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Estado garante metade da TAP mas privados protegem investimento

O acordo entre o consórcio Atlantic Gateway e o Estado dá aos dois lados a possibilidade de dizerem que não perderam nas negociações. Humberto Pedrosa foi mais directo: "O que é se passou aqui? Foi baralhar e dar de novo".

06 de Fevereiro de 2016 às 13:30
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A expressão do presidente da Barraqueiro, Humberto Pedrosa, disse tudo: "O que é que se passou aqui? Foi um baralhar e dar de novo". E assumiu que o seu projecto "não era este", mas "não dava para casar os dois objectivos. O Governo queria a maioria e nós também". 

No final, o Governo não ficou com maioria. Ficou com 50% do capital, ou seja com direitos de voto, mas sem os mesmos direitos económicos. E ficou com poder de nomear seis pessoas para um conselho de administração de 12 pessoas, incluindo o presidente que fica com voto de qualidade. Só que até mesmo aqui o poder de decisão pode ficar limitado, já que qualquer opção estratégica tem de ser aprovada por maioria qualificada (ou seja dois terços dos elementos).

Na comissão executiva o Estado não tem qualquer lugar. António Costa afirmou, na conferência de imprensa que assinalou a assinatura do acordo, que o "Estado não quer intervir na gestão do dia-a-dia da TAP", mas quer garantir "perenidade" nas opções estratégicas. Ou seja, a TAP não sairá de Portugal. No contrato de compra e venda assinado pelo anterior Governo, o caderno de encargos previa uma obrigação de permanência do "hub" em Portugal durante pelo menos 30 anos. António Costa fez questão de salientar que essa perenidade termina. No contrato anterior, o Estado poderia sair da TAP dentro de dois anos, obrigando-se o consórcio a permanecer na transportadora por 10 anos.

António Costa rematou: "Daqui a dois, 10 e 30 anos Portugal continuará a existir e a precisar da TAP. Nós já cá estamos há 900 anos, encontraremos boas razões para permanecerem [privados] accionistas da TAP".

E será no fortalecimento da TAP - na sua salvação como acabou por dizer David Neeleman - que o consórcio privado garantirá o seu retorno do investimento.

É que o Estado tem 50% do capital, seis lugares no conselho de administração, mas não terá poderes de gestão nem terá quase nenhum direito aos dividendos que vierem - se vierem - no futuro a ser distribuídos.

Estado com poucos direitos económicos

No âmbito do memorando de entendimento - porque foi disso que se tratou na assinatura deste sábado - o Estado fica com 50% das acções, mas com uma participação económica mínima. É esta a garantia dos privados que o seu investimento ficará protegido.

Como? O Estado abdica dos seus direitos económicos, aqueles que dão direito a dividendos. Ficará com direitos de 18,75% quando for feita a emissão de obrigações prevista e só na medida em que opte por subscrever 30 milhões de euros desse empréstimo que será de 120 milhões de euros. Será um empréstimo convertível em acções, mas o Estado nunca poderá ter mais de 50% das acções. O que significa que na altura da conversão poderá, até, ter de vender acções, apurou o Negócios.

Pedro Marques, ministro do Planeamento e Infraestruturas, garantiu, na conferência de imprensa, que é "intenção do Estado subscrever esses 30 milhões que lhe cabem".

Esses 120 milhões de euros estão incluídos na fatia dos 388 milhões de euros que o consórcio se comprometeu injectar na TAP quando a comprou. 180 milhões já foram injectados. 120 milhões serão feitos por empréstimo obrigacionista (sendo que 30 milhões serão subscritos pelo Estado) e os restantes 80 milhões serão feitos por prestações suplementares do prestações suplementares.

Todo este acordo está, no entanto, dependente da TAP conseguir renegociar com os bancos os empréstimos até aqui existentes, em termos de taxas de juro e maturidades. Essa aliás é condição para que o memorando assinado este sábado possa ser concluído. E de acordo com a informação divulgada, há uma meta de 30 de Abril deste ano para se passar do memorando para um contrato de promessa de compra e venda e para que o acordo parassocial fique fechado.

Um acordo parassocial que dará à TAP, então, os tais direitos económicos mínimos. O consórcio fica com um impedimento de vender a sua participação durante cinco anos, os mesmos que limitam a distribuição de dividendos. O consórcio apesar de ficar com menos capital na TAP fica, no entanto, com mais direitos económicos. No acordo firmado com o anterior Governo, o consórcio ficava com 61% do capital e direitos económicos e o Estado com 34%, depois de vendidos os 5% aos trabalhadores. Agora, os trabalhadores continuam a ter direito aos 5%, o Estado fica com 50% e o consórcio com 45% (e com toda a participação que os trabalhadores não queiram).

Mas em termos de direitos económicos a situação muda: o Estado fica com apenas 18,75% depois do empréstimo obrigacionista, ou seja, depois de injectar 30 milhões. O restante cabe ao consórcio privado e aos trabalhadores que subscrevam acções. Ou seja o consórcio privado terá 76,25% dos direitos económicos se os trabalhadores tiverem 5%.

No anterior acordo,o Estado poderia sair totalmente do capital, vender os 34%, dentro de dois anos. António Costa diz que isso já não é assim e que o Estado ficará no capital, nunca podendo ultrapassar 50%. O consórcio garante, assim, que o Estado não fica maioritário.

A empresa é privada, salientaram David Neeleman e Humberto Pedrosa, com a garantia de António Costa que não haverá interferência política.

O Estado garantirá, no entanto, no acordo parassocial que quando o consórcio estiver em condições de diluir a sua posição, quer pela venda a terceiros quer pela entrada em bolsa do capital da TAP, a maioria do capital ficará do Estado.

Mesmo preço pelas acções

Para voltar a ter 50%, o Estado compromete-se a comprar 11% das acções de volta (o consórcio fica com 50%, mas 5% estão reservados aos trabalhadores). E garante que o fará ao mesmo preço que o consórcio pagou, ou seja, 10,93 euros por cada uma, num total de 1,9 milhões de euros. Isto para que não haja problemas em Bruxelas, a fim de não ser considerada ajuda estatal.

Só que este preço acaba por ser na prática um desconto face aos 10,93 euros que o consórcio pagou. Isto porque este mesmo consórcio já injectou 180 milhões de euros na transportadora. "É uma simpatia nossa", disse ao Negócios Humberto Pedrosa, a sorrir.

Mas se este acaba por ser um preço com prémio, o Estado acabará por despender 30 milhões de euros no tal empréstimo obrigacionista.

Toda esta reconfiguração terá de voltar a Bruxelas e aos reguladores sectoriais e da concorrência para nova análise. O Governo, segundo fontes contactadas, acredita que isto não será motivo de litigância por parte de anteriores interessados, que podem ver nesta reconfiguração uma forma de pedir a nulidade do concurso.

Plano estratégico aprovado

Garantindo o Estado que não interferirá na gestão, o plano estratégico da TAP terá no entanto de passar no crivo dos administradores que forem escolhidos pelo Estado. E o plano que está já a ser implementado pela TAP está, segundo foi referido na conferência deste sábado, aprovado.

O Governo diz garantir que a TAP ficará com "hub" em Lisboa e com uma presença "relevante" no Porto. Mas a definição de rotas cabe à comissão executiva, liderada por Fernando Pinto. E, por isso, Pedro Marques não se alongou nos comentários às decisões já tomadas pela transportadora de terminar com algumas rotas a partir do Porto. Isso, disse, seria interferir na gestão do dia-a-dia.

Assinado o novo memorando, as negociações prosseguem com a meta de 30 de Abril no horizonte. O memorando, assinado no dia seguinte à apresentação do Orçamento do Estado para 2016, é mais um passo no que António Costa definiu como estratégia do seu Governo - voltar a ter a maioria da TAP. Não tem. Mas fica com uma posição paritária. Falta saber o que dirão os partidos mais à esquerda, com quem tem acordo parlamentar, e dos quais necessita para aprovar o Orçamento.

Tome NotA
O novo acordo - Estado fica com 50% do capital; Consórcio de Neeleman e Pedrosa ficam com 45% e trabalhadores com 5%.

-Os 5% dos trabalhadores ficam para o consórcio caso as acções não sejam compradas

- Para passar de 39% (que ainda inclui os 5% dos trabalhadores) para 50% o Estado recompra acções ao consórcio por 1,9 milhões de euros

- TAP fará empréstimo obrigacionista de 120 milhões. O Estado pretende subscrever 30 milhões

- Depois de empréstimo, ficará com 18,75% dos direitos económicos. Até lá tem menos

- Conselho de administração terá 12 elementos: seis do Estado, seis dos privados. Presidente será escolhido pelo Estado e terá voto de qualidade

- Comissão executiva de três elementos é só privada

- Negócio condicionado pela renegociação da TAP com bancos para renegociação da dívida, em termos de maturidades e taxas de juro

- Consórcio não pode vender durante cinco anos

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