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29 de Março de 2005 às 13:59

Cuidado com o «Vende-se»

À uma da tarde desta segunda-feira em que vos escrevo, primeiro dia útil depois da entrada em vigor do novo Código da Estrada, olho pela janela e vejo um carro estacionado em cima do passeio e outro em cima da única passadeira desta rua de Oeiras.

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Tudo como dantes. Leio o Código e venho a descobrir que quem estacionar o seu carro em local permitido, sem atrapalhar ninguém, mas com uma folha de papel colada no vidro a dizer «Vende-se» pode ter o carro removido pelas autoridades.

A aplicação do princípio da proporcionalidade faz-me pensar que, no mínimo, o carro estacionado em cima do passeio ou em cima da passadeira não apenas será removido, mas apreendido pelas autoridades e destruído em praça pública ou doado a alguma entidade filantrópica enquanto o dono, mesmo depois de cumprida a pena de prisão, continuará impedido de voltar a por as mãos no volante. Mas não é isso. Aliás, não é nada. Daqui, de onde vejo, o estacionamento em cima de passeios ou de passadeiras continua livre e impune.

Volto ao Código da Estrada e leio que, a partir de agora, os agentes da Polícia passam a poder desrespeitar as regras e os sinais por cujo cumprimento deveriam zelar independentemente da urgência da missão (!!!). E do que vi, não há nada que penalize o polícia que se abstenha de coibir contra-ordenações graves, como o estacionamento em cima do passeio ou de passadeiras. O espírito, portanto, parece ser a desresponsabilização total das autoridades policiais, por um lado, e o agravamento de infracções que talvez nem mereçam esse nome, como o «Vende-se» colado ao vidro. O novo Código faz-se de muito rigoroso mas o que faz, ao fim e ao cabo, é deixar-nos todos à mercê do humor do agente policial, que tanto poderá ultrapassar um sinal vermelho porque simplesmente não está com paciência para parar, quanto poderá, mal disposto, remover um carro bem estacionado mas com um «Vende-se» colado ao vidro ou, tolerante, poderá fechar os olhos ao carro que, refastelado em cima do passeio, obrigue os desgraçados dos peões a correrem o risco de atropelamento. O nome disso não é «rigor». É «discricionariedade». E demagogia. Muita demagogia. A mais típica demagogia - aquela que aconselha, como solução para um código que não se aplica, a criação de um novo código que também não se aplica.

PS: Leio que o Ministério da Justiça, acusado de ser «litigante de má-fé», pode vir a ser condenado a pagar indemnizações superiores a 5 milhões de euros à construtora responsável pela obra da ex-futura-sede da Polícia Judiciária em Caxias. Mas quem é esse tal «Ministério da Justiça»? Sou eu. Eu e quem quer que pague impostos, porque, em caso de condenação, será com impostos que as indemnizações serão pagas. E, por acaso, até havia uma ministra da Justiça quando as obras, sem licenças camarárias, ambientais etc, começaram. E é dessa senhora, de nome Celeste Cardona, a assinatura do despacho que, por adjudicação directa, aliás, contratou a obra. Por alguma razão essa história lembra-me o novo Código da Estrada - especificamente a parte em que os agentes da lei são desobrigados de cumprir as leis que lhes cabe fazer aplicar, independentemente da urgência da missão.

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