem começado a ser tomadas algumas medidas com vista à sua resolução. A Alemanha e a Inglaterra pretenderam resolver o problema da escassez de recursos, no curto prazo, oferecendo vistos a quem detenha qualificações tecnológicas. O chanceler Gerhard Schroeder planeou disponibilizar 30.000 permissões de trabalho temporário para os técnicos estrangeiros especializados em tecnologias de informação. Porém, a resposta inicial foi fraca, provavelmente porque os salários dos EUA são mais atractivos, mas mesmo que a adesão fosse de 100%, seria insuficiente e satisfaria menos de metade das necessidades do projecto Alemão.

A Nokia é apenas uma das empresas que se encarregou a si própria de solucionar a quebra de trabalhadores especializados, através do alargamento do seu processo de recrutamento a países como a Índia e a China. O governo Finlandês deu também o seu apoio, facilitando a obtenção de vistos para estes trabalhadores especializados. Actualmente 60% dos 56.500 empregados da Nokia não são finlandeses.

A realidade é que a nível mundial existem desequilíbrios internos entre a procura e a oferta de recursos especializados. A Índia «produz» 133.000 profissionais de «software» por ano que não são absorvidos pelo mercado indiano e os EUA atingiram grande parte do seu sucesso em TI através dos imigrantes indianos e chineses que se encontram em Silicon Valley.

Mas a importação de técnicos especializados é apenas parte da solução, pois com um total de 18 milhões de desempregados na Europa na viragem do século, a educação e re-especialização deverão ser as prioridades a considerar pelos governos europeus.

À semelhança de outros países, também em Portugal as instituições de ensino começam agora a oferecer cursos específicos sobre temas de «e-business», não só na vertente mais tradicional de tecnologia, mas igualmente na vertente de gestão. De acordo com os resultados obtidos num estudo realizado em Portugal pela Accenture às maiores empresas do país, os principais obstáculos ao desenvolvimento do comércio electrónico, apontados pelas empresas/organizações portuguesas, continuam a ser a falta de compreensão sobre o comércio electrónico e de preparação dos dirigentes, pelo que se mantém o sentimento generalizado de que não existe um correcto entendimento do alcance das oportunidades e ameaças associadas ao comércio electrónico. Num segundo grupo de obstáculos destacam-se a falta de preparação dos dirigentes e a escassez de recursos humanos.

Se é certo que muitos dos projectos de «e-business» nunca teriam visto a luz do dia se analisados por critérios ensinados nas escolas de gestão, também não é menos verdade que muitos dos insucessos verificados em alguns dos projectos poderiam ter sido evitados caso os seus responsáveis tivessem algumas noções dos critérios que os mercados valorizam a longo prazo.

Assim, é de assinalar que as escolas de gestão portuguesas tenham começado a investir na formação dos nosso decisores, já que qualquer projecto de «e-business» – além de ter de verificar alguns princípios gerais, comuns a todas as empresas, tem também de se defrontar com algumas questões específicas, até ao nível da linguagem própria do meio.

É talvez importante referir aqui a falta de informação existente no mercado sobre estes temas do «e-business» – associado à «esperança» que o valor das acções de certas empresas se constrói, exclusivamente, pelo lado especulativo e sem ter em conta o valor que a empresa efectivamente cria – parte muito da falta de formação existente. Num rápido olhar sobre os cursos existentes, vemos que há desde seminários a pós-graduações, e que os conteúdo vão desde os mais tecnológicos até aos mais virados para a gestão e alta direcção/administradores.

É natural que, face à escassez de conhecimentos e de quadros preparados no mercado nacional – quer ao nível dos empreendedores (onde continua a faltar uma escola), dos investidores, dos meios de informação, dos técnicos e dos próprios clientes –, se tenha assistido a um crescimento exagerado das expectativas e que agora se assista a um recentrar das mesmas.

O que importa neste momento – como em tudo aquilo que diz respeito ao ensino – é que se formem quadros capazes de entender o fenómeno e com a agilidade de raciocínio necessário para poderem incorporar nos seus negócios este novo meio modelo à sua disposição para assim poderem tirar partido dele e ganharem as vantagens competitivas de que o país tanto necessita.

Como conclusão diria que este exemplo do «e-business» e da falta de recursos e «skills» é apenas mais um exemplo de algum défice que existe em Portugal ao nível da formação de quadros, o qual neste caso é mais sentido face à velocidade a que se desenrolou esta nova área.

Comentários para o autor para rui.rodrigues@accenture.com

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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