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Mário Negreiros 01 de Abril de 2008 às 13:59

Ser humano

Ian McEwan. São dele os dois últimos livros que li: “Sábado” e “Na Praia”. E só não estou louco para pôr as mãos em mais um dele porque quero, antes, baixar um pouco as expectativas. Enquanto isso não acontece, permitam-me que tente, no que vos escrevo, s

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O texto de Ian McEwan é claríssimo, nítido e, precisamente por prezar a clareza e a nitidez, evita os brilhos que ofuscam. O que se passa, o que se sente, o que se vê, o que se ouve (em ambos os livros há descrições riquíssimas de músicas) é o que importa. O próprio texto é subalterno à história, aos sentimentos, às imagens e à música a que serve. Nada de barroquismos exibicionistas. A clareza é o valor máximo. O texto é tanto melhor quanto menos apareça.

Nos dois livros que li de Ian McEwan , a única personagem má, francamente má, é um sujeito que sofre de uma doença neurológica tremenda e incurável, determinadora de comportamentos potencialmente perigosos. O traço comum desses dois livros é a natureza falha, hesitante, confusa, limitada mas, essencialmente, boa, capaz de amor, do ser humano. O próprio facto de o mau ser vítima de uma doença – portanto, de uma anomalia – confirma a sensação de que a natureza de que somos feitos é, na sua generalidade, boa – por mais falha, hesitante, confusa e limitada que seja.

É reconfortante ler Ian McEwan. Não por nos apresentar um mundo cor-de-rosa – não é o que ele faz, oh, longe disso! –, mas por impor uma trégua no automassacre moral a que os escritores de fim de século nos submeteram. Passei a minha vida a ler autores que pareciam, cada um a seu modo, empenhados, todos, no único fito de mostrar a sordidez como característica fundamental da raça humana. E acabei convencido.

Ian McEwan começa a pôr-me em dúvida. Bendita dúvida. Talvez não sejamos maus por natureza, talvez tenhamos até razões de orgulho de sermos o que somos – humanos!

PS: O facto de ser, no que escrevo, o oposto do que admiro quando leio não é novidade. Quando desenhava (a carvão), fazia borrões sujos – mais pinturas do que desenhos – quando o que sempre admirei era o traço fino e limpo, à Almada.

PPS: Um dos obstáculos à consolidação da convicção de que os canalhas não são mais numerosos, mas apenas ocupam mais espaço, é a contabilidade dos carros estacionados em Oeiras – são muito, mas muitíssimo mais os carros estacionados em cima dos passeios (de borla e impunes) do que os parados no estacionamento regular (penalizado pela cobrança da empresa municipal de parquímetros de Oeiras).

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