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André Macedo - Jornalista 24 de Junho de 2018 às 21:50

Petróleo: a gasolina barata da demagogia

O aumento dos impostos indiretos, escolha assumida desde a primeira hora para ajudar a compensar a redução dos impostos e contribuições extraordinárias sobre o trabalho a uma velocidade superior ao que parecia possível, serviu bem as necessidades das pessoas e do Estado sem pôr em risco a recuperação da economia. Pelo contrário, a troca funcionou em pleno.

A vantagem desta solução política em que o governo não tem maioria sozinho no Parlamento é a obrigação de ter de elevar-se a um padrão mais elevado na partilha das decisões. Sozinho, António Costa não vai a lado nenhum. Não é esta a razão de ser, o ponto máximo da política? Por consentimento expresso ou silêncio deliberado dos outros partidos, o primeiro-ministro está, portanto, obrigado a negociar com os outros, devendo fazê-lo obedecendo ao sentido do trânsito ideológico actual, isto é, oferecendo prioridade a quem chega da esquerda, os parceiros hoje ainda naturais; mas sem esquecer que neste longo caminho haverá inevitavelmente excepções a ter em conta. 

 

Foi assim agora no retoque da lei laboral, globalmente no sentido correto - mexendo o mínimo e bem, sem demolir o bom que vem de trás -, deixando cair sem hesitações o Bloco de Esquerda e o PCP para encontrar apoio mais ao centro, o espaço único para este tipo de mudanças nas leis do trabalho. Isto sem esquecer o caminho feito em simultâneo para melhorar um pouco a vida difícil dos chamados precários, uma obrigação política que não aceita mas e ses ou outras justificações patéticas: pura e simplesmente, os precários não só existem, como subsistem em condições profissionais execráveis. Salário mínimo e precários são temas civilizacionais. No ponto em que se encontram não são temas ideológicos, são da mais elementar decência.

 

Onde o Governo errou em toda a linha e ficou desesperada e justamente sozinho, à esquerda e à direita, a sul e a norte, a este e oeste, ou seja sem bússola alguma, foi neste assunto do adicional ao imposto sobre os combustíveis, um tema de sensibilidade máxima para as pessoas e as empresas. O compromisso inicial de o reduzir logo que o preço do crude subisse foi esquecido sem embaraço em nome da velha lógica desesperada - o Estado precisa de receitas - como se essa inevitabilidade, a urgência de dinheiro, não tivesse outros meios mais sérios para ser atingido e se sobrepusesse a tudo o mais, designadamente os compromissos anunciados ao país. Quem diria que este governo iria cometer exatamente o mesmo pecado do anterior, o da soberba...

 

O aumento dos impostos indiretos, escolha assumida desde a primeira hora para ajudar a compensar a redução dos impostos e contribuições extraordinárias sobre o trabalho a uma velocidade superior ao que parecia possível, serviu bem as necessidades das pessoas e do Estado sem pôr em risco a recuperação da economia - pelo contrário, a troca funcionou em pleno. Entre os vários aumentos nas taxas de imposto, o dos combustíveis afigurava-se no entanto o mais delicado por já se encontrar a um nível bastante elevado, no top entre os países europeus - bem acima dos 50% do preço final -, e porque o valor poderia continuar a subir com a valorização previsível do preço do petróleo. E foi o que aconteceu.

 

Depois da bonança dos 35/40 dólares por barril, que ainda durou um bom par de anos, os primeiros deste governo, tornando tolerável a visita obrigatória a um posto de combustível, a verdade é que este parêntesis acabou e estamos de novo no cenário habitual, onde o preço da energia tem tudo para se manter elevado. No caso do crude, a namorar os 70 dólares, mas com tendência a subir. Neste contexto, construir um orçamento sem uma regra travão, aliás, um imperativo político que permitisse reduzir ou acabar com o adicional ao imposto sobre os combustíveis logo que o preço do petróleo ultrapassasse determinado valor, de resto como prometido no início da legislatura, revela inconsistência e um terrível alheamento do que importa às pessoas. Mário Centeno, por onde andais que não vos vejo?...

 

Fizeram bem os partidos, que não o do governo, em procurar derrubar desde já esta cegueira do Ministério das Finanças. Não vai a bem, vai a mal, e a mim parece-me lindamente. A única coisa que me escapa é a inconsequência do Bloco e do PCP. Consideram o assunto dos combustíveis tão vital para as famílias que arriscam a relação com o governo, mas depois manifestam-se primariamente contra a pesquisa (para já) e a exploração (se houver alguma coisa) de petróleo na bacia do Atlântico, ao largo de Portugal, a quase 50 km da costa - isso do furo em Aljezur é como dizer que Lisboa fica em Sesimbra, bendito rigor científico... - como se a economia dos hidrocarbonetos fosse eclipsar-se ao virar da esquina. Más notícias: não vai. Importar petróleo só nos expõe mais ao alvoroço dos mercados. 

 

 

O artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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