Notícia
A polémica da Caixa em 12 capítulos
Domingues entrou na Caixa, saiu da Caixa, mas a polémica continua. A revelação de novos dados sobre o eventual acordo para que não entregasse declaração de rendimentos no TC mostra que antes de ser pública houve polémica em privado.
1 - CGD sem tectos salariais
Foi a 23 de Abril de 2016 que saiu a primeira notícia a dar conta de que os gestores da Caixa seriam uma excepção. O Expresso revelava que os salários da nova administração ficariam fora das limitações impostas aos gestores públicos. Nada era referido nesta, ou noutra notícia, sobre a entrega das declarações de património no Tribunal Constitucional. A alteração ao Estatuto do Gestor Público (EGP) foi aprovada apenas no Conselho de Ministros de 8 de Junho.
2 - Conversas em segredo
Enquanto publicamente a polémica era em torno dos salários que seriam pagos à equipa de António Domingues, nos bastidores - sabe-se agora -, o Governo e o Presidente da República discutiam outra questão: a entrega de declaração de património no TC. A abordagem deste assunto só chegou à praça pública a 23 de Outubro, quando o conselheiro de Estado Luís Marques Mendes alertou na SIC que a alteração à lei isentava os gestores da entrega das declarações.
3 - As condições de Domingues
Os elementos até agora conhecidos revelam que pelo menos a 14 de Abril Mário Centeno e António Domingues já falavam nas condições da contratação do ex-administrador do BPI para a presidência da Caixa. Numa carta com esta data, revelada pelo Eco, Domingues diz que "não devem existir obrigações de publicidade, transparência ou de declaração". O ex-líder do banco público não menciona, porém, directamente, o Tribunal Constitucional.
4 - Negociação por SMS
Não é conhecida a resposta a esta carta, mas esta semana a SIC e o Observador deram conta do conteúdo de SMS trocados por Centeno e Domingues em que o ministro dará a entender ter conseguido que a dispensa de entrega da declaração não fosse referida na alteração ao EGP. Não é conhecida a data em que o ministro das Finanças envia esta mensagem ao que viria a ser o presidente da Caixa.
5 - As garantias de Centeno
O teor das mensagens trocadas - as SMS não foram divulgadas publicamente - mostrará ainda que o tema das declarações de património era discutido ao mais alto nível. Numa outra mensagem, o ministro terá dito ao banqueiro que o processo está atrasado devido a conversas entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Conversas em que Marcelo Rebelo de Sousa se terá oposto à ausência de referência a essa obrigação.
6 - Marcelo promulga
Enquanto nos bastidores, Domingues, Centeno, Costa e Marcelo mantinham conversas sobre a entrega de declaração no TC, a lei aprovada em Conselho de Ministros a 8 de Junho era analisada em Belém. No dia 21, Marcelo promulga a alteração ao EGP e nove dias depois faz um comunicado a anunciar a decisão e a justificá-la. O comunicado centra-se apenas na excepção para os salários e omite a discussão tida em privado sobre a publicitação do património.
7 - Domingues entra na CGD
A lei só vem a público a 28 de Julho e nada refere também. A equipa de Domingues esperou para ver e só depois avançou com a aprovação dos nomes junto do supervisor europeu. Após o chumbo do Banco Central Europeu a alguns nomes, Domingues entra na Caixa a 31 de Agosto. Convencido de que tinha um acordo dá uma orientação aos serviços administrativos da Caixa para que não reportem ao TC as mudanças no conselho de administração.
8 - Polémica estoira
Mas a 23 de Outubro, o conselheiro de Estado Marques Mendes diz na SIC que os gestores da Caixa ficariam dispensados da apresentação da declaração de património no TC. O assunto chega assim à praça pública. Dois dias depois, o Ministério das Finanças admite que essa omissão "não foi lapso", indicando que houve intenção de o fazer. É por esta altura que a lei 4/83 começa a ser referida na imprensa como aplicando-se na mesma aos gestores da Caixa.
9 - PM e PR atiram para o TC
O primeiro-ministro é confrontado com a polémica e atira a resolução do caso para a esfera jurídica, dizendo que cabe ao Tribunal Constitucional avaliar se os gestores da Caixa são ou não abrangidos pela lei do controlo da riqueza dos titulares de cargos públicos. O Negócios avança que já há ameaças de renúncias na Caixa. Ao afastamento do Governo face a Domingues junta-se o de Marcelo, que a 4 de Novembro fez uma nota a impor a entrega das declarações no TC.
10 - Domingues demite-se
Consciente de que as condições políticas se tinham alterado, e já depois de ter sido notificado pelo TC, o presidente da Caixa envia uma carta a Mário Centeno, a 15 de Novembro, onde diz que a não apresentação das declarações no TC "foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD". No final de Novembro, o Parlamento aprova uma norma que obriga a entrega em 2017 e Domingues demite-se.
11 - Tiro a Centeno
A saída do "pai" do plano de recapitalização da Caixa dá-se com estrondo. O Governo avança com o plano B - Paulo Macedo - mas a polémica regressa quando parte do que se passou nos bastidores da contratação de Domingues vem ao de cima. O Parlamento pede os SMS trocados entre Domingues e Centeno, depois de Lobo Xavier ter dito que havia acordo escrito. A esquerda trava esta pretensão e a direita não larga o assunto Caixa.
12 - Presidente da República incomoda Governo
Marcelo recebe de Lobo Xavier um relato do que dizem os SMS e não gosta. Força Centeno a explicar-se. O ministro admite conversas, mas não um acordo e fala em "erro de percepção mútua". Costa elogia resultados de Centeno, mas um comunicado de Marcelo a 13 de Fevereiro fragiliza o ministro. A nota incomoda o Governo. Marcelo tenta pôr um ponto final na polémica, mas continuam a surgir informações que parecem envolver todos: Centeno, Costa e Marcelo.