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05 de Fevereiro de 2007 às 13:59

A mirrar

Foi, talvez, a partir de meados dos anos 80 que se começou a sentir o declínio do Norte. E foi, a partir daí, que aumentou a vozearia da discriminação política e económica. O discurso dos "sulistas, elitistas e liberais", atirado em sala de congressos e o

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1. Foi, talvez, a partir de meados dos anos 80 que se começou a sentir o declínio do Norte. E foi, a partir daí, que aumentou a vozearia da discriminação política e económica. O discurso dos "sulistas, elitistas e liberais", atirado em sala de congressos e os insultos de "nós só queremos ver Lisboa a arder" gritados na rua, foram momentos que ficaram. Momentos infelizes. Infelicíssimos. Dir-se-á que as rivalidades entre regiões do mesmo país existem por todo o lado. E que elas são mais visíveis nos países latinos. Onde se fala delas e onde se fala alto. É conhecido que Nápoles tem dores de cotovelo de Milão e que Milão nem sabe bem onde fica Nápoles. É sabido que Barcelona não morre de amores por Madrid e que Madrid não perde uma oportunidade para lembrar a Barcelona o estatuto de segunda cidade. É, portanto, mais ou menos natural a rivalidade entre o Porto e Lisboa. O que já não é natural é que não se faça o "trabalho de casa" e não se leve a cabo uma introspecção sobre as responsabilidades que o Norte, em geral e o Porto, em particular, têm no que dizem sentir. Não estou a falar em mais diagnósticos mostrados em sessões públicas. Porque esses, feitos nessas sessões, escamoteiam sistematicamente essas responsabilidades. Os últimos números das contas regionais, publicados na semana passada pelo INE, revelam a continuação do plano inclinado do Norte em relação ao resto do país. A criação de riqueza, o PIB per capita e a produtividade cresceram naquela região abaixo da média nacional. São particularmente impressivas duas notas. A primeira respeita ao PIB. O Norte foi a única região do país que registou um crescimento do PIB inferior ao registado no resto do território – o crescimento foi de 12,9% contra 17,3%, entre 2000 e 2004. A segunda respeita ao nível médio de riqueza gerado por habitante na União Europeia. Aqui, enquanto Lisboa ultrapassou em 9 pontos percentuais o nível médio de riqueza gerado por habitante na União, o Norte é a região mais distante do valor referenciado, situando-se 38% abaixo da média. Sabemos todos que Portugal é um país rico à escala do mundo mas é um país pobre à escala da Europa onde está inserido. Mudando para uma escala interna, o Norte tende a ser, continuadamente, a região pobre do país. Como se anda, vai para vinte anos, a fazer diagnósticos e a realidade teima em passar-lhes ao lado, é de perguntar se uma certa "cultura" e um certo "modo de estar" cultivados pelas elites do Porto e do Norte não tem grandes doses de responsabilidade no actual estado de coisas. Essa "cultura" e esse "modo de estar" passam por individualismos exacerbados e por comodismos extremos que impedem estratégias e definham tácticas. Podem continuar a dizer que trocam os bês pelos vês, mas não trocam a liberdade pela escravidão. Coisas velhas. Hoje, sem sentido. Pois que liberdade é que há se permanece e se acentua a pobreza? Que liberdade é essa que, no século XXI, dispensa a qualidade de vida? A mirrar a este ritmo, mirra, também, a liberdade.

2. Os argumentários do "sim" e do "não" ao referendo de dia 11 estão fixados e já não saem das respectivas trincheiras. Salvo uma "débacle", altamente improvável. Em recente debate televisivo, as melhores sínteses couberam a Laurinda Alves (pelo "não") e a Vital Moreira (pelo "sim"). A primeira acusando os partidários do "sim", a partir de uma descabelada intervenção de Lídia Jorge, de "coisificarem" um ser humano. O segundo acusando os partidários do "não" com uma pergunta e uma resposta: "o que oferece o "não"? O "não" oferece o que está". Se nos últimos oito anos tivesse sido visível alguma acção com tronco e membros, já a pergunta não tinha sentido. E se os senhores deputados tivessem estado com atenção à redacção da pergunta, também não. Assim sendo, "les jeux sont faits".

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