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Kim Jong-un: O ditador implacável

“Um dia irei quebrar a coluna dos inimigos dementes, cortar-lhes o pescoço e assim mostrar claramente o que é uma verdadeira guerra”, afirmou Kim Jong-un em 2013. À data, o líder norte-coreano foi ridicularizado. Hoje é visto como uma ameaça real.

Korean Central News Agency via Reuters
01 de Setembro de 2017 às 11:16
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"Quero ficar sozinho", ordena Adenoid Hynkel (Charlie Chaplin), pendurado no alto de um enorme cortinado, para o seu serviçal. De seguida, desliza até ao chão e aproxima-se de um balão com a forma do globo terrestre. Tira-o do suporte e começa a fazer malabarismos com ele enquanto lança uma gargalhada que se pretende diabólica. Esta cena de "O Grande Ditador", filme de 1940, imagina-se a ser repetida nos dias que correm por Kim Jong-un, sozinho no palácio presidencial de Pyongyang usando um balão em forma de míssil balístico, a arma que está a usar para se tornar politicamente relevante à escala mundial.

Kim Jong-un lidera a Coreia do Norte desde 2011, sucedendo ao pai, Kim Jong-il, que por sua vez herdara o poder do seu pai, Kim Il-sung. É, por isso, o terceiro líder supremo de uma casta de ditadores que tem votado o país ao ostracismo e ao subdesenvolvimento. Kim Jong-un surgiu na ribalta pelos piores motivos, em Dezembro de 2014, quando ordenou a execução com requintes de malvadez do seu tio, Chang Song-thaek, o número dois do regime, acusado de traição à pátria.

À data, um jornal chinês relatou que Chang e cinco assessores foram colocados no interior de uma jaula onde depois foram libertados 120 cães que não haviam comido durante cinco dias. Segundo essa descrição, os seis condenados foram "completamente devorados" pelos animais, tendo a execução sido supervisionada pelo próprio Kim Jong-un. Posteriormente surgiu a versão de que, afinal, Chang e os seus colaboradores tinham sido executados por um pelotão de fuzilamento.

O líder norte-coreano foi construindo a sua aura através do mistério e da dubiedade, visível, por exemplo, na narrativa à volta do funeral do pai. "Como actores inconscientes, com uma semelhança tortuosa a um filme de 'O Padrinho', os homens que carregaram o caixão de Kim mais velho, durante a meticulosa cerimónia fúnebre que decorreu na capital do país em Dezembro de 2011, desapareceram, morreram de causas desconhecidas ou foram eliminados deliberadamente. Um por um, nos últimos cinco anos", descreveu o jornalista do The Observer, Simon Tisdall, em Maio de 2016.

A eliminação dos inimigos, aparentes ou reais, é uma forma de Kim enfatizar o absolutismo do seu poder. De acordo com os serviços secretos sul-coreanos, entre Janeiro e Abril de 2015, o ditador norte-coreano executou 15 elementos do Governo e quatro colaboradores por uma razão comum, a de terem opiniões diferentes da sua.

Kim Jong-un é um enigma. O Ocidente olhava para a figura com desdém, ridicularizando o seu corte de cabelo, as encenações de gosto duvidoso e as fardas dos generais pejadas de medalhas, até demonstrar que a sua aposta na tecnologia militar era para levar a sério e constituía um perigo para os seus vizinhos asiáticos e para o mundo. O enigma adensa-se com amizades inesperadas, caso da que alegadamente mantém com Dennis Rodman. O excêntrico ex-basquetebolista norte-americano, cinco vezes campeão da NBA, duas ao serviço dos Detroit Pistons e três pelos Chicago Bulls. Em Fevereiro de 2013, depois da sua primeira visita à Coreia do Norte, Rodman declarou à estação de televisão ABC: "Ele [Kim Jong-un] é bom para mim. Não tolero o que faz mas como pessoa é meu amigo." Um ano depois, Dennis Rodman convidou um conjunto de ex-atletas da NBA para disputarem na capital norte-coreana um jogo que foi baptizado como "Big Bang Pyongyang" e no qual participou Kim Jong-un. Para alguns analistas, Rodman é um "mero entretenimento" de Kim, embora o antigo jogador o tenha como um "amigo para toda a vida".

Mickey, Minnie e o ursinho Pooh

Rodman e Mickey, personagem da Walt Disney, serão porventura as excepções no ódio de Kim Jong-un aos norte-americanos. Segundo a revista brasileira Época, em Julho de 2012, um ano após a morte do pai, o líder norte-coreano assistiu, na primeira fila, a um espectáculo transmitido pela televisão do Estado em que as estrelas eram Mickey, Minnie e o ursinho Pooh. Na altura, Zenia Mucha, porta-voz da Walt Disney, disse que o espectáculo não tinha sido licenciado pela empresa.

Porquê o empenho de Kim Jon-un nos testes nucleares e no lançamento de mísseis balísticos? A académica brasileira Raquel Gontijo, especialista do curso de Temas Contemporâneos de Segurança Internacional do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, deu a resposta ao portal UOL, esta quarta-feira, 30 de Agosto. "Garantir a sobrevivência do regime e conseguir bons termos de negociação. Vale lembrar ainda que Kim Jong-un tem consciência de que morrerá se o seu regime cair. A racionalidade por trás das acções norte-coreanas é inclusive pessoal. Ele sabe que não sobreviveria a uma mudança de governo, então seu objectivo é também resguardar a sua vida." Daí o tom telúrico das declarações produzidas pelas autoridades de Pyongyang, como esta: "Se os Estados Unidos se atreverem a mostrar o mais pequeno sinal de intenção de eliminar o nosso líder supremo atingiremos sem piedade o coração dos Estados Unidos com o nosso poderoso martelo nuclear, aperfeiçoado e fortalecido com o tempo", afirmou um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Julho deste ano. Sendo que em Agosto Donald Trump ripostou: "É bom que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos EUA. Eles enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu".

A demonstração do poder nuclear da Coreia do Norte acentuou-se em 2015 quando o país assumiu a realização de testes nucleares bem-sucedidos e, de então para cá, têm-se verificado demonstrações de poderio militar por parte de Pyongyang, tendo a última ocorrido na terça-feira sob a forma de um lançamento de um míssil balístico que sobrevoou o Japão e caiu no mar.

Em resposta, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) tem vindo a aumentar as sanções à Coreia do Norte. Este mês foi determinada a proibição das exportações norte-coreanas de carvão, ferro, minério de ferro, chumbo, minério de chumbo e frutos do mar, a não aceitação de trabalhadores norte-coreanos e o congelamento de parcerias empresariais com o país.

Excêntrico sim, louco não

Kim Jong-un nasceu a 8 de Janeiro de 1983 e é o terceiro filho da última mulher de Kim Jong-il, Ko Yong-Hi. Destacou-se dos irmãos e lentamente foi sendo visto como o sucessor do pai. Sobretudo a partir de 2001 quando o seu meio-irmão, Kim Jong-nam, filho mais velho de Kim Jong-il, foi apanhado com um passaporte falso quando tentava visitar a Tokyo Disneyland. Posteriormente, Kim Jong-nam foi viver para o exílio em Macau e acabou assassinado no aeroporto de Kuala Lumpur, capital da Malásia, quando esperava para embarcar num voo com destino ao antigo território português. Duas mulheres, a indonésia Siti Aisyah e a sul-vietnamita Doan Thi Huong, esfregaram a cara de Jong-nam com uma substância letal. Em sua defesa argumentaram que foram contratadas para pregar uma partida para os apanhados de uma televisão, mas poucos duvidam de que se tratou de uma morte encomendada por Kim Jong-un.


Quando fez oito anos recebeu uma farda de general como presente. A partir daí todos os generais se passaram a curvar perante ele.  É inclemente para os inimigos.


Kenji Fujimoto, ex-chefe de sushi da família Kim, ao New York Times, diz que o pai detectou qualidades de liderança e uma atitude dominadora em Kim Jong-un quando este tinha ainda uma idade precoce. E uma sua tia, Ko Yong-suk, que desertou para os EUA em 1998, lembrou ao mesmo jornal um episódio marcante, ocorrido quando Kim Jong-un completou oito anos. No dia de aniversário, o agora líder norte-coreano recebeu como prenda um uniforme de general e a partir de então todos os generais se começaram a curvar perante ele.

"Ele pode ser até excêntrico, mas é tudo menos louco. Ele na verdade é bastante racional, a partir da perspectiva norte-coreana. Inteligente, prático e calculista são descrições melhores.

Ter um programa nuclear faz sentido para eles. Ele refere-se sempre à situação de Mohamed Khadafi, na Líbia, ou a de Saddam Hussein, no Iraque, que não tinham poderio nuclear, e alega que ter esse tipo de armamento é a única maneira de sobreviver contra o que ele considera um ambiente externo hostil. E faz sentido, da perspectiva norte-coreana", afirmou Sue Mi Terry em entrevista à BBC Brasil. Esta especialista, actualmente professora na Universidade de Columbia, Nova Iorque, trabalhou 12 anos nos serviços de inteligência norte-americanos a analisar a Coreia do Norte, ao serviço dos presidentes George W. Bush e Barack Obama.

Habituado a ser reverenciado, Kim Jong-un não quer ceder no seu programa nuclear, porque tal poderá ser entendido como uma forma de se curvar perante o Ocidente, sobretudo os EUA. Segundo especialistas, o ditador norte-coreano tem revelado um comportamento paranóico, agravado pelo seu isolamento internacional, condição que o transforma num animal encurralado cuja única saída é lutar. "Um dia irei quebrar a coluna dos inimigos dementes, cortar-lhes o pescoço e assim mostrar claramente o que é uma verdadeira guerra", disse Kim Jong-un em 2013. Na altura, a bravata foi alvo de escárnio. Agora, as suas ameaças tornaram-se reais. E a imagem de Charles Chaplin a brincar com o globo terrestre, fazendo de Adenoid Hynkel, torna-se estranhamente actual. 


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