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Roubos, mentiras e feitiçaria: Mário Ferreira vs Soares da Costa no Monumental

Monumental novela com a construção de um hotel na “sala de visitas” do Porto. Há duas semanas que a bronca se instalou na “praça pública”. O enredo tem como principais protagonistas o dono da obra, Mário Ferreira, e o CEO da Soares da Costa, Joaquim Fitas.

Mário Ferreira, dono da Douro Azul e promotor do Monumental Palace Hotel. Ricardo Castelo
18 de Novembro de 2017 às 18:09
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Foi por um "e-mail" enviado a 300 quilómetros de distância que Mário Ferreira descobriu o tripeiro Monumental. Há cerca de quatro anos, numa reunião em Lisboa com uma representante da banca, uma arquitecta, que tinha como missão encontrar um edifício que pudesse corporizar o primeiro hotel da empresa na capital, o empresário é surpreendido com o encantamento da arquitecta por um imóvel situado em plena Avenida dos Aliados, a poucos metros da Câmara do Porto.

 

Mário deixou-se também apaixonar pelo imóvel, que fazia parte do portfólio desse banco. Esqueceu Lisboa e concentrou-se no desenvolvimento de um projecto que tem como objectivo posicionar o Monumental como "o melhor hotel de cinco estrelas da cidade do Porto".

 

Inaugurado há precisamente 87 anos, em Novembro de 1930, o Monumental era o maior café de Portugal e considerado um dos mais luxuosos da Península Ibérica. Tendo por cima a pensão com o mesmo nome, o Café Monumental dispunha ainda de 24 mesas de bilhar e era também famoso por ser um local cheio de música - tinha uma grande sala de concertos onde, diariamente, tocavam duas orquestras ao vivo.

 

Num investimento superior a 20 milhões de euros, apoiado com 11 milhões pelos fundos europeus do Compete 2020, o projecto de Mário Ferreira chama-se Monumental Palace Hotel (MPH) e terá 78 quartos, incluindo as suites nupcial e presidencial, e nove apartamentos T1 para estadias mais longas, com serviço de limpeza e "room service". E recuperará a memória do Café Monumental, com capacidade para 140 pessoas.

 

A 7 de Outubro de 2015, a empresa promotora do MPH entregou a um ACE (agrupamento complementar de empresas) criado pela Soares da Costa (SdC)a empreitada de reabilitação e construção do hotel.

 

Quando apresentou publicamente o projecto de construção do Monumental, Mário Ferreira disse que o hotel entraria em funcionamento um ano depois, no final de 2016, apontando a festa de inauguração na noite de passagem de ano para 2017.  

 

Greve à porta do Monumental foi a última gota de água para Mário Ferreira

 

Mas eis que a SdC entra em crise, com o garrote da dívida de quase 700 milhões de euros e a escassez de obras a obrigá-la a entrar em Processo Especial de Revitalização (PER), que já leva duas versões sem que ainda tenha conseguido firmar a continuidade da quase centenária empresa.

 

A construtora de capitais angolanos começou cedo a atrasar-se no pagamento aos seus trabalhadores, que têm desde então vindo a promover acções sindicais na rua para denunciar a situação.

 

No dia 3 de Novembro passado, a obra do MPH foi o palco escolhido para mais uma acção de luta, que incluiu a greve dos quase 100 trabalhadores da SdC que laboravam nesta empreitada e que prometiam não regressar ao trabalho até que a situação do pagamento dos salários fosse normalizada.

 

Contactado pelo Negócios, Mário Ferreira, ausente no estrangeiro, faz um primeiro disparo sobre a SdC.

 

"Foi com enorme surpresa que agora nos deparamos com uma greve dos trabalhadores da SdC, e em particular dos que à obra do MPH estão alocados, pois o MPH não pode nem vai admitir que a SdC tenha os salários dos trabalhadores em atraso, com a consequente paralisação da obra a que a legítima greve dos trabalhadores conduz", afiança o empresário.

 

Ferreira alega que "a falta de pagamento é tão mais grave quanto é facto que o MPH não se tem limitado ao pagamento dos trabalhos executados pela SdC, como já lhe entregou, a título de adiantamento, uma avultada quantia, por forma a evitar a suspensão dos fornecimentos, serviços e trabalhos".

 

Aliás, garante ainda o dono da obra, "todos os trabalhos realizados até à data obtiveram sempre adiantamento por parte da MPH".

 

Acontece que, acusa Mário Ferreira, a construtora terá desviado o dinheiro destinado ao pagamentos de salários e equipamentos para o MPH.

 

"Foi-nos comunicado pela fiscalização de obra que neste momento faltam justificar ou entregar equipamentos, cujos valores foram adiantados pelo dono da obra num montante de 1,5 milhões de euros", denuncia o empresário.

 

A título de exemplo, o também dono da Douro Azul elenca "o posto de transformação de electricidade, ‘chillers’ e outros equipamentos, que deveriam ter já sido entregues para montagem em obra mas não foram pagos aos fornecedores e não existe neste momento justificação para a falta do dinheiro, nem dos equipamentos", lamenta.

 

Assim, "tudo nos leva a crer que a administração da SdC tenha autorizado indevidamente desvios de montantes substanciais da nossa obra", acusa ainda o cognominado "rei" do rio Douro.

 

"Factos" graves que Ferreira admite estar "com dificuldade em apurar pela reincidente impossibilidade de contacto com o CEO Joaquim Fitas", admitindo que, "com as notícias de que a falta de pagamento se estende também aos trabalhadores, tudo levará a crer que também as verbas destinadas aos trabalhadores foram para outras paragens".

 

Resultado: a empresa MPH vai accionar judicialmente a SdC por incumprimento contratual e utilização indevida dos meios afectos à recuperação do edifício.

 

O promotor do MPH adiantou que a construção do hotel deveria ter em permanência "180 trabalhadores", mas que só "têm lá estado 100".

 

Construção do Monumental "apresenta já um irrecuperável atraso de seis meses"

Se conhecia as dificuldades por que passava a SdC, por que lhe adjudicou a obra? "Mesmo tendo conhecimento das debilidades económico-financeiras da SdC, a administração da MPH decidiu pela adjudicação da obra, motivada pelo seu histórico e larga experiência em obras de reabilitação, com mão-de-obra trabalhadora experiente e qualificada, particularmente no sector hoteleiro", justifica Mário Ferreira.

 

Desde então, garante o empresário, "o MPH tem viabilizado financeiramente a continuação do ACE, na tentativa de ver realizada a obra do hotel".

 

Porém, "não obstante toda a cooperação prestada pelo MPH, a empreitada apresenta já um irrecuperável atraso de seis meses face ao plano acordado", lamenta o dono da obra.

 

Sindicato afasta SdC e abraça Mário Ferreira

 

Nesse mesmo dia, o Sindicato da Construção de Portugal envia um comunicado às redacções em que louva o adiantamento de 1,5 milhões de euros do grupo de Mário Ferreira à SdC na empreitada do MPH, apoia o afastamento da construtora e a manutenção dos trabalhadores em obra.

 

"A Douro Azul, passado pouco tempo do início da construção do Hotel Monumental, fez um adiantamento à Sociedade de Construções Soares da Costa de 1,5 milhões de euros para resolver os seus problemas de tesouraria. É de louvar esta atitude!", considera o sindato.

 

Alega a organização sindical que "o presidente executivo da administração [da SdC], Joaquim Fitas, não cumpriu nem respeitou a disponibilidade do dono da obra, ao não cumprir com os prazos para a execução da mesma".

 

Assim, conclui, "se o dono da obra retirar a empreitada à SdC, mantendo os trabalhadores em obra, o sindicato está inteiramente de acordo com esta decisão".

 

Para o sindicato liderado por Albano Ribeiro, a obra projectada deveria ter sido construída "num espaço de tempo que era perfeitamente exequível", sendo que "as duas partes estiveram de acordo", mas que, "infelizmente por parte da SdC, não se verificou, logo o dono da obra, a Douro Azul, tem todo o direito de manter os trabalhadores em obra", conclui.

 

Com "o incumprimento perante os parceiros sociais, será difícil a SdC afirmar-se no sector", remata o sindicato.

 

Soares da Costa nega ter desviado verbas

 

Depois de Mário Ferreira e do sindicato, foi a vez de a SdC, ainda nesse dia 3 de Novembro, se pronunciar sobre as acusações de um e de outro, também via comunicado às redacções.

Apesar de afirmar que "não vai dirimir conflitos ou interpretações de contratos na praça pública", a construtora "recusa veementemente a ideia de que poderia ter desviado verbas afectas a determinado contrato para outros fins que não o cumprimento das suas obrigações fiscais, laborais e para com os seus clientes".

E não obstante reconhecer que "a situação da empresa é difícil", a SdC diz acreditar que "será possível ultrapassar esta fase".

E, "como sempre", enfatiza a empresa, "estamos e estaremos sempre disponíveis para encontrar uma solução em diálogo com todos os nossos parceiros, colaboradores, clientes e fornecedores", ainda que, como referiu, "tem vivido nos últimos anos uma situação muito difícil resultante de um conjunto de factores internos e externos, agravados pela crise do sector da construção civil e obras públicas e pela situação económica em alguns mercados onde está presente".

 

Empresa MPH "ocupou" o local da obra e "expulsou" os trabalhadores

 

Dois dias depois, num domingo, a SdC denuncia que a empresa de Mário Ferreira "ocupou" o local da obra e "expulsou" os trabalhadores, negando-lhes o acesso ao local de trabalho, tendo a construtora participado "à PSP do Porto esta ocorrência".

 

Na resposta, o promotor do MPH anuncia que notificou nesse domingo a administração da SdC da sua decisão de rescisão de contrato, procedendo de seguida "o controlo da obra, tendo convidado, de forma ordeira e pacífica, o vigilante presente na obra, e único representante do ACE [Agrupamento Complementar de Empresas] no local, a retirar-se do espaço, o que foi cumprido no final do seu turno, por volta das 18:00", na presença da PSP do Porto.

 

Segundo a empresa do também dono da Douro Azul, "não houve qualquer situação de confronto durante o processo, sendo totalmente falsas as informações prestadas em comunicado pela SdC".

Para o promotor do MPH, as declarações da construtora liderada por Fitas "só podem ser entendidas como uma manobra de vitimização e tentativa de manipular a atenção pública dos problemas reais da SdC: a total incapacidade em cumprir com o contrato de empreitada, bem como de garantir as condições do normal funcionamento dos colaboradores da sua responsabilidade, que saberão julgar, porque já o entenderam por certo, do carácter e capacidade da sua administração", acusa.

 

Sindicato acorda com o dono do hotel a integração dos trabalhadores da Soares da Costa

A 9 de Novembro, o Sindicato da Construção e Mário Ferreira assinam um acordo para a integração dos trabalhadores alocados à obra, assim como "a integração de outros trabalhadores da SdC, que se encontrem inactivos ou suspensos, e até a um máximo de 50, para reforçar as equipas da empreitada, de forma a recuperar alguns dos atrasos verificados até à data".

 

O promotor do MPH acordou ainda com o sindicato, "de forma a ajudar os colaboradores a atenuar as suas dificuldades económicas resultantes dos meses de salários em atraso", a disponibilidade do dono da obra "em adiantar 50% do primeiro salário referente a esta nova fase da empreitada assim que os mesmos iniciem os trabalhos que serão retomados na próxima semana".

 

Face à situação vivida pelos trabalhadores afectos à construção do Monumental, que têm salários em atraso entre um e oito meses, a dona da obra considera que a sua proposta "permite solucionar um problema criado pela incapacidade de resposta da Soares da Costa às suas obrigações contratuais, com parceiros e colaboradores".

 

Uma solução negociada com o Sindicato da Construção de Portugal que, enfatiza a mesma fonte, "procura minimizar a frágil situação económico-financeira em que estes colaboradores e suas famílias se viram involuntariamente envolvidos, permitindo-lhes continuar a sua actividade laboral de forma condigna e com condições justas".

 

O "feiticeiro" Ferreira e as "mentiras" de Fitas

 

Com a empresa MPH a anunciar que irá a tribunal exigir que a SdC devolva os dois milhões de euros que adiantou para materiais e equipamentos que não recebeu, a SdC considera que a rescisão contratual por parte da dona da obra foi "ilegal e ilícita", que gerou prejuízos "nunca inferiores a um milhão de euros", que irá reclamar judicialmente.

Na passada quarta-feira, 15 de Novembro, Joaquim Fitas decide criticar duramente Mário Ferreira e acusá-lo de roubo. "Sou um aprendiz de feiticeiro relativamente ao presidente da Douro Azul e, portanto, não posso entrar neste bate boca", afirmou, em declarações ao jornal online Eco.

"Só ontem [14 de Novembro] é que conseguimos aceder ao contentor da direcção da obra, e foram-nos roubados os documentos de registo de obra, nomeadamente o livro de obra", garantiu. "Tivemos que ir à esquadra fazer queixa da situação", lamentou.

 

E inverteu a responsabilidade pelo mau andamento da obra de construção do MPH: "Independentemente das nossas dificuldades, constituímos um ACE e suportamos as sucessivas inabilidades e ineficiências do dono de obra, nada aconteceu dentro dos prazos, nem a autorização de licenças. Em Setembro ainda não tínhamos a estabilidade do projecto", acusou.

 

No dia seguinte, em entrevista ao Negócios, Mário Ferreira rechaça as acusações de Fitas e ataca: "Joaquim Fitas cada vez se afunda mais nas mentiras e incoerências", afirma.

 

Referindo-se a Fitas, em tom irónico, Ferreira afirma que "ele saberá com certeza que em qualquer obra, mas também neste caso em particular do Hotel Monumental, o dono de obra tem a obrigação legal de assegurar e garantir a conservação e integridade do livro de obra, (bem como, comprovar, em caso de destruição, perda ou extravio, a ocorrência que os causou, e realizar, em caso de destruição, perda ou extravio, a reforma integral), nos termos do art. 15º, Portaria n.º 1268/2008, de 6 de Novembro", detalha.

 

"Perante as obrigações legais de conservação do livro de obra e demais documentação atinente que sobre a MPH incidem, só com intuitos difamatórios se compreendem as declarações de Joaquim Fitas que, ao arrepio da lei, fala em roubo do livro de obra", critica o mesmo empresário.

 

Para Mário Ferreira, "a preocupação de Joaquim Fitas prende-se desde logo com a falta de cumprimento da obrigação da SdC de preenchimento do referido livro de obra, desde o mês de Junho, o que se deverá à não substituição do director técnico da obra que abandonou a SdC, por falta de pagamento de salários e que nunca voltou a ser substituído, fruto da inércia vivida nos últimos meses que acabou com o desfecho conhecido".

 

Relativamente a Fitas se considerar "um aprendiz de feiticeiro" comparativamente ao dono da Douro Azul, Mário Ferreira carrega no sarcasmo: "O desespero do administrador da SdC vai mais longe e é tal que, na falta de quaisquer contra-argumentos, apela à feitiçaria", respondeu, afiançando que, "quanto mais informação" obtém sobre a intervenção da construção na obra, "mais percebemos a gravidade dos incumprimentos da SdC e que usamos de excessiva condescendência com a sua administração".

 

"Desde Junho que ele nunca me retribuiu as chamadas"

Já esta sexta-feira, em declarações ao Dinheiro Vivo, Ferreira disse ter ficado "um pouco chocado com o palavreado que o dr. Fitas tem usado".

"E é uma pena que isto tenha acontecido porque, até a nível pessoal, sempre tive uma grande estima e amizade pelo dr. Joaquim Fitas. Convidei-o para eventos privados a ele e à sua mulher com muito gosto. É uma pessoa de bom trato e até é desagradável que este tipo de troca de galhardetes existam", afirmou.

Diz que tentou "contactá-lo por várias vezes", mas que Fitas nunca o atendeu.

"Mandei mensagens, telefonemas. E desde Junho desde ano que ele nunca me retribuiu as chamadas", contou.

Curiosidade adicional: ambas as empresas são representadas pela mesma agência de comunicação, a JLM Associados, tendo o contrato com a de Mário Ferreira sido entretanto suspenso.

Com os trabalhadores de regresso ao Monumental, o empresário espera abrir o hotel antes da Páscoa do próximo ano. 

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