Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Desfazer uma ordem internacional desordenada

Num mundo cada vez mais incerto, a liderança de Trump adensa as dúvidas em torno de quem será o quê no tabuleiro mundial. Velhas alianças quebram-se e outras surgem na forja. Certa só a incerteza.

Reuters
20 de Janeiro de 2017 às 09:08
  • 3
  • ...
A vitória de Donald Trump nas presidenciais americanas não faz dele apenas o Presidente dos Estados Unidos. Porque, já diz o cliché, o Presidente americano é também o líder da nação mais poderosa do mundo, há décadas o farol do modelo democrático e liberal vigente desde a Segunda Guerra. E Trump ameaça mudar tudo, ou quase tudo.

Sob o lema "América primeiro", com que o 45.º Presidente dos EUA promete tornar a "América grande outra vez", Trump instala uma nebulosa sobre o papel do país no mundo. Um olhar para dentro que contraria o globalismo consagrado por todos os Presidentes americanos do último meio século.

Isso mesmo ficou claro quando, na cimeira que decorreu esta semana em Davos, o Presidente chinês, Xi Jinping, assumiu o lugar de paladino da globalização, até aqui prioritariamente ocupado pelos EUA. "Ninguém emergirá vencedor numa guerra comercial", avisou Xi, criticando o proteccionismo veiculado pelo agora Presidente americano. O líder chinês pediu "cooperação" e instou a comunidade à implementação do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas.

Estas declarações de Xi têm um contexto: Trump ameaça romper os acordos comerciais e iniciar uma guerra aduaneira e cambial com Pequim. E boicotar o Acordo de Paris, já que o magnata nova-iorquino é um céptico das alterações climáticas, que considera serem uma invenção da China. Tendo em conta as declarações de Trump, pode antecipar-se que a Parceria Transpacífico (TTP) pereça e que Washington altere o padrão de relacionamento com organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Pressagiam-se tempos de confrontação também com o México, com Trump a insistir na construção de um muro que os mexicanos irão pagar "de uma maneira, ou de outra".

A segurança global, que tem nos EUA o principal garante, está também em risco de mutação. Desde logo porque Trump, ao invés da não-proliferação nuclear seguida nos últimos anos, sugere que países como o Japão e a Coreia detenham este tipo de armamento para fazer frente às ameaças chinesa e norte-coreana. Outro pilar ameaçado é a NATO. Trump já avisou que não cumprirá a cláusula de defesa mútua se em causa estiverem membros da Aliança Atlântica que não cumpram as suas obrigações financeiras para com a instituição. Há ainda a possível ruptura no relacionamento de Trump com a Europa e a União Europeia. Ainda agora, a chanceler alemã, Angela Merkel, alertou Trump para não interferir nas políticas europeias, isto depois de o novo residente da Casa Branca ter criticado a política alemã de abertura aos refugiados.

O populismo que caracteriza Trump encontra eco na Europa, onde forças populistas ganham força. A proximidade demonstrada pelo americano em relação a partidos como o UKIP de Nigel Farage é disso exemplo. No entender de Trump, o Brexit foi o melhor que podia ter acontecido a uma UE que encara com desconfiança.

Vive-se uma época de erosão da ordem internacional que vingou depois da Guerra Fria. O mundo unipolar está a ser substituído por um multilateralismo pós-ocidental. E a chegada de Trump ao poder pode acelerar este processo, agravando a desordem internacional vigente. A começar pela eventual reversão do acordo sobre o programa nuclear do Irão, que permitiu normalizar as relações de uma das principais potências do Médio Oriente com a comunidade internacional. Nesta região, a proximidade de Trump face ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, contraria a resolução contra os colonatos que os EUA deixaram aprovar na ONU.

No meio deste desalinhamento, e depois de anos de relações bilaterais conturbadas, antecipa-se um alinhar de interesses no eixo Washington-Moscovo. Além da aparente proximidade em relação ao Presidente russo, Vladimir Putin, Trump quer deixar via aberta para a Rússia intervir na Síria e levantar as sanções aplicadas por Washington a Moscovo na sequência das acções russas na Ucrânia.

Na audição de confirmação no Senado, o novo chefe da diplomacia americana, o pró-russo Rex Tillerson, afirmou que "a liderança da América tem de ser reafirmada". Porém, tudo aponta em sentido contrário. É que Trump considera que a América é vítima, e não beneficiária, do papel assumido de liderança mundial.



Ver comentários
Saber mais Trump Estados Unidos China Xi Jinping Davos globalização Acordo de Paris OMC Merkel NATO Brexit UKIP Nigel Farage Putin
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio