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SNS está em situação estável, mas longe de poder ter alta

A intensidade do debate público sobre a qualidade da Saúde em Portugal no pós-crise dificulta a compreensão do que se está a passar no sector. Os dados mais recentes e a opinião de especialistas e actores do sector apontam para que o pior já esteja para trás, mas ainda não vêem uma recuperação relevante dos serviços oferecidos aos portugueses.

Os últimos meses em Portugal têm sido marcados por uma radicalização de diagnósticos quanto às apostas e resultados das políticas de saúde. Os críticos à direita falam de progressiva degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desinvestimento e até de falhas graves no sistema. O governo responde ao ataque, argumentando que a austeridade acabou e que está a apostar no serviço público de saúde como não acontecia há anos, desde logo pelo reforço de pessoal e salários. Como muitas vezes acontece, a verdade parece estar no meio: há sinais de que o pior já passou, mas também de que o investimento no SNS continua longe do necessário para oferecer aos utentes a melhoria de serviço e apoio que lhes é prometida.

Alguns dados ajudam a caracterizar o que se está a passar. O número de consultas de rotina, de consultas nos hospitais e o número de cirurgias está a crescer, mas os tempos de espera também; a esperança média de vida após os 65 anos compara bem em termos internacionais, mas se olharmos para quantos desses anos são vividos de boa saúde, o desapontamento é inevitável; e se em três anos há mais nove mil profissionais no sector com salários já sem cortes, há ao mesmo tempo sinais de subinvestimento, suborçamentação e um peso da despesa no PIB estável nos mínimos atingidos na crise, e que compara mal internacionalmente.

O copo meio cheio explica por que razão os aumentos de serviços e despesa podem coexistir com uma percepção de pior serviço aos utentes. "Os aumentos de despesa têm basicamente correspondência com aumento de cuidados de saúde – de "produção", se quiser. Acontece que o aumento de oferta não satisfaz o aumento de procura", diz ao Negócios Óscar Gaspar, ex-secretário de Estado e Presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, que aponta por exemplo para o recente relatório de acesso a serviços de saúde produzido pelo ministério "onde se constata que há mais cirurgias, mas as listas de espera aumentaram".

Uma percepção de degradação do SNS pode também reflectir o facto de os recentes aumentos de despesa não compensarem o passado recente. Essa é a avaliação de Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar: "Depois da desestruturação dos últimos anos, provocada pela crise e por opções políticas erradas antes disso, houve um retrocesso grande na capacidade de resposta do SNS", diz, deixando um desafio: "Basta ir aos serviços de urgência ver o que acontece nos tempos de espera para consulta e cirurgia e percebe-se o estado das coisas". O médico ainda não consegue "ver a capacidade de resposta no nível em que estava [antes da crise] apenas com as medidas que têm sido tomadas", diagnosticando problemas mais graves nas zonas de maior crescimento demográfico, como Lisboa, Porto e Algarve.

Alguns dados parecem ir ao encontro desta avaliação. Apesar dos reforços, Portugal é, por exemplo, um dos três países entre os 35 acompanhados pela OCDE que figura como tendo cortado a despesa real por habitante entre 2009 e 2016. E, na verdade, a subida da despesa nem sequer permitiu aumentar o seu peso na economia, que permanece estável em torno do 5% a 6% do PIB, e inferior à média da OCDE.
É por isso que o bastonário da Ordem dos Médicos recusa que se esteja apostar no sector. "Não estamos a fazer uma aposta maior na saúde", atira Miguel Guimarães, que compara: "Continuamos a ter uma despesa em saúde em percentagem do PIB muito mais baixa que a média dos países da OCDE, que ronda os 6,5%, e isto é uma opção política do Governo. O Governo acha que o que o Estado pode pagar é 5,2% do PIB [valor aproximado do Programa Saúde no OE2018]. Eu não concordo mas entendo que é uma opção política".

Os argumentos e os dados disponíveis parecem indicar que a radicalização de posições públicas não reflectem o momento no sector que, embora estabilizado, está longe de ter recuperado da crise e dos seus efeitos. "Há normalmente uma percepção dada na discussão política e uma realidade da experiência das pessoas nos serviços do SNS. Não tenho a certeza que as falhas sejam muito diferentes agora do que eram" antes, diz ao Negócios Pedro Pita Barros, professor na Universidade Nova, e especialista em economia da Saúde, que, ao mesmo tempo que reconhece dificuldades, contesta diagnósticos catastróficos. "Haverá alguma degradação de equipamentos, que tem vindo a ser apontada, mas dificilmente se pode falar num SNS destruído", analisa, identificando, apesar dos percalços, uma "continuidade central" nas políticas de saúde em Portugal desde 2005 a favor do reforço dos cuidados primários e da rede de cuidados continuados.

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