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André Macedo - Jornalista 14 de Janeiro de 2018 às 19:55

Joana Marques Vidal: o céu e inferno

Entre os elogios e as críticas a Joana Marques Vidal só me fixei realmente numa opinião, a de Miguel Sousa Tavares, por ser a única que talvez se tenha aproximado mais da realidade como ela é e não como gostássemos que ela fosse.

As investigações a José Sócrates e companhia ilimitada, além dos processos relativos à implosão do BES/GES e ainda à Portugal Telecom, outro roubo das arábias debaixo da barba de todos nós, tornam inevitável reconhecer que Joana Marques Vidal não se tornou em mais um na lista de arquivadores-gerais da República, além de ter conseguido exercer o cargo com o obrigatório resguardo público, sem soltar pistas e inuendos à entrada ou saída do automóvel, o que, como é sabido, é um magnífico contributo para dar cabo de qualquer investigação ou reputação.


Tudo somado, nos últimos anos deu-se realmente um progresso evidente em comparação com o todos os PGR anteriores desde Cunha Rodrigues, pelo menos na gestão dos processos que mexem nas estranhas do regime, em particular com a criminalidade económico-financeira. É forçoso sublinhar o grau extremo de dificuldade para conseguir alguma coisa de concreto neste terrenos movediços, complexos e de múltiplas geografias.

Dito isto, sobram-me dúvidas que talvez não seja possível jamais esclarecer sobre a real qualidade do mandato da PGR. Não me refiro à dimensão dos mega-processos - um erro que dificultará o julgamento do trio Sócrates/BES/ PT e que Joana Marques Vidal por algum motivo não foi capaz de impedir. A dúvida que coloco é mais prosaica: na verdade, eu não consigo compreender o poder efetivo que um PGR tem na gestão do trabalho do Ministério Público. Pode matar ou permitir investigações, sim, e já é bastante, mas e o resto?, sendo o resto o todo que faz a diferença no dia-a-dia.

E não consigo por diferentes motivos, a começar pelo bizarro secretismo com que todos os anteriores PGR geriram o fim dos seus mandatos. Logo que deixaram a função, todos eles mantiveram-se placidamente mergulhados em águas profundas. As entrevistas que deram foram raras e todas elas superficiais. Nenhum deles produziu sequer pensamento - para leigos, para nós, livros, por exemplo --, sobre o cargo, um esforço (digo: exigência) que talvez ajudasse o país a refletir um pouco mais sobre a justiça que temos de modo a melhor organizar o futuro.

Simplesmente, os PGR voltaram às suas vidas anteriores, não revelando a menor intenção de partilhar um pouco do saber e experiência acumulados em benefício da comunidade e do sistema. Não se tratava nem se trata de partilhar segredos e explicar casos específicos, mas de lançar um olhar profissional e desapaixonado sobre este pilar da democracia, de forma a que os portugueses conseguissem ter opinião própria sobre o assunto de forma um pouco mais fundamentada e quem sabe esclarecida.

Entre os que classificam Joana Marques Vidal de heroína e os que se mostram incapazes de reconhecer-lhe os méritos... há um enorme buraco negro: afinal, estamos a avaliar o quê em concreto? Devemos confiar em quê e em quem? Ou estaremos sempre e de novo apenas a misturar a política dos interesses com o vital exercício da justiça.
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