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Quem tem medo de Trumpnomics

Donald Trump, o homem cuja candidatura à Presidência da economia mais poderosa do mundo começou por ser tratada na secção de entretenimento em alguns jornais, toma hoje posse em Washington. Leva com ele um plano económico que terá impacto a nível internacional. Na Europa, a apreensão é evidente.

Mike Stone/Reuters
20 de Janeiro de 2017 às 09:57
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Depois de desafiar as regras da política, Donald Trump quer desafiar as regras da economia. O 45.º Presidente dos Estados Unidos da América que hoje toma posse tem um plano para "tornar a América grande outra vez", explorando os limites do pensamento "mainstream" que tende a ocupar a Casa Branca. Trump orgulha-se de apostar no proteccionismo no comércio e na imigração, em menos impostos e mais gastos públicos, e numa desregulamentação generalizada da actividade económica, com enfoque na banca e nos combustíveis fósseis. Os impactos são difíceis de antecipar, tanto nos EUA, como na Europa, pois há demasiada incerteza sobre os efeitos de uma mudança que promete ser radical. Mas, com os dados conhecidos, os prognósticos aconselham cautela e um olhar céptico sobre os sinais positivos que chegam dos mercados.

Desde que Donald Trump ganhou as eleições, no final de Novembro, as bolsas subiram, com o simbólico índice Dow Jones a aproximar-se de uns inéditos 20 mil pontos após valorizar 13% em 2016. O dólar e as taxas de juro de longo prazo escalaram. Estes são sinais que poderão ser lidos como a antecipação de uma economia mais forte à boleia da estratégia económica de Trump, baptizada por alguns como "Trumpnomics". Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics, não tem esta interpretação.

"Não me parece que a reacção dos mercados reflicta que os investidores acreditam numa economia mais forte. Reflecte antes a expectativa por menos regulação e impostos mais baixos, que terá um impacto positivo nos lucros após tributação. Isso não se transforma necessariamente em crescimento económico mais forte", diz ao Negócios, por telefone.

Zandi foi dos primeiros a tentar simular os possíveis efeitos das políticas de Trump ainda a meio do ano passado, tendo então avisado para os riscos de uma recessão nos EUA caso fossem implementadas na totalidade. Em Dezembro, voltou às contas, já com mais informação, e ajustando os planos ao que considera mais provável, no que se traduz um choque significativo, mas muito menor. Alguns exemplos: no seu cenário central, em vez de um plano de estímulo orçamental (entre cortes de impostos e mais investimento público) avaliado em cerca de 7,4 biliões de dólares ao longo de uma década, como propõe Trump, o economista fica-se por 1,5 biliões de dólares; em vez de uma redução da taxa de IRC de 35% para 15%, admite uma descida para os 25% e, no lugar da prometida deportação de 11 milhões de imigrantes ilegais, Zandi reduz a entrada líquida de imigrantes em 30% para cerca de 700 mil pessoas por ano. O resultado aponta para uma montanha-russa, com uma aceleração do crescimento até 3,2% em 2018, e uma travagem para menos de metade em 2021.

"As políticas de Trump resultarão numa economia mais cíclica, com crescimento mais elevado no curto prazo, mas mais baixo no médio e longo prazo, à medida que comecem a pesar sobre a economia o aumento das taxas de juros e as políticas antiglobalização e anti-emigração", descreve, avisando que mesmo no curto prazo poderão existir surpresas negativas resultantes da elevada incerteza que se pode instalar, por exemplo, pelas mudanças na regulação.

O primeiro impacto positivo na economia captou a atenção de Daniel Gros, o director Centre for European Policy Studies, em Bruxelas, que em Dezembro admitiu, num texto de opinião, que Donald Trump poderá salvar a Europa. Isto porque a subida de juros nos EUA já puxou pelos juros de longo prazo deste lado do Atlântico, aliviando a impaciência alemã quanto às baixas taxas de juro e aos estímulos do BCE; ao que acresce a valorização do dólar, que concede mais competitividade aos exportadores europeus, em particular aos da periferia que são mais sensíveis ao efeito preço; e ainda a possibilidade de os preços do petróleo baixarem pelos subsídios norte-americanos, ajudando os importadores de combustíveis por cá. "Independentemente dos potenciais efeitos negativos das políticas de Donald Trump, há um efeito claramente positivo: vão estimular o crescimento e o emprego na Zona Euro, onde a insatisfação económica está a gerar instabilidade política - e os ganhos serão mais pronunciados nos países que mais precisam", defendeu. Mas o seu optimismo não convence muitos dos seus parceiros de profissão.

O pior chega depois

"Mesmo que Trump tenha um efeito de curto prazo positivo na economia europeia, temos de ter em conta os efeitos negativos de médio prazo das políticas de comércio e imigração, assim como as suas acções geopolíticas em relação à Europa. Por exemplo, Trump deixou claro que é muito céptico em relação ao euro e à União Europeia", responde Zandi. O mesmo argumento é feito por Jacob Kirkegaard, economista especializado em temas europeus, a trabalhar no Peterson Institute for International Economics em Washington.

"As relações com a Europa vão ser muito diferentes. Se Trump nomear um embaixador para a União Europeia que seja claramente eurocéptico, e continuar a receber informação e a moldar o pensamento com pessoas como Nigel Farage, se isso continuar, podemos vir a ter relações muito tensas e controversas", diz por telefone, acrescentando: "Em algum momento poderá defender o desmantelamento da Zona Euro como forma de reduzir a vantagem comercial que a Alemanha tem via um euro mais fraco que resulta da fragilidade dos países mais débeis do Sul. Isso poderia ser muito mal recebido", cenariza.

Ambos os economistas identificam as tensões comerciais entre EUA e Europa, e em particular com a Alemanha, como um dos elementos mais perigosos para as relações transatlânticas.

"Num cenário com um euro próximo da paridade daqui a dois anos, é fácil projectar um défice externo dos EUA face à Europa significativamente maior. Isso pode gerar problemas", diz Kirkegaard, que falou com o Negócios dois dias depois de Donald Trump ter admitido impor uma tarifa de 35% sobre os automóveis alemães. "É uma ameaça credível na medida que pode ser facilmente implementada", comenta. "A questão é a saber se o fará? No curto prazo, penso que não: a atenção estará centrada nas relações com o México, com a Nafta (o acordo de comércio livre da América do Norte), e eventualmente com a China. Mas, daqui a um, dois anos, a Europa pode ser visada", defende, lembrando que, a ser implementada, a "Trumpnomics" gerará nos EUA mais importações, mais inflação, juros e dólar mais altos, e tudo isso contribuirá para agravar o défice externo dos EUA face à Europa, tornando mais prováveis medidas proteccionistas.

Confrontados com estes riscos, os líderes europeus têm respondido, nas últimas semanas, no limite das boas regras diplomáticas, lembrando que os laços transatlânticos se têm construído em torno de negociações a favor de comércio e taxas de câmbio livres, da cooperação geoestratégica assente na NATO, e do respeito pelas opções económicas e políticas soberanas. Ninguém admite ter medo mas, perante a mudança radical que Trump promete, a apreensão na Europa é evidente.



Trump nomics

Corte nos impostos, menos regulação, reversão do Obamacare e políticas proteccionistas no comércio internacional e na imigração. Esta é a agenda económica de Trump para "fazer a América grande outra vez". Banca, farmacêuticas e energia estão entre os sectores que podem ganhar. 

Mais proteccionismo

Donald Trump quer travar a saída de empresas para países de mão-de-obra mais barata (como o México) e reduzir as importações (de destinos como a China, mas também a Europa). A sua tarefa está mais difícil pela valorização do dólar, que tem reagido às perspectivas de juros mais altos nos EUA. Trump já ameaçou aplicar tarifas de 35% sobre as importações de carros alemães, tem repetidamente acusado a China de manipular a moeda para se tornar mais competitiva e, a poucos dias de tomar posse, garantiu que irá tributar as empresas norte-americanas que se deslocalizem. Trump tem criticado os antecessores por "maus" acordos comerciais, em particular a NAFTA (que abrange o Atlântico Norte). O TPP (que conta com 12 países asiáticos, excluindo a China, e aguarda ratificação) e o TTIP (que está a ser negociado com a Europa) podem ter os dias contados.

Tensão nas taxas de juros
Durante a campanha eleitoral, Donald Trump acusou Janet Yellen de favorecer Barack Obama e Hillary Clinton ao manter os juros excessivamente baixos, uma acusação grave por questionar a independência da Reserva Federal. Yellen nunca respondeu e, nos últimos meses, o tema tem estado arredado da cena mediática. Mas a relação entre o Governo e o banco central pode aquecer. É que, entretanto, a Fed já subiu a taxa de juro nos EUA para 0,5% a 0,75% - esperando-se mais em 2017 - e Trump chegou à Casa Branca, onde agora gostaria de beneficiar juros baixos que ajudem a financiar os seus planos de estímulo orçamental que implicarão mais endividamento. O interessante é que a perspectiva de mais despesa e dívida já está a pressionar em alta os juros e as expectativas de inflação, o que poderá levar Yellen a acelerar o ritmo de subidas, impulsionando o dólar.

Alívio nas regras da banca
O sector financeiro tem sido um dos beneficiados em bolsa e não é para menos. Trump promete aliviá-lo de muitas regras criadas durante a crise ao abrigo de um pacote legislativo conhecido como "Dodd-Frank". Não parece provável que a equipa de Trump, liderada pelo secretário do Tesouro Steven Mnuchin (ex-Goldman Sachs), reverta tudo o que foi aplicado: tal teria custos políticos e implicaria mais gastos para os bancos. Mas parece provável que procure eliminar ou alterar regras que irritam os bancos e a comunidade financeira. Nesse sentido, poderá desaparecer ou ser aliviada a "regra de Volcker", que impede as instituições de fazerem investimentos próprios com risco; o limite de volume de negócios a partir do qual a legislação é aplicada poderá subir; e as regras restritivas para crédito hipotecário também poderão ser aliviadas.

Travão na regulação
O excesso de regulação é uma das bandeiras do plano económico de Trump. Peter Navarro, professor na Universidade da Califórnia, principal conselheiro económico, que ocupará o cargo de Presidente do recém-criado Conselho de Comércio [responsável por aconselhar Trump na área de comércio internacional], assumiu no final de Novembro que seria possível reduzir os custos regulatórios sobre as empresas em cerca de 200 mil milhões de euros por ano: o que diz equivaler a 10% do custo total da regulação (e cerca de 1% do PIB). Nas primeiras semanas, será provável um congelamento de todas as regras que estejam a ser planeadas, mas ainda não aprovadas, e um levantamento de todas as que podem revogadas. Além da flexibilização de leis laborais, há sectores que poderão ser beneficiados, como o energético e o farmacêutico. Grandes tecnológicas, pelo contrário, poderão enfrentar uma administração mais dura.

Corte nos impostos
Donald Trump promete uma reforma fiscal assente em quatro pilares: baixar a taxa de tributação sobre as empresas de 35% para 15%, o que deverá ser acompanhado de uma simplificação e alargamento da base tributária; planeia incentivar a repatriação de capitais pelas grandes multinacionais que estacionaram lucros noutras jurisdições - para fugir à alta tributação em sede de IRC -, acenando-lhes com uma taxa temporária de tributação de apenas 10%; defende uma subida das tarifas aduaneiras sobre bens e serviços importados, tendo já ameaçado China, México e Alemanha; e, finalmente, promete uma descida generalizada de impostos sobre o rendimento das famílias que, segundo análises independentes, nomeadamente da "Tax Foundation", irá beneficiar principalmente os escalões médios e altos de rendimento.

Mais investimento
A aposta em investimento público, em particular em infra-estruturas, é a segunda perna do plano de estímulo económico de Trump. Está, no entanto, menos detalhada do que a estratégia de política fiscal. Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics, estão em causa qualquer coisa como 1 bilião de dólares de investimentos na próxima década (um valor que compara com perto de 6 biliões de euros nas medidas dos impostos), mas o valor pode vir a ser substancialmente mais baixo, dado o cepticismo de muitos republicanos no Congresso quanto a um plano de investimento público - uma ideia que Obama também prosseguiu, sem resultados notáveis. Zandi também assume que o impacto das medidas na frente fiscal venha a ser substancialmente menor.

Alívio nas regras da banca
O sector financeiro tem sido um dos beneficiados em bolsa e não é para menos. Trump promete aliviá-lo de muitas regras criadas durante a crise ao abrigo de um pacote legislativo conhecido como "Dodd-Frank". Não parece provável que a equipa de Trump, liderada pelo secretário do Tesouro Steven Mnuchin (ex-Goldman Sachs), reverta tudo o que foi aplicado: tal teria custos políticos e implicaria mais gastos para os bancos. Mas parece provável que procure eliminar ou alterar regras que irritam os bancos e a comunidade financeira. Nesse sentido, poderá desaparecer ou ser aliviada a "regra de Volcker", que impede as instituições de fazerem investimentos próprios com risco; o limite de volume de negócios a partir do qual a legislação é aplicada poderá subir; e as regras restritivas para crédito hipotecário também poderão ser aliviadas.

Travão na regulação
O excesso de regulação é uma das bandeiras do plano económico de Trump. Peter Navarro, professor na Universidade da Califórnia, principal conselheiro económico, e que ocupará o cargo de secretário do Comércio [responsável pela política de comércio internacional], assumiu no final de Novembro que seria possível reduzir os custos regulatórios sobre as empresas em cerca de 200 mil milhões de euros por ano: o que diz equivaler a 10% do custo total da regulação (e cerca de 1% do PIB). Nas primeiras semanas, será provável um congelamento de todas as regras que estejam a ser planeadas, mas ainda não aprovadas, e um levantamento de todas as que podem revogadas. Além da flexibilização de leis laborais, há sectores que poderão ser beneficiados, como o energético e o farmacêutico. Grandes tecnológicas, pelo contrário, poderão enfrentar uma administração mais dura.

Petróleo e carvão em alta
Donald Trump não é um crente no aquecimento global ou, pelo menos, nas suas consequências, e já deixou claro que admite não cumprir o chamado Acordo de Paris que, ao fim de 20 anos de negociações, conseguiu a assinatura das principais economias desenvolvidas e emergentes num plano comum de redução de emissão de gases de efeito estufa. Trump quer uns Estados Unidos auto-suficientes em termos energéticos, o que implica apostar na produção de petróleo, carvão e gás de xisto, por oposição à aposta em energias renováveis que vinha a ser prosseguida pela Administração Obama. Estas indústrias poderão contar com menos regulação e, logo, com menos custos. Trump argumenta que os preços da energia para os consumidores baixarão, assim como as importações, mas que conseguirá mais receita fiscal, dado o aumento de lucros gerados no país.

Menos imigrantes
O polémico muro que prometeu construir ao longo da fronteira do México, e que os críticos consideram financeiramente inviável - podendo custar até 25 mil milhões de dólares -, é o símbolo da política de controlo de imigração que Trump diz querer implementar para "fazer a América grande outra vez". O 45.º Presidente dos EUA defende a deportação de 11 milhões de imigrantes ilegais, número que muitos consideram irrealista. Pretende também limitar a imigração proveniente de países que associa a terrorismo. A lógica, à semelhança da seguida por movimentos de pendor nacionalista noutros países, é a de limitar os imigrantes aos que tenham emprego e alta "probabilidade de sucesso". A redução do número de imigrantes (actualmente, entram no país cerca de um milhão por ano) é vista pela maioria dos economistas como penalizadora para o crescimento.

Novas regras para a Saúde
É talvez o maior símbolo da oposição ideológica de Trump a Obama, mas pode também ser um dos mais difíceis de gerir, pela abrangência das alterações necessárias para reverter a reforma das políticas de saúde levadas a cabo por Barack Obama - e que ficou conhecida por Obamacare. As dificuldades são de duas ordens. Por um lado, a eliminação do Obamacare ameaçaria deixar sem apoio na Saúde cerca de 20 milhões de pessoas que passaram a ser abrangidas por este programa. Por outro, a forma como a reversão desta reforma deve ser feita não gera consenso entre Trump e os responsáveis do Partido Republicano. Donald Trump garante que tem uma alternativa barata, que permite alargar a muitos norte-americanos seguros de saúde com custos baixos, mas ainda não revelou, na prática, o seu plano de acção.  


Correcção: Peter Navarro será presidento do Conselho de Comércio da Casa Branca e não secretário do Comércio. 
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