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Governo não tira SNS da anemia orçamental
Depois da depressão dos anos da crise, o orçamento da Saúde tem vindo a recuperar. Mas apesar de o Governo insistir que em 2018 haverá o maior financiamento de sempre, o pesa da despesa no PIB não descola dos mínimos registados com o anterior Executivo.
A Saúde nunca teve tanto dinheiro como vai ter em 2018. Esta tem sido a garantia do ministro da Saúde em diversas intervenções públicas desde a apresentação do Orçamento do Estado, com Adalberto Campos Fernandes a insistir que, após a prioridade às reposições salariais e à contratação de profissionais, 2018 será marcado pelo reforço de verbas, também para investimento. Mas o mesmo OE permite tirar conclusões menos animadoras.
Em comparação com a dimensão da economia nacional (que tem estado a crescer), e apesar de o dinheiro aumentar em termos absolutos, o peso da despesa no PIB estagna ou até cai nos últimos anos. Por exemplo, em 2015, o último ano de governação de Passos Coelho e Paulo Macedo, os gastos públicos com o SNS foram de 9.025 milhões de euros, cerca de 5,02% do PIB; já para o ano, o Governo prevê gastar 9.667 milhões, mais 7% que em 2015, mas apenas o equivalente 4,85% do PIB. E se se considerar a despesa total efectiva prevista para a saúde em 2018, 10.197 milhões de euros, esta pesará apenas 5,11% do PIB, estagnando face a 2016 e 2017.
Deputado do Bloco de Esquerda
Face aos números, o ministro da Saúde acaba por reconhecer que o esforço não chega, ao mesmo tempo que opta por valorizar os crescimentos nominais. "Não chega, é insuficiente? É verdade. Mas define uma trajectória", afirmou numa conferência recente com profissionais do sector, ao mesmo tempo que justificou as limitações orçamentais com os objectivos de défice, e defendeu a prioridade dada à reposição de salários: não se pode pensar que "a economia não parará nunca de crescer e que os recursos podem ser todos alocados à saúde".
Mas as contas de Adalberto Campos Fernandes não convencem o bastonário da Ordem dos Médicos: "O Governo acha que o que o Estado pode pagar é 5,2% do PIB [valor aproximado do Programa Saúde no OE2018]. Existem outros países à nossa volta que acham que é 7%, 6,7%, 6,3%". "Provavelmente acha que a Saúde está melhor do que a Educação ou a Justiça e precisa de aplicar mais verbas noutras áreas", critica Miguel Guimarães.
Falta investimento
O representante dos médicos lamenta a persistente suborçamentação da despesa para a Saúde, uma prática antiga: é um "mau exemplo para os portugueses e é infringir as regras que estão na lei", afirma, lamentando o défice permanente do sector e avisando para os riscos da falta de investimento que em parte acaba por resultar desta pressão. "As coisas não estão bem. (…) temos conseguido manter cuidados de saúde aceitáveis à população, mas esta situação corre o risco de se perder de forma definitiva daqui a poucos anos: ou há investimento forte no SNS ou deixámo-lo morrer", diz.
Óscar Gaspar, ex-secretário de Estado da Saúde e presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, também critica o "reconhecido ‘subfinanciamento crónico’ que se tem manifestado muito especialmente em termos de investimento", e é acompanhado por Pedro Pita Barros, professor da Nova de Lisboa e especialista em economia da Saúde, que fala em "alguma degradação de equipamentos".
A necessidade de investir no SNS é uma das bandeiras dos partidos à esquerda do PS que suportam o Governo: o que está a ser feito não é suficiente para contrariar o ‘choque da austeridade’ do passado, especialmente numa altura em que "há mais pessoas a procurar serviços de saúde", analisa o deputado Moisés Ferreira, do BE. O que falta agoraé um "choque de investimento" no sector, termo que dificilmente tem tradução nos 160 milhões de euros que o Governo prevê investir em 2018 (mais 50 milhões que este ano).
Dívida perene da saúde vai ter fim?
A dívida da saúde cresce todos os anos e, a cada 12 meses, o Governo faz uma injecção de capital para baixar o "stock" de pagamentos em atraso. Tem sido esta a receita dos últimos anos, mas em 2018 o Executivo quer travar este ciclo de geração de dívida. Até ao início do próximo ano, o Governo vai injectar um total de 1,4 mil milhões de euros para reduzir o endividamento do sector. E quer mudar os procedimentos: em 2018 vai começar-se a trabalhar com "grandes agregados de fornecedores" para trocar "pagamento em tempo útil" por preços mais baixos.