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Trump & economia, uma mistura instável

Prepare-se: o mundo vai provavelmente abanar. Seis especialistas portugueses em economia e fiscalidade debateram a política económica de Donald Trump e o melhor cenário que conseguem antecipar é o de que o novo Presidente não irá tão longe quanto tem prometido.

Reuters
21 de Janeiro de 2017 às 19:00
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"O bobo da corte que vai ter de ser rei""Perigoso"."Imprevisível""Reaccionário""Susto". Foi com estas palavras que horas antes da tomada de posse, Rui Cardoso Martins, Sandra Monteiro, Cátia Miriam Costa, Carlos Gaspar e Francisco Seixas da Costa responderam ao desafio do seu moderador: "Numa palavra, o que é Trump?".

 

As definições oferecidas pelos cinco analistas num painel sobre relações internacionais reflectem bem a forma como o 45.º Presidente dos Estados Unidos da América está a ser recebido deste lado do Atlântico. Ajudam também a enquadrar o debate na conferência "Trump Day", organizada pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e que explorou as políticas económicas do novo líder mundial que estão a criar apreensão dentro e fora dos Estados Unidos.

 

A "Trumpnomics", como tem vindo a ser chamada, deverá assentar em mais proteccionismo no comércio e na imigração, mais investimento público e menos impostos, mais combustíveis fósseis e menos energias renováveis, mais Estados Unidos da América, à custa de menos Mundo. Mas se as linhas gerais estão definidas, a verdade é que ninguém sabe muito bem o que esperar. Donald Trump tem sido mais proclamatório do que concreto, gerando um ambiente inédito de imprevisibilidade à sua volta. Pode não ser por acaso.

 

A incerteza será um novo normal, considera Sandro Mendonça, professor do ISCTE, especialista em economia industrial e de redes, que prevê que a nova Administração continuará a procurar desequilíbrios enquanto instrumento para ganhar posições negociais de poder. "Tem-se descrito Donald Trump como um homem de negócios, mas não é assim que o vejo: é sim um homem de esquemas", que usará a incerteza e jogos de sombras a seu favor, defendeu. 

 

E é por exemplo isso que na prometida prioridade ao investimento público e às indústrias de combustíveis fósseis o economista vê uma outra aposta: "São todas indústrias assentes em dívida, que têm lucros a longo prazo mas precisam de endividamento no curto prazo, o que cria mais negócio para o sistema financeiro", um sector que Trump tem por vezes atacado nos comícios, mas que promete ajudar nas mesas executiva e legislativa.

 

Trumpnomics funcionará?

 

As interrogações sobre o que virá a ser a política económica dos EUA são, pelo menos, de três ordens. Por um lado, há dúvidas sobre se implementará tudo o que diz e, não o fazendo, sobre até onde estará disposto a ir. Depois, levantam-se dúvidas sobre a eficácia das suas políticas bandeira numa grande economia globalizada e que já está perto do pleno emprego. Finalmente, debate-se a sua capacidade de satisfazer um eleitorado de classe média a quem prometeu mais empregos, mais segurança e mais salários.

 

João Cravinho, político socialista, ex-ministro do Equipamento, pensa que mesmo que consiga um primeiro impacto positivo na economia à boleia dos estímulos orçamentais, Trump falhará em duas promessas centrais: "Não conseguirá garantir a prometida criação de empregos na indústria por várias razões, entre elas os avanços tecnológicos; e dificilmente irá reduzir as desigualdades" subindo o rendimento das classes mais desfavorecidas, defende. "O problema nos Estados Unidos não é falta de postos de trabalho, pois com uma taxa de desemprego de 5% estão próximos do pleno emprego; o problema são os salários" do cidadão médio que estagnaram nas últimas décadas, e esses dificilmente irão crescer pelos menos nos sectores tradicionais em que promete apostar. O risco de desilusão do eleitorado no médio prazo é real, conclui.

 

O contraste entre os planos conhecidos e as promessas eleitorais é também evidente na alterações previstas na tributação sobre o rendimento das famílias, analisou por seu lado Clotilde Celorico Palma, fiscalista e professora da Faculdade de Direito de Lisboa: "Trump quer reduzir o actual sistema de sete escalões de rendimento para apenas três, com uma taxa marginal máxima de 25%, o que acabará por beneficiar principalmente os mais ricos", afirma, concluindo sem hesitações que "há uma estratégia de favorecimento das classes mais altas e das grandes empresas".

 

Maria Paula Fontoura, especialista em economia internacional, está entre os que apostam que Trump não irá tão longe quanto tem prometido: o bom senso desaconselha, as empresas não vão querer, e parte das políticas, nomeadamente na frente orçamental, terão pouca eficácia, argumenta a professora do ISEG. Os EUA estão "muito integrados nas cadeias globais de comércio de valor", o que significa que a penalização dos fluxos de comércio acabará por prejudicar as próprias empresas norte-americanas, explica, antevendo uma "grande resistência das multinacionais" a políticas proteccionistas agressivas, e lembrando a "experiência proteccionista da Grande Depressão" dos anos 1930 que teve resultados muito negativos. A economista tem também "sérias dúvidas sobre a eficácia da política orçamental neste contexto". É que a economia norte-americana está próxima do pleno emprego, pelo que em vez de gerarem mais crescimento, cortes de impostos e investimento público acabarão por gerar inflação e subidas de juros e do dólar, o que pesará sobre a actividade económica – nesse cenário será Janet Yellen, presidente da Reserva Federal norte-americana, que poderá vir a sofrer pressões da Administração para adiar mais subidas de juros.

 

A ideia de que a exuberância de Trump acabará por ser domada pelo sistema de "pesos e contrapesos" do enquadramento institucional norte-americano é enfatizada por Carlos Rodrigues, CEO do banco BIG, e que trabalhou mais de duas décadas nos EUA. Para o banqueiro, uma coisa é o que Trump diz, outra é o que efectivamente fará. Assim, o que mais preocupa Carlos Rodrigues é a forma como a nova Administração lidará com os muitos desafios que enfrentará nas relações externas, os quais são acrescidos pela postura confrontacional que Trump tem adoptado: "a Administração vai ser muito testada nos primeiros três a seis meses por outras forças" e é essencial que não cometa erros graves, defende.

 

Mas há quem esteja mais preocupado.

 

Não subestimar o inimigo  

 

"Vamos lá a ver se não subestimamos o homem que sistematicamente temos subestimado" até que chegou à Presidência, atirou Marco Capitão Ferreira, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, que falou após os cinco companheiros de painel. O especialista em contas públicas sublinha a grande capacidade de retórica e mobilização que Trump tem demonstrado - "Se há coisa em que Trump é bom, é a vender Trump" – e não está tão seguro que a economia não lhe venha a sorrir, pelo menos nos primeiros tempos.

 

Por um lado, a actividade está a crescer 2% a 3% ao ano e a taxa de desemprego não chega a 5%, pelo que é relativamente fácil manter a economia controlada. Depois, as baixas expectativas de sucesso jogam a seu favor: qualquer resultado mediano pode parecer positivo. Finalmente, há vários sectores que pretende proteger que podem efectivamente gerar emprego – entre os quais destaca a construção civil, o sector automóvel, e a defesa, sendo que "este último nem está incluído nas cadeias globais de valor, pois cinco das seis maiores empresas de armamento são norte-americanas", defende.

 

Quem também não desvaloriza os planos que estão a ser gizados do lado de lá do Atlântico é Clotilde Celorico Palma. A fiscalista classifica a estratégia fiscal de "extremamente preocupante", e iniciou a sua intervenção com uma memória recente que simboliza a valorização que será dada nos EUA às obrigações fiscais e de transparência: "Foi o primeiro Presidente dos EUA que recusou apresentar as suas declarações de impostos". Se a isto juntarmos o que já se conhece do plano de reforma fiscal, a especialista é levada a antecipar desenvolvimentos negativos no esforço de uma tributação mais justa e equilibrada no plano internacional.

 

A fiscalista antecipa um incentivo a práticas fiscais agressivas pelos EUA – que a par com ‘City’ de Londres "já são o maior paraíso fiscal que existe" - e alerta para uma "ostensiva muralha fiscal com todas as medidas proteccionistas que promete", com destaque para a redução da tributação sobre o lucro das empresas (de 35% para 15%), para tarifas sobre importações, e para impostos à saída que visam travar a deslocalização de empresas.

 

Com tudo o que as políticas de Trump têm de mal ou perigoso na economia, na fiscalidade, ou no ambiente, há pelo menos um efeito positivo de curto e médio prazos que tem sido admitido por alguns economistas: um contágio positivo à actividade económica na Europa em reacção aos estímulos orçamentais previstos. Mas nem isto é certo, e muito menos de forma consistente, defende Sandro Mendonça. É que o proteccionismo comercial pode fazer com que que eventuais impactos positivos fiquem contidos "ao máximo dentro do seu território, eliminando fugas para outras economias que pudessem beneficiar" dos estímulos nos EUA.

 

É a esta luz que pode ser lida a recente ameaça do Presidente norte-americano de tributar a importação de carros alemães com uma tarifa de 35%. O economistas português perspectiva por isso um cenário sombrio para as relações económicas transatlânticas: "Os EUA precisam de mais espaço numa economia mundial que na prática está estagnada. E nesse cenário só o podem fazer aumentando a sua quota de mercado à custa de outros. O mais fácil é fazê-lo à custa da Europa, esse continente fragmentado sem coesão política e que está convenientemente entalado entre o Atlântico e a Rússia, avisa.

 

Horas depois desta conversa no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa, Donald Trump tomava posse em Washington, prometendo proteger a América das ameaças externas, investir em infraestruturas, defesa e indústria, e dar poder ao povo. Não o disse, mas é fácil imaginá-lo a garantir aos seus concidadãos que estão a viver o início de uma das maiores experiências económicas da histórica. E com isso, quase todos poderiam concordar.

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