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O escritório já não é o que era. Trabalhadores de todas as idades querem melhores salários e um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, mas os mais jovens têm também outras exigências. Além da tão falada flexibilidade, valorizam empresas com comportamentos éticos (ambientais, sociais, políticos), alinhadas com a sua consciência.
Serge da Motta Veiga, diretor do Departamento de Pesquisa na Noema Business School, em Paris, dedica-se a investigar as relações laborais, em particular a procura por emprego e o recrutamento. Sobre a Geração Z garante uma coisa: para estes jovens, trabalhar só para pagar as contas não faz sentido. O trabalho deve servir para mudar o mundo, de preferência para melhor.
Não é a primeira vez que se fala de como a nova geração vai mudar a maneira como trabalhamos, o mesmo se disse sobre os millennials. Há realmente algo de muito único nesta nova geração de trabalhadores, a chamada "Gen Z"?
Acho que sim, algumas coisas são mais únicas. Mas penso que é mais o mundo que está a mudar, não são tanto as gerações. Damo-nos todos conta de que o ambiente está em perigo, e que ter essa missão de ajudar o mundo faz falta. Cada geração está a evoluir na maneira como entende o trabalho e quer trabalhar. E é nisso que temos de ter muito cuidado: acho que não são as gerações que são diferentes, mas o mundo que está a evoluir muito e as novas gerações estão a evoluir com o mundo.
O salário já não é o mais importante?
O salário talvez continue a ser importante, mas já não é a coisa mais importante. Cada vez que eu tenho aulas com estudantes, pergunto "Vocês querem trabalhar de graça?", e eles dizem "Não, nós queremos o nosso dinheiro, queremos ganhar bem, mas também queremos ter uma missão no trabalho, um sentido". Esta Geração Z – e já começou com os millennials e os Y – quer cada vez mais ter esse sentido de missão. Querem trabalhar, mas querem saber que o trabalho deles, a empresa para a qual vão trabalhar, tem uma missão. E isso é uma grande mudança nesta geração. É que eles querem ganhar bem, mas não querem ganhar a vida para acabar com o mundo ou para fazer com que as coisas não avancem.
Portanto, não se trata apenas de querer ter uma maior equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, mas de dar prioridade a empresas com determinados valores éticos.
Eles querem mudar o mundo. Vê-se muito, nesta geração, decidirem começar a trabalhar para uma empresa porque essa empresa quer mudar o mundo, quer fazer coisas diferentes. Mas depois dão-se conta de que talvez não seja assim tão fácil. Sim, eles também querem um equilíbrio, mas não é só um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, é não trabalhar por nada, não trabalhar só pelo salário. Eles querem um equilíbrio de vida no sentido em que se querem sentir realizados, satisfeitos. Esse sentido de missão é muito importante. A questão do equilíbrio [entre a vida pessoal e profissional] foi muito enfatizada pela covid. Acho que todas as gerações sentiram, naquele momento: "Estamos a trabalhar muito, talvez demasiado." A covid fez-nos perceber que as pessoas podem trabalhar menos e ser mais eficientes, podemos trabalhar em casa e não passar uma hora no comboio para ir para o centro de Lisboa, e outra hora para voltar para casa. Não, ficamos em casa e em oito horas, ou sete horas de trabalho, fazemos a mesma coisa. Isso também criou a cultura da flexibilidade do trabalho. Acho que isso chegou para ficar, mas não é propriamente geracional. Nos Estados Unidos, houve uma vaga de pessoas mais velhas que se deram conta: "Há 30 anos que trabalho para esta empresa, estou a matar-me a trabalhar, quero aproveitar a vida." Foi uma coisa que a covid trouxe, a "Great Resignation", o "Quiet Quitting", gente de todas as gerações começou a sentir: "Eu não quero viver só para trabalhar."
É mais circunstancial do que geracional. Mas há, de facto, diferenças geracionais ou diria que não?
Acho que há diferenças, mas as diferenças não são tão grandes como nós pensamos. Tem a ver com o período da nossa vida. Antes tínhamos filhos mais cedo, agora temos mais tarde. Isso quer dizer que temos mais tempo para mudar as coisas, não é? Eles têm 10 anos [no mercado de trabalho] antes de ter filhos, e têm menos filhos também. Então, a Geração Z tem mais tempo para mudar o mundo e tem mais imediatamente essa ideia de "Eu quero fazer alguma coisa com sentido".
As empresas já percebem isso?
Acho que há hoje um problema na relação entre as empresas e os trabalhadores. As empresas já não podem comportar-se como se comportavam dantes. Têm de perceber que há pessoas jovens que, sim, ganham um pouco mais do que antes, mas que o custo de vida aumentou muito. Se não lhes podem pagar mais, então o que é que podem fazer melhor? Muitas empresas não vão fazer essa pergunta aos funcionários e é aí que temos um problema de entendimento. As empresas que vão conseguir reter as boas pessoas são aquelas que têm essa conversa, que perguntam "O que é que vocês precisam? Como é que podemos ajudar? Qual é a coisa mais importante para vocês?". Acho que estamos a perder esta comunicação entre as empresas e os trabalhadores. As empresas pensam que toda a gente quer mais salário, os funcionários pensam que as empresas só querem ganhar mais dinheiro. Para mim, a sustentabilidade das empresas depende da comunicação com os trabalhadores, de perceberem o que eles querem, qual é a motivação deles. Nalguns casos vai ser dinheiro, noutros vai ser passar mais tempo em casa, outros vão querer viver em Espanha e trabalhar em Portugal, por exemplo.
São precisas políticas mais personalizadas?
De vez em quando tenho a impressão de que empresas e jovens não falam a mesma língua. Muitas empresas têm um plano para toda a gente, que é o mesmo. Mas o problema é que o trabalhador é cada vez mais complexo. Numa mesma empresa, vamos ter pessoas que querem ter uma carreira, outras pessoas que querem passar mais tempo com a família, outras pessoas que querem viver noutro lugar. A flexibilidade é perceber o que as pessoas querem do trabalho, e o jovem quer mais dessa variedade de coisas. O jovem tem menos essa ideia de "Eu quero o dinheiro e mais nada".
Esta geração nova põe maior ênfase na proteção da saúde mental. Isso acontece devido ao elevado número de burnouts e outras doenças mentais ligadas ao trabalho?
Acho que sim. A razão principal é o burnout, mas eu acho que antes do burnout vai ser o que eu lhe disse, vai ser a falta de comunicação. Algumas empresas estão a fazer um melhor trabalho em relação a isso. Dizem: "Você tem de me dizer se está a chegar ao burnout." Há muitas pessoas que estão stressadas, que estão com muito trabalho, demasiado trabalho, e ao invés de dizerem à empresa, ao chefe, não dizem porque acham que o chefe se vai zangar com elas. Falta essa comunicação, e a liderança tem de ouvir os trabalhadores, tem de dizer "Você não está bem, estamos aqui para ajudar". Não pode ser aquela ideia de "Ou você trabalha, ou morre no trabalho". O problema do burnout é que não há ninguém para ouvir o trabalhador. Ele dá os sinais, diz "Tenho muito trabalho, estou cansado, estou a trabalhar ao sábado, estou a trabalhar até às 22h", mas talvez o chefe diga "Isso é normal", ao invés de dizer "Ok, temos de nos sentar e falar disso". A saúde mental agora está a ser mais importante nas empresas porque elas começam a estar a par dos custos – custo em termos de dinheiro, de vidas e de reputação.
Diria que esta geração mais nova valoriza mais – ou exige mesmo – trabalhar em empresas que tenham esse cuidado?
Sim. Quando falamos de sustentabilidade, é a sustentabilidade do mundo, mas das pessoas também. Nós vamos trabalhar muito mais anos do que os nossos pais. A sustentabilidade das empresas passa pela saúde mental, pelo perceber que nós temos mais anos de vida e que o ritmo do trabalho não pode ser como era dantes. Há uma cultura, cada vez mais, de "Is it always profit? Can companies keep making more and more profit?" ["O objetivo é sempre o lucro? Podem as empresas continuar sempre a fazer mais dinheiro?"], e eu acho que não. Há muitas pessoas que já não querem trabalhar para uma empresa que só quer fazer mais dinheiro, ganhar mais dinheiro.
E pensam nisso na hora de escolher onde vão trabalhar?
Sim, estes jovens já estão mais atentos a essas coisas. Vão pensar "Ok, o salário é bom, mas como é que funciona o resto? Posso chegar às 11 da manhã? Como é que as pessoas trabalham? Trabalham bem juntas? Ajudam-se?" Há mais esse coletivismo, gostam de estar num ambiente que os vai ajudar a crescer. Querem estar numa família, onde as pessoas prestam atenção, onde dizem "Tu hoje estás mal". Eu vejo isso na minha equipa, quando alguém não está bem, vai para casa. E essa é que vai ser a liderança do futuro. A inteligência emocional da empresa, a empatia da empresa, é que vai ser o futuro. Esta geração quer ver uma empresa que tem uma empatia em relação ao mundo, aos recursos do mundo, e aos recursos dos seus trabalhadores.
Agora a "Gen Z" ainda é minoritária no mercado de trabalho, mas daqui a dez anos já terão substituído uma grande fatia dos trabalhadores. As empresas vão mudar por causa disso ou vão-se repetir os padrões do passado?
Acho que se vão repetir os padrões do passado e o avanço vai ser muito pequeno. Mas é melhor um avanço pequeno do que não ter avanço nenhum. Acho que você e eu já não vamos estar cá, mas penso que o panorama vai melhorar. Só que as coisas não mudam assim tão rápido.
O que é que diria que esta Geração Z vai conseguir assegurar, em termos de mudanças no local de trabalho?
A flexibilidade no trabalho já é uma coisa que mudou. Já estamos a falar da semana de quatro dias. Já não há perguntas se alguém não chega às 9 da manhã, se alguém chega às 10 da manhã ou se trabalha de casa. Há menos dessas perguntas. Quando você e eu começámos as nossas carreiras, perguntava-se "Mas porque é que chegaste às 10 da manhã? Tiveste algum problema?" As empresas que vão sobreviver, que vão trabalhar num ecossistema mais positivo, são aquelas que avançarem mais rápido nesse aspeto. São as que vão dizer "Queremos falar com vocês: como é que podemos fazer melhor?". Já vemos isso. A Google era a companhia mais atrativa, agora já ninguém quer trabalhar na Google. Porque o lema é "Trabalhas na Google, mas vives na Google". Eles estão a ter muita dificuldade em reter trabalhadores porque não têm essa cultura que os jovens querem.
Vê diferenças entre este movimento nos Estados Unidos e na Europa?
Sim. Em Portugal, se alguém quer ter um bom trabalho tem de estar em Lisboa ou no Porto, não vai encontrar um bom trabalho em Faro. A mesma coisa em França, em Paris. Mas acho que nós estamos num nível, agora, na Europa, em que podemos dizer, "Eu vivo em Paris, mas trabalho em Portugal". Nos Estados Unidos, as distâncias são muito maiores, e o que se passou com a "Great Resignation" é que as pessoas começaram a dizer "Eu já não quero viver em Los Angeles. Mas quero continuar a trabalhar na empresa. Se a empresa diz que não, então vou-me embora". Nós não temos essa flexibilidade de distância, os nossos países são mais pequenos, até França, que é um grande país, não é tão grande como os Estados Unidos. Não temos um mercado de trabalho tão dinâmico – nos Estados Unidos você deixa um trabalho e encontra outro no dia seguinte. Isso em Portugal, França ou Espanha é quase impossível. A dinâmica do que se está a passar nos Estados Unidos é muito maior, muito mais acelerada. O que nós estamos a ver aqui na Europa é uma versão mais pequena, mais controlada. Mas a ideia da flexibilidade que eles têm lá está a chegar cá. E a grande diferença que temos em relação aos Estados Unidos é que – não podemos esquecer – nós tivemos sempre um equilíbrio de vida melhor.
Hoje em dia, os jovens começam a trabalhar já com esta ideia de que o trabalho é sempre temporário, já quase não existem empregos para a vida. Mas, ao mesmo tempo, exigem às empresas grandes compromissos éticos, mudanças, tomadas de posição em questões políticas ou ambientais. Não é contraditória essa exigência em relação a instituições onde não vão ficar muito tempo?
É contraditório, mas também não é contraditório. Trabalhamos num ecossistema e as empresas têm de perceber que estão juntas nesse ecossistema. Eu falo com os jovens, falo com as empresas, e digo "Vocês têm de pensar no conceito de bumerangue". Há sempre um momento em que o jovem quer outras coisas que a empresas já não pode dar. Mas quando o jovem vai embora, continua a discussão, e talvez aquele jovem volte para a empresa daqui dez anos.
Acha, então, que estes trabalhadores mais jovens conseguem pressionar as empresas a adotar determinados valores?
Acho que sim. Por exemplo, viu o que se passou nos Estados Unidos com o aborto? As empresas estão a pagar [as deslocações para estados onde é possível interromper a gravidez]. Isto aplica-se a tudo: à sustentabilidade, à diversidade, à igualdade. Acho que as empresas podem fazer a diferença. Não vão ser todas as empresas, vão ser algumas, e não vai ser toda a gente, porque alguns jovens não querem essas coisas. É o ecossistema de que estava a falar. Acho que é o dever das empresas começar a fazer as coisas de forma diferente.