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Tillerson adopta posição de força contra a Rússia antes de viajar para Moscovo
O chefe da diplomacia norte-americana considera que a actuação da Rússia em relação à Síria é "incompetente". Tillerson admite que interferência russa nas presidenciais americanas "mina qualquer esperança de melhoria nas relações" bilaterais.
As notícias que davam conta de que a administração Trump iria actuar no sentido do estabelecimento de relações bilaterais privilegiadas com a Rússia poderão ter sido prematuras. A pouco mais de 24 horas de viajar para a Rússia, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, estabeleceu uma linha dura de actuação face a Moscovo.
Na antecâmara do primeiro encontro diplomático de alto nível entre Moscovo e Washington desde a tomada de posse do novo presidente americano, Donald Trump, Tillerson acusou a Rússia de ou ser "cúmplice ou incompetente" por permitir que a Síria mantivesse armamento químico, isto à revelia do acordo através do qual a ONU supervisionaria a destruição desse tipo de arsenal.
O agora chefe da diplomacia americana e antigo CEO da Exxon Mobil, também conhecido pelas ligações a Moscovo, tendo chegado a ser agraciado com a mais alta distinção atribuída pela Rússia a cidadãos estrangeiros, criticou ainda a interferência russa nas presidenciais americanas, recorrendo a métodos já utilizados noutros actos eleitorais na Europa.
Numa entrevista emitida este domingo à noite pela ABC, Rex Tillerson frisou desconfianças várias relativamente à actuação externa russa, demonstrando que afinal a nova administração americana não terá relações especiais com Moscovo. Tillerson contrariou as posições oficiais de Trump acerca da intervenção russa nas eleições americanas de Novembro, aproximando-se das conclusões já apresentadas pelos principais serviços de informações norte-americanos. O próprio secretário de Estado tinha anunciado na semana passada que deixara de ser uma prioridade para Washington a saída do presidente sírio, Bashar al-Assad, do poder.
A interferência russa "mina qualquer esperança de melhoria de relações", considerou o secretário de Estado americano na entrevista deste domingo, acrescentando que "é muito evidente que eles [a Rússia] estão a adoptar tácticas similares nos processos eleitorais da Europa", que terá eleições ainda este ano em França e na Alemanha.
A posição assumida por Tillerson deixa Trump cada vez mais isolado na anunciada intenção de estabelecer relações especialmente amigáveis com Moscovo e adensa a nebulosa sobre os resultados que sairão da visita oficial à Rússia. O que acontece no seguimento do progressivo deteriorar das relações bilaterais verificado nos mandatos presidenciais de Barack Obama.
Concluída a cimeira preparatória do G7 que decorrerá em Itália no próximo mês - a ideia dos ministros dos Estrangeiros passa por colocar pressão sobre a Rússia para que se distancie do regime de Assad -, Tillerson parte para Moscovo onde ficará durante dois dias, desconhecendo-se ainda se terá algum encontro com o presidente russo, Vladimir Putin. Para já tem somente confirmada uma reunião com o seu homólogo russo, Sergey Lavrov, mas, mesmo assim, mostra optimismo em relação ao encontro.
"Tenho esperança que possamos manter conversações construtivas com o Governo russo", disse Tillerson que espera que a Rússia "apoie um processo que leve à estabilização da Síria".
O bombardeamento que resfriou as relações EUA-Rússia
Na semana passada, um bombardeamento com agentes químicos (gás sarin), provocou perto de 100 mortes em Khan Sheikhun, província de Idlib, região do norte sírio e uma zona controlada por grupos da oposição ao regime liderado por Assad. O ataque químico foi rapidamente atribuído às forças leais ao presidente Assad, que reiteraram a garantia de não envolvimento no dito bombardeamento.
Contudo, a resposta não se fez esperar e, menos de três dias depois, os Estados Unidos realizaram um ataque circunscrito à base aérea de onde terão partido os aviões responsáveis pelo ataque na província de Idlib, naquela que foi a primeira acção militar directa efectuada pelo exército norte-americano em cerca de seis anos de conflito. Esta decisão contrariou a doutrina várias vezes proclamada por Trump de não envolvimento no conflito sírio.
Esta acção acção unilateral, decidida por Trump e pelo Pentágono sem que tivesse sido requisitada a aprovação do Congresso ou o apoio das Nações Unidas, foi fortemente criticada por Moscovo que de imediato avisou para a degradação das relações com os Estados Unidos depois deste ataque "ilegal" contra um "Estado soberano".
A Rússia "falhou à sua responsabilidade" de remover o armamento químico sírio no âmbito alcançado de 2013 depois da crise que nesse Verão levou o presidente Barack Obama a traçar uma "linha vermelha" em relação à actuação de Assad, que mesmo assim executaria novo bombardeamento com agentes químicos sem que Washington respondesse.
A Síria é de há muito um aliado fundamental de Moscovo no Médio Oriente, país em que a Rússia detém uma importante base naval. Moscovo apoia o regime ditatorial vigente na Síria desde o pai de Assad e é contra o afastamento do actual presidente sírio, que o Kremlin considera "legitimamente eleito".
Já os Estados Unidos da era Obama eram contra a manutenção de Assad no poder, o que explica que os Estados Unidos financiassem com treino e equipamento militar os grupos da oposição considerados moderados que combatem o regime sírio (e em simultâneo grupos terroristas como o Estado Islâmico). Contudo, Trump defendeu ao longo dos últimos meses a permanência de Assad como única forma de manter equilíbrio no país e na região depois de concluído o conflito. Mas as coisas estão a mudar.
A embaixadora americana junto da ONU, Nikki Haley, defendeu na organização que "não existe qualquer opção de chegar a uma solução política com Assad à frente do regime".
Só que a acção russa – que passou a intervir directamente na guerra Síria em Setembro de 2015 com recurso a meios aéreos e com o pretexto de combater os grupos terroristas com presença no país – tem sido essencial para os avanços territoriais conseguidos pelas forças leiais ao regime do alauita (ramo do islão xiita) Assad, que no terreno tem contado ainda com o apoio do xiita Irão e do libanês Hezbollah.