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Opinião
14 de Maio de 2007 às 13:59

Um tiro certeiro no pé

Peço desculpa por voltar ao assunto, mas creio que o que está em causa é demasiado importante para ficar no limbo do esquecimento. A ausência de Manuel Pinho da Comissão Ministerial de Coordenação do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), da qu

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A ausência de Manuel Pinho da Comissão Ministerial de Coordenação do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), da qual fazem parte seis ministros, permanece por esclarecer e não está a suscitar a indignação pública que deveria, apesar de vozes credíveis já terem manifestado a sua perplexidade perante a marginalização do titular da pasta da Economia e da Inovação.

Importa ressalvar que reconheço qualidades a Manuel Pinho e tenho por ele estima pessoal. Faço, aliás, uma avaliação positiva do seu esforço para elevar a sofisticação tecnológica do tecido produtivo e para captar investimento directo estrangeiro. Talvez por isso me seja ainda mais difícil aceitar a subalternização do ministro da Economia e da Inovação na gestão política do QREN, sobretudo por o que ela significa em termos de capacidade de manobra dentro do Executivo.

É que não vale a pena sermos ingénuos: a exclusão de Manuel Pinho da referida comissão ministerial traduz a sua perda de peso político no Governo, fruto, muito provavelmente, de lutas internas por protagonismo a que a personalidade apolítica do ministro terá sido demasiado vulnerável. Para esta situação também terá contribuído, há que reconhecê-lo, alguma inabilidade política de Manuel Pinho na condução pública do seu ministério, inabilidade essa que tem levado a Comunicação Social a colocar frequentemente o nome do ministro entre os primeiros na lista de "renováveis" do Executivo de José Sócrates.

Ora, se o afastamento de Manuel Pinho da gestão do QREN constituir, de facto, uma admoestação pública e política ao ministro por parte do Governo – e, em particular, por parte de José Sócrates –, então por que não demiti-lo? Para quê deixar o titular da pasta da Economia e da Inovação a cozer em lume brando, com tudo o que isso significa em termos de menorização do ministério que encabeça? No momento em que na principal agenda de Portugal deveria estar a recuperação da economia nacional, qual o peso actual do Ministério da Economia na orgânica do Governo? Será que os timings políticos do Executivo para uma eventual remodelação e a presidência portuguesa da UE tudo justificam?

Por outro lado, se Manuel Pinho se encontra realmente de saída do Executivo, quem vier ocupar o seu lugar estará disposto a ficar à margem das grandes questões do QREN? É que, seguindo esta linha de raciocínio, o futuro ministro da Economia e da Inovação terá de ser alguém com um perfil adaptável a uma posição de subalternidade no âmbito do novo quadro de referência ou, então, o Governo será forçado a mudar a orgânica da Comissão Ministerial de Coordenação do QREN, o que implica, naturalmente, atrasos no cumprimento dos seus objectivos.

Relembro, a propósito desta desautorização política de Manuel Pinho, o protagonismo que Mira Amaral conheceu nos governos de Cavaco Silva. À época, os empresários portugueses encontraram no então ministro da Indústria e Energia um interlocutor privilegiado e uma base sólida de apoio. Tudo isto devido, não só à capacidade do ex-governante para compreender as debilidades do nosso tecido produtivo, como também à sua manifesta força política dentro do executivo social-democrata. Com o "seu" PEDIP (Programa Estratégico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa), Mira Amaral soube ir ao encontro das necessidades da estrutura empresarial portuguesa em termos de capital, organização e capacidade de gestão.

O PEDIP foi, portanto, o instrumento que Mira Amaral teve ao seu dispor para interagir com os empresários, algo que Manuel Pinho não terá com o QREN. Custa por isso ouvir o ministro da Economia e da Inovação dizer, como fez durante a cerimónia de arranque das três fábricas da IKEA, que pretende colocar o QREN ao serviço das PME e da indústria. É que, convém lembrá-lo, cabe ao ministro da Administração Interna, António Costa, gerir a chamada Agenda Operacional para os Factores de Competitividade do QREN, e não a Manuel Pinho. Ou seja, este último ministro não tem, formalmente, competências para traçar objectivos de índole económica no âmbito do novo quadro de referência.

Pelos vistos, José Sócrates entende que a prossecução de uma economia baseada na inovação e no conhecimento, na renovação do perfil de especialização e dos modelos de negócios empresariais, no incremento da produção transaccionável de bens e serviços e numa maior orientação para os mercados internacionais, ficam melhor entregues ao titular da pasta da Administração Interna que ao ministro da Economia e Inovação.

Com Manuel Pinho afastado da gestão directa de um instrumento de desenvolvimento tão importante como o QREN, o tecido empresarial vai ter alguma dificuldade em reconhecer crédito aos objectivos, programas e decisões do Ministério da Economia e da Inovação. Isto porque as grandes questões a este nível passam a ser conduzidas pelo ministro responsável pelas políticas de segurança interna, de administração eleitoral, de protecção e socorro e de segurança rodoviária?

De outra forma, teríamos provavelmente de assistir ao fenómeno bizarro de ver o ministro da Administração Interna delegar competências no seu colega responsável pela pasta da Economia e da Inovação, em temas como a qualificação do modelo empresarial e do desenvolvimento de uma economia baseada na inovação e no conhecimento.

Ressalvo que nada me move contra o titular da pasta da Administração Interna. Considero, aliás, que António Costa é um dos melhores membros do actual Executivo. Mas, tendo em conta tudo o que aqui foi dito, não deixa de ser uma preocupação acrescida uma eventual candidatura deste ministro à presidência da Câmara de Lisboa, como tem sido aventado pela imprensa. Se assim for, como compatibilizar o mais importante plano estratégico nacional com a inevitável instabilidade de uma remodelação governamental, sem comprometer irremediavelmente a execução desse mesmo plano?

Trata-se, pois, de uma situação deveras preocupante. A estrutura produtiva portuguesa está a atravessar um processo de reestruturação para fazer face aos problemas de competitividade provocados pela globalização, sobretudo no sector dos bens transaccionáveis. E agora que já se vislumbra uma ténue luz ao fundo túnel, com os têxteis e o calçado a estabilizarem o respectivo volume de exportações, eis que o Governo dá publicamente um sinal de menorização do Ministério da Economia e da Inovação e coloca em cheque o titular da pasta. A isto se chama um tiro certeiro no pé!

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