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19 de Outubro de 2017 às 23:00

Costa, o jogador

Os últimos dias do primeiro-ministro surpreendem. Ou não. Talvez António Costa seja um jogador. Com o efeito hipnótico do "Jogador" de Dostoiévski - e se assim for é absolutamente precioso. A criatura encarna-se próximo da perfeição.

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Um jogador não resiste ao vício, mesmo quando se sente perdido. Há quem resista. E se observarmos o comportamento do primeiro-ministro nestes últimos meses, ele enquadra-se no perfil de um jogador. Com o peso hipnótico da personagem romanceada, com o peso insustentável do erro num profissional da política. É assim que António Costa é (era) descrito numa apreciação objectiva. É esse o erro e António Costa será (terá sido sempre) um jogador?


Há algo que se desfez, num deslaçar de maionese irrecuperável. O politicão não acabou, mas tem de mostrar que não se afirmou por mera hipnose. Porque não se entende a forma pueril como António Costa entregou o jogo ao bandido. E o bandido é, nesta ficção real, o bom, aquele que vê o que está à vista de todos. E cuida do que está mal. O Presidente Marcelo; o cidadão Joaquim, Manuel, Maria; os líderes da extrema-esquerda que protege o Governo; a oposição; o partido de Costa. Todos perceberam, menos o politicão.

Porque, se calhar, António Costa é o que é, como é e, por razões distintas e inconfundíveis, será capaz de um dia surpreender o politicão Jorge Coelho. Costa não é a águia que eles conhecem há 35 anos? É verdade que, excluindo a manha da construção da geringonça, Costa teve voo raso. O berço (inspirador) de uma família na política, a época rica de juventude partidária, o aconchego (saudável) de vários aconchegos. É verdade que ganhou eleições em Lisboa quando não as poderia perder, é certo que chegou à chefia do Governo quando as perdeu. Tem escola, mérito, jogo de cintura. Tem a manha política essencial para exercer o poder - e essa é uma qualidade indesmentível.

Nos últimos meses - quando o fogo desceu à terra -, fechou-se. Como quem parece que perdeu fé no jogo e não encontra fé para uma aposta de risco, António Costa abdicou. Não acompanhou a intuição de Marcelo ("o povo é quem mais ordena" está no discurso de posse), não percebeu as prioridades de quem perdeu tudo (e nessa perda envolveu a comunidade), não ouviu a crítica construtiva. Fechou-se no seu quadrado, deu conversa mole aos seus dilectos, perdeu-se no labirinto da soberba. Ou, simplesmente, revelou-se.

O primeiro-ministro viveu estes quatro meses alheado do que lhe era próximo e alienado pelos números do crescimento, a saída do défice excessivo, os recordes do outro Ronaldo. Acontece que, na manha política, Mário Centeno tem ainda um longo caminho a fazer. Está em marcha.

Ontem, numa primeira declaração (ao Eco) enquanto ministro, Pedro Siza Vieira mostrou toda a inteligência que a sua comunidade lhe reconhece. Disse: "Temos um Governo fragilizado." É um bom começo para um novo ciclo. Porque há coisas tão óbvias que toda gente vê e diz, excepto um político.
Siza Vieira vai trabalhar com o amigo de longa data. Talvez o possa ajudar, com a sua mente aberta e descomplicada de quem não precisa da política para nada, a não fugir do óbvio. E a perceber que, mais do que não ter razão, grave é não admitir que se errou. A normalidade do mundo moderno pode ser um bálsamo para quem se fechou dentro do partido e da política.

O próximo ano será importante para perceber se estivemos sempre enganados e se Costa, inebriado pelas fichas que foi ganhando, se acha invencível. O tempo dos homens infalíveis acabou, cessou mesmo o longo capítulo daqueles que raramente têm dúvidas. E mesmo o melhor jogador está condenado, mais tarde ou mais cedo, a perder.
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