Opinião
Beleza
A primeira vez que ouvi falar em Vasco Wellenkamp foi há uns 10 anos, no Rio de Janeiro, quando assisti, sem nenhuma expectativa, a uma coreografia dele para música de Carlos Paredes. Em menos de cinco minutos de espectáculo, pus-me a chorar a cântaros. N
Passados esses dez anos (ou mais - tenho enorme dificuldade para medir tempo decorrido) fui outra vez a um espectáculo de Wellenkamp. Era "Lento para Quarteto de Cordas", no sábado passado, no Teatro Camões. A esse já cheguei com expectativas - e das grandes. Tão grandes que procurava baixá-las, atribuindo as lágrimas do Rio à síndroma-da-guitarra-portuguesa-em corações-emigrantes (depois de voltar a Portugal, nunca mais sofri a guitarra portuguesa como a sofria nos meus anos cariocas).
O espectáculo começava com "Front Line", coreografado por Henri Oguike sobre música (executada ao vivo pelo quarteto de cordas Vianna da Motta) de Dmitri Chostakovich). Mas quando veio "Lento para Quarteto de Cordas", pronto, lá me pus a chorar outra vez. Afinal não era só a guitarra portuguesa. E, se querem que lhes diga, não sei o que era. Se havia algum discurso por trás dos movimentos dos bailarinos, não o apreendi. O que - sei lá por que vias - estimulou as minhas glândulas lacrimais a ponto de me encharcar a cara - outra vez sem um esgar, nenhuma contracção, sequer um piu, soluço nenhum - foi o mais puro gozo estético. Era a beleza, nada além da beleza, a inundar os canais lacrimais e a própria cara deste bruto que vos escreve.
Quem me lê sabe que não sou nem pretendo ser um erudito. Nem nada que se pareça. Mas há duas coisas eruditas de que gosto muito: a música e a dança. Gostaria, com certeza, das outras se as outras fossem mais permeáveis à apreciação de um não-erudito. E, de facto, até há muito pouco tempo, nem a música nem a dança eruditas contemporâneas me comoviam. Na música, sempre gostei de Bach e, depois dele, saltava logo para Ravel, Satie, Stravinski ou Vila Lobos (nunca consegui gostar de Bethoven nem de Mozart - problema meu, admito). E, depois de Vila Lobos, gostava de alguma coisa aqui, outra ali, mas achava tudo muito complicado. Ultimamente, tenho ouvido peças de música erudita contemporânea (não me perguntem nomes, já disse que não sou erudito!) lindas.
Sim, lindas! A beleza voltou a ter valor na música erudita contemporânea, mais do que a exploração do desconhecido, o rompimento com o estabelecido ou simplesmente o escândalo. E julgo que na dança acontece algo semelhante. Nada em Wellenkamp (nem no que vi de Henri Oguike ou de Mauro Bigonzetti - coreógrafo de "Cantata", terceira e última peça apresentada pela Companhia Nacional de Bailado no sábado passado) parece pretender inovar ou, muito menos, chocar. Não nego o valor dos eruditos malucos que inventaram muitos dos instrumentos de que tanto os compositores quanto os coreógrafos contemporâneos se valem para nos fazer chorar de comoção estética. Mas as palmas vão para estes, que sabem o que fazer com esses instrumentos.
PS: E as vaias? Ora, as vaias vão para os de sempre, os que desprezam tudo o que não seja o interesse próprio, e que empanturram os passeios públicos com os seus carros particulares: UUUHHHH!