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09 de Janeiro de 2017 às 00:01

Mário Soares, levantar voo contra o vento

Em 1995, acompanhei Mário Soares numa das suas últimas visitas de Estado. Primeiro a África do Sul, depois as Seychelles. Um destino inexplicável aos olhos do 'status quo' e um maná com potencial destrutivo aos olhos do poder vigente.

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A guerra entre Soares e Cavaco, então primeiro-ministro, ultrapassara alguns limites e as imagens do Chefe de Estado montado numa tartaruga ou a tomar banho nas praias paradisíacas do Índico, sem óbvio interesse para o Estado português, alimentaram críticas arrasadoras. Mário Soares, o socialista, voltava a pisar o risco. Provocação, incoerência, ostentação, ouviu-se de tudo.


Já nas Seychelles, numa manhã solarenga, Mário Soares chama o seu assessor de imprensa e pergunta-lhe: "Então, o que é que há para hoje? O que é que se diz por Lisboa?". Dizia-se mal. E Soares foi Soares: "Vamos a um passeio de barco. Já que temos a fama, vamos ter o proveito".


Tirar proveito da vida foi, no fundo, a história da vida de Mário Soares. Só sabe tirar proveito quem é generoso, quem tem a coragem de não ter medo, quem sabe errar, quem avança quando acredita, quem sabe para onde quer ir, quem arrisca sem medo de perder. Soares foi extraordinário porque foi isso tudo. Primeiro contra a ditadura de Salazar. Depois, contra a ditadura do comunismo. A vida cheia do "político total" (como lhe chamou aqui Fernando Sobral) foi a sequência de imagens fortes e inesquecíveis que Marcelo Rebelo de Sousa alinhou na hora de o homenagear, sempre em defesa da liberdade. Mas o momento  definidor foi esse, quando Soares saltou para a praça para estancar a troca de uma ditadura por outra.


Sem ele no PREC, Portugal não tinha sido o mesmo. Mas com ele, que acreditou sempre, foi possível. E esse foi o momento fundador. Com a força das suas convicções e a coragem de levantar voo contra o vento, manteve Portugal no trilho certo, abriu-nos à Europa, foi voz na Europa, deu-nos mundo, e soube sempre pôr o essencial à frente, por vezes com guinadas estonteantes mas que o tempo se encarregava de explicar. Foi assim nos resgates financeiros, no bloco central, no socialismo na gaveta, nas alianças com a direita, no regresso ao combate para a vencer, na Presidência onde abanou e acordou o país contra o regresso aos tempos dos fumos da Índia.


O político total não é rígido e a flexibilidade de Mário Soares foi sempre rara. Tão flexível, que saiu de Belém para uma candidatura à Europa e saiu da Europa para uma candidatura a Belém. Sempre a escrever, sempre a conspirar, sempre a marcar, sempre em combate. 

A morte de Mário Soares é um vazio que ninguém preenche. A vida dos homens insubstituíveis só pode ser inspiradora. 
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