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11 perguntas e respostas sobre o conflito laboral na Autoeuropa
O Negócios conta como começou a greve histórica na fábrica da Volkswagen, o que exigem trabalhadores e administração e quais as consequências se esta guerra laboral escalar.
1 - Porque aconteceu a greve na Autoeuropa?
A questão de fundo na Autoeuropa é o dia de trabalho ao sábado. A administração quer introduzir o dia de trabalho ao sábado devido à chegada do novo modelo, o SUV citadino T-Roc. Mas os trabalhadores rejeitaram em referendo a proposta da administração para remunerar o dia de trabalho ao sábado.
O pré-acordo alcançado entre a comissão de trabalhadores e a administração no final de Julho acabou por ser chumbado dias depois pelos trabalhadores da Autoeuropa, o que provocou a demissão da comissão de trabalhadores. A greve de 30 de Agosto tinha sido marcada anteriormente, a 21 de Julho, mas com o pré-acordo chumbado por 75% dos trabalhadores e a comissão de trabalhadores demissionária, o dia de paragem em Palmela avançou mesmo.
O sindicato SITE, afecto à CGTP, disse que a "adesão à greve foi total. Desde às 23:30 que a Autoeuropa está completamente parada. Não se produziu um único automóvel". Já a administração da fábrica apontou que a adesão à greve tinha sido de 41%.
2 - O que querem os trabalhadores?
A greve de 30 de Agosto foi aprovada pelos trabalhadores da Autoeuropa em dois plenários realizados a 21 de Julho. A primeira grande questão deste conflito laboral é a obrigatoriedade de trabalhar todos os sábados. O sindicato SITE Sul considera que os novos "horários de trabalho ameaçam de morte o direito a conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar" e exige que a administração recue na sua intenção.
Em segundo lugar, surge a discórdia por razões financeiras. Os trabalhadores consideram que a proposta apresentada pela administração (extra de 175 euros por mês) fica abaixo do valor que receberiam se o sábado fosse pago como horas extraordinárias (400 euros mensais).
O sindicato SITE Sul vai ser recebido pela administração da fábrica no dia 7 de Setembro, onde vai apresentar a resolução aprovada por 3.000 trabalhadores da Autoeuropa a exigir o recuo da obrigatoriedade de trabalhar aos sábados.
3 – O que quer a administração?
A fábrica de Palmela vai passar para a "liga das grandes fábricas" pois vai ter finalmente um "carro de grande volume" de produção, depois de anos a produzir "modelos de nicho", segundo o director-geral da fábrica, Miguel Sanches.
Isto implica que a Autoeuropa vai ter que quase triplicar a sua produção para 240 mil unidades em 2018 face aos níveis de 2016. Se esta meta for atingida, vai eclipsar o recorde anterior de produção em Palmela: 139 mil unidades em 1998.
Para produzir estas 240 mil unidades, sendo a maioria T-Roc, a fábrica está a contratar 2.000 trabalhadores, que se vão juntar aos cerca de 3.500 trabalhadores da empresa. Mas para atingir este nível de produção a fábrica vai introduzir o turno nocturno e também o dia de trabalho ao sábado. No total, a fábrica da Autoeuropa vai trabalhar sem parar durante seis dias por semana, em três turnos diários, num total de 18 turnos semanais.
4 - Porque é que a greve aconteceu nesta altura?
A primeira greve da Autoeuropa em mais de vinte anos de vida, sem contar com as greves gerais, acontece devido a uma mudança de paradigma na produção da fábrica portuguesa da Volkswagen.
A produção vai atingir recordes com a chegada do T-Roc, e um novo máximo de trabalhadores, e para isso vai precisar de estar a produzir sem interrupções durante 24 horas por dia, seis dias por semana.
Ora, isto é uma novidade para os trabalhadores da Autoeuropa, pois o trabalho ao sábado nunca foi usado numa base permanente em Palmela, tendo os turnos nocturnos já sido usados durante vários anos.
A par da mudança de paradigma na produção, a fábrica também perdeu este ano o histórico sindicalista, António Chora, que se reformou depois de 20 anos como coordenador da comissão de trabalhadores.
Sete meses após a sua saída, a Autoeuropa viveu uma greve histórica no dia 30 de Agosto. António Chora, ligado ao Bloco de Esquerda, disse estar "espantado" com esta greve e acusou o sindicato SITE Sul, afecto à CGTP, de ser "populista" e de estar a realizar um "assalto ao castelo", de forma a passar a controlar a comissão de trabalhadores.
5 - Como é que o conflito laboral escalou na Autoeuropa?
Foram seis meses de negociações sem sucesso para alcançar um acordo sobre a remuneração do trabalho ao sábado. As negociações foram interrompidas no dia 14 de Julho. Logo de seguida, o conflito laboral escala, atingindo um pico a 21 de Julho quando os trabalhadores aprovam um dia de greve para 30 de Agosto.
Debaixo de fogo, pressionados pela hipótese de greve, a comissão de trabalhadores e a administração dão início a uma maratona negocial que se prolonga pela madrugada fora do dia 27 de Julho quando saiu fumo branco da Autoeuropa: um pré-acordo tinha sido alcançado.
Mas 24 horas depois, os trabalhadores foram chamados a votar o pré-acordo em referendo e 75% chumbaram-no. Esta não é a primeira vez que um pré-acordo foi chumbado, pois rejeitaram outros acordos no final de 2005 e em Julho de 2009, mas a direcção e os trabalhadores acabaram depois por chegar a um compromisso.
Como resultado do chumbo, a comissão de trabalhadores, coordenada por Fernando Sequeira, apresentou a sua demissão no dia 2 de Agosto. A CT reconheceu "que a maioria dos trabalhadores pretende outro caminho, deixamos assim aberto espaço para que outros demonstrem as suas capacidades negociais".
6 - Quais são os próximos passos?
Já está marcada uma reunião para dia 7 de Setembro onde o sindicato SITE Sul vai entregar à administração da fábrica a resolução aprovada pelos trabalhadores nos plenários realizados no dia 28 de Agosto.
"O objectivo desta reunião é transmitir a resolução aprovada nos plenários onde os trabalhadores rejeitaram a proposta e querem a retirada da proposta pela administração", disse Eduardo Florindo do SITE Sul.
Depois vai ser preciso esperar um mês para terem lugar as eleições para a nova comissão de trabalhadores, marcada para o dia 3 de Outubro.
7 - A direcção da Autoeuropa ainda quer alcançar um acordo?
Sim. A mensagem tem sido clara por parte da administração. Apesar de considerar que poderia avançar para o trabalho ao sábado sem nenhuma compensação extra, a direcção quer chegar a acordo com os trabalhadores como manda a tradição de diálogo social nas empresas alemãs.
"O nosso objectivo será sempre chegar a um acordo que convenha às duas partes. Num processo de co-gestão o nosso objectivo será sempre chegar a um acordo com os representantes dos trabalhadores, por forma a que os objectivos de crescimento, de emprego, de produção, sejam cumpridos", disse o director-geral da Autoeuropa, Miguel Sanches, em entrevista ao Negócios.
8 - Quando é que arrancam novamente as negociações?
Os trabalhadores e a administração vão regressar à mesa de negociações depois da eleição de 3 de Outubro que vai decidir quem é que vai ser a nova comissão de trabalhadores.
Mas porque é que os dois lados vão esperar um mês para voltar a negociar? Tal como sempre aconteceu até agora, os acordos laborais na Autoeuropa são sempre negociados pela administração e por uma comissão de trabalhadores eleita pelos próprios colaboradores.
Este ano foi pródigo em acontecimentos laborais extraordinários na Autoeuropa, com a realização da primeira greve e também o primeiro plenário organizado por um sindicato, o SITE Sul. Mesmo neste cenário a administração continua irredutível e rejeita negociar um acordo com os sindicatos, preferindo esperar pela nova comissão de trabalhadores.
"É essencial dar continuidade ao processo de diálogo com uma comissão de trabalhadores eleita, à semelhança das boas práticas laborais da Volkswagen Autoeuropa e do grupo Volkswagen", disse a administração da fábrica no dia 30 de Agosto.
Agora é preciso esperar pelas eleições de dia 3 de Outubro para ter uma nova comissão de trabalhadores. Até lá, as negociações de um acordo laboral sobre a compensação do trabalho ao sábado continuam congeladas.
A CGTP está contra o facto da administração deixar de fora os sindicatos do processo negocial, com o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, a dizer que a administração não pode "hostilizar ninguém".
9 - Que consequências pode ter o escalar do conflito laboral?
Caso não haja acordo laboral, a Volkswagen na Alemanha pode decidir por deslocalizar parte da produção do T-Roc. O director-geral da Autoeuropa já avisou que a administração da Volkswagen na Alemanha pode tomar esta decisão se não houver acordo: "É um cenário que pode estar em cima da mesa, mas tanto a administração como a equipa da Autoeuropa irão fazer todo o possível para evitar esse cenário e manter toda a produção do carro em Portugal", disse Miguel Sanches em entrevista ao Negócios.
Também o antigo coordenador da comissão de trabalhadores, António Chora, avisou que a empresa alemã pode tomar medidas drásticas. "Se a Volkswagen não conseguir produzir os automóveis aqui, há-de produzi-los noutro lado", afirmou na entrevista ao Negócios.
E deu dois exemplos em Espanha de casos semelhantes dentro do grupo. "Eu já vi isto acontecer em 2005 e 2006 na Volkswagen em Pamplona e na Seat em Barcelona. Num caso não foram admitidos trabalhadores, noutro caso foram para a rua", afirmou António Chora que considera que, caso aconteça uma deslocalização de parte do T-Roc, estariam em risco cerca de 700 a 800 postos de trabalho das 2.000 novas contratações previstas.
"Se não encontrarem uma solução, obviamente as empresas vão deixar de recrutar os trabalhadores que têm previsto contratar", avisou o coordenador das comissões de trabalhadores do parque industrial da Autoeuropa, Daniel Bernardino.
Este parque industrial com 13 empresas, situado ao lado da Autoeuropa, conta com 1.600 trabalhadores. A chegada do T-Roc a Palmela vai fazer com que estas empresas recrutem, pelo menos, mais 400 trabalhadores, que podem ficar em risco.
10 - Qual a posição da casa-mãe na Alemanha?
"Vamos fazer o máximo para estabilizar as relações laborais em Portugal. Palmela vai-se tornar numa fábrica muito importante para nós, vamos ter um grande crescimento com o T-Roc. Estamos confiantes num acordo", disse ao Negócios o presidente da marca Volkswagen, Herbert Diess, a 23 de Agosto durante a apresentação mundial do T-Roc.
Em relação à possibilidade de deslocalizar parte da produção, o também administrador do grupo Volkswagen rejeitou esse cenário por acreditar num acordo. "Muitas vezes nestas situações há ameaças dos dois lados, mas isso é errado. As pessoas devem sentar-se e tentar chegar a acordo para um futuro em comum. Os nossos investimentos são de longo prazo, o que precisamos é de uma relação estável com a força laboral", afirmou Herbert Diess.
11 - Como é que o Governo e os partidos políticos têm reagido a esta crise?
O Governo não se quis alongar nos comentários em relação à greve e o primeiro ministro, António Costa, limitou-se a dizer que a Autoeuropa é uma empresa "da maior importância para o país".
Já o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, disse a 23 de Agosto esperar que a administração e os trabalhadores consigam "chegar a uma solução".
O PSD, pelo seu lado, acusou o Governo de permitir que a CGTP se instale na Autoeuropa "a troca de aprovações de orçamentos do Estado", afirmou Maria Luís Albuquerque.
O PCP, por seu turno, mostrou a sua solidariedade para com os trabalhadores em greve, referindo que é "natural" que os trabalhadores "tomem uma posição" sobre os seus direitos.
Já a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, disse estar a olhar para esta greve com "enorme apreensão", sublinhando que a Autoeuropa é um "exemplo do respeito pelos seus trabalhadores, que é bom que se mantenha".