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Trump & economia, uma mistura instável
Prepare-se: o mundo vai provavelmente abanar. Seis especialistas portugueses em economia e fiscalidade debateram a política económica de Donald Trump e o melhor cenário que conseguem antecipar é o de que o novo Presidente não irá tão longe quanto tem prometido.
"O bobo da corte que vai ter de ser rei". "Perigoso"."Imprevisível". "Reaccionário". "Susto". Foi com estas palavras que horas antes da tomada de posse, Rui Cardoso Martins, Sandra Monteiro, Cátia Miriam Costa, Carlos Gaspar e Francisco Seixas da Costa responderam ao desafio do seu moderador: "Numa palavra, o que é Trump?".
As definições oferecidas pelos cinco analistas num painel sobre relações internacionais reflectem bem a forma como o 45.º Presidente dos Estados Unidos da América está a ser recebido deste lado do Atlântico. Ajudam também a enquadrar o debate na conferência "Trump Day", organizada pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e que explorou as políticas económicas do novo líder mundial que estão a criar apreensão dentro e fora dos Estados Unidos.
A "Trumpnomics", como tem vindo a ser chamada, deverá assentar em mais proteccionismo no comércio e na imigração, mais investimento público e menos impostos, mais combustíveis fósseis e menos energias renováveis, mais Estados Unidos da América, à custa de menos Mundo. Mas se as linhas gerais estão definidas, a verdade é que ninguém sabe muito bem o que esperar. Donald Trump tem sido mais proclamatório do que concreto, gerando um ambiente inédito de imprevisibilidade à sua volta. Pode não ser por acaso.
A incerteza será um novo normal, considera Sandro Mendonça, professor do ISCTE, especialista em economia industrial e de redes, que prevê que a nova Administração continuará a procurar desequilíbrios enquanto instrumento para ganhar posições negociais de poder. "Tem-se descrito Donald Trump como um homem de negócios, mas não é assim que o vejo: é sim um homem de esquemas", que usará a incerteza e jogos de sombras a seu favor, defendeu.
E é por exemplo isso que na prometida prioridade ao investimento público e às indústrias de combustíveis fósseis o economista vê uma outra aposta: "São todas indústrias assentes em dívida, que têm lucros a longo prazo mas precisam de endividamento no curto prazo, o que cria mais negócio para o sistema financeiro", um sector que Trump tem por vezes atacado nos comícios, mas que promete ajudar nas mesas executiva e legislativa.
Trumpnomics funcionará?
As interrogações sobre o que virá a ser a política económica dos EUA são, pelo menos, de três ordens. Por um lado, há dúvidas sobre se implementará tudo o que diz e, não o fazendo, sobre até onde estará disposto a ir. Depois, levantam-se dúvidas sobre a eficácia das suas políticas bandeira numa grande economia globalizada e que já está perto do pleno emprego. Finalmente, debate-se a sua capacidade de satisfazer um eleitorado de classe média a quem prometeu mais empregos, mais segurança e mais salários.
João Cravinho, político socialista, ex-ministro do Equipamento, pensa que mesmo que consiga um primeiro impacto positivo na economia à boleia dos estímulos orçamentais, Trump falhará em duas promessas centrais: "Não conseguirá garantir a prometida criação de empregos na indústria por várias razões, entre elas os avanços tecnológicos; e dificilmente irá reduzir as desigualdades" subindo o rendimento das classes mais desfavorecidas, defende. "O problema nos Estados Unidos não é falta de postos de trabalho, pois com uma taxa de desemprego de 5% estão próximos do pleno emprego; o problema são os salários" do cidadão médio que estagnaram nas últimas décadas, e esses dificilmente irão crescer pelos menos nos sectores tradicionais em que promete apostar. O risco de desilusão do eleitorado no médio prazo é real, conclui.
O contraste entre os planos conhecidos e as promessas eleitorais é também evidente na alterações previstas na tributação sobre o rendimento das famílias, analisou por seu lado Clotilde Celorico Palma, fiscalista e professora da Faculdade de Direito de Lisboa: "Trump quer reduzir o actual sistema de sete escalões de rendimento para apenas três, com uma taxa marginal máxima de 25%, o que acabará por beneficiar principalmente os mais ricos", afirma, concluindo sem hesitações que "há uma estratégia de favorecimento das classes mais altas e das grandes empresas".
Maria Paula Fontoura, especialista em economia internacional, está entre os que apostam que Trump não irá tão longe quanto tem prometido: o bom senso desaconselha, as empresas não vão querer, e parte das políticas, nomeadamente na frente orçamental, terão pouca eficácia, argumenta a professora do ISEG. Os EUA estão "muito integrados nas cadeias globais de comércio de valor", o que significa que a penalização dos fluxos de comércio acabará por prejudicar as próprias empresas norte-americanas, explica, antevendo uma "grande resistência das multinacionais" a políticas proteccionistas agressivas, e lembrando a "experiência proteccionista da Grande Depressão" dos anos 1930 que teve resultados muito negativos. A economista tem também "sérias dúvidas sobre a eficácia da política orçamental neste contexto". É que a economia norte-americana está próxima do pleno emprego, pelo que em vez de gerarem mais crescimento, cortes de impostos e investimento público acabarão por gerar inflação e subidas de juros e do dólar, o que pesará sobre a actividade económica – nesse cenário será Janet Yellen, presidente da Reserva Federal norte-americana, que poderá vir a sofrer pressões da Administração para adiar mais subidas de juros.
A ideia de que a exuberância de Trump acabará por ser domada pelo sistema de "pesos e contrapesos" do enquadramento institucional norte-americano é enfatizada por Carlos Rodrigues, CEO do banco BIG, e que trabalhou mais de duas décadas nos EUA. Para o banqueiro, uma coisa é o que Trump diz, outra é o que efectivamente fará. Assim, o que mais preocupa Carlos Rodrigues é a forma como a nova Administração lidará com os muitos desafios que enfrentará nas relações externas, os quais são acrescidos pela postura confrontacional que Trump tem adoptado: "a Administração vai ser muito testada nos primeiros três a seis meses por outras forças" e é essencial que não cometa erros graves, defende.
Mas há quem esteja mais preocupado.
Não subestimar o inimigo
"Vamos lá a ver se não subestimamos o homem que sistematicamente temos subestimado" até que chegou à Presidência, atirou Marco Capitão Ferreira, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, que falou após os cinco companheiros de painel. O especialista em contas públicas sublinha a grande capacidade de retórica e mobilização que Trump tem demonstrado - "Se há coisa em que Trump é bom, é a vender Trump" – e não está tão seguro que a economia não lhe venha a sorrir, pelo menos nos primeiros tempos.
Por um lado, a actividade está a crescer 2% a 3% ao ano e a taxa de desemprego não chega a 5%, pelo que é relativamente fácil manter a economia controlada. Depois, as baixas expectativas de sucesso jogam a seu favor: qualquer resultado mediano pode parecer positivo. Finalmente, há vários sectores que pretende proteger que podem efectivamente gerar emprego – entre os quais destaca a construção civil, o sector automóvel, e a defesa, sendo que "este último nem está incluído nas cadeias globais de valor, pois cinco das seis maiores empresas de armamento são norte-americanas", defende.
Quem também não desvaloriza os planos que estão a ser gizados do lado de lá do Atlântico é Clotilde Celorico Palma. A fiscalista classifica a estratégia fiscal de "extremamente preocupante", e iniciou a sua intervenção com uma memória recente que simboliza a valorização que será dada nos EUA às obrigações fiscais e de transparência: "Foi o primeiro Presidente dos EUA que recusou apresentar as suas declarações de impostos". Se a isto juntarmos o que já se conhece do plano de reforma fiscal, a especialista é levada a antecipar desenvolvimentos negativos no esforço de uma tributação mais justa e equilibrada no plano internacional.
A fiscalista antecipa um incentivo a práticas fiscais agressivas pelos EUA – que a par com ‘City’ de Londres "já são o maior paraíso fiscal que existe" - e alerta para uma "ostensiva muralha fiscal com todas as medidas proteccionistas que promete", com destaque para a redução da tributação sobre o lucro das empresas (de 35% para 15%), para tarifas sobre importações, e para impostos à saída que visam travar a deslocalização de empresas.
Com tudo o que as políticas de Trump têm de mal ou perigoso na economia, na fiscalidade, ou no ambiente, há pelo menos um efeito positivo de curto e médio prazos que tem sido admitido por alguns economistas: um contágio positivo à actividade económica na Europa em reacção aos estímulos orçamentais previstos. Mas nem isto é certo, e muito menos de forma consistente, defende Sandro Mendonça. É que o proteccionismo comercial pode fazer com que que eventuais impactos positivos fiquem contidos "ao máximo dentro do seu território, eliminando fugas para outras economias que pudessem beneficiar" dos estímulos nos EUA.
É a esta luz que pode ser lida a recente ameaça do Presidente norte-americano de tributar a importação de carros alemães com uma tarifa de 35%. O economistas português perspectiva por isso um cenário sombrio para as relações económicas transatlânticas: "Os EUA precisam de mais espaço numa economia mundial que na prática está estagnada. E nesse cenário só o podem fazer aumentando a sua quota de mercado à custa de outros. O mais fácil é fazê-lo à custa da Europa, esse continente fragmentado sem coesão política e que está convenientemente entalado entre o Atlântico e a Rússia, avisa.
Horas depois desta conversa no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa, Donald Trump tomava posse em Washington, prometendo proteger a América das ameaças externas, investir em infraestruturas, defesa e indústria, e dar poder ao povo. Não o disse, mas é fácil imaginá-lo a garantir aos seus concidadãos que estão a viver o início de uma das maiores experiências económicas da histórica. E com isso, quase todos poderiam concordar.