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Armindo Monteiro amonteiro@anje.pt 15 de Abril de 2008 às 13:59

Ensino Superior: o equívoco da OCDE

Por diversas vezes abordei, nesta coluna de opinião, as funções do Estado e os seus limites no actual contexto das democracias liberais. Tenho para mim que, no que se refere ao sistema educativo, o Estado deve garantir, em igualdade de circunstâncias, o a

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Quando tal não se verifica, o Estado está, ainda que involuntariamente, a promover a exclusão e a desigualdade sociais.

Por ora, o Estado tem procurado cumprir a sua função educativa nos estabelecimentos escolares públicos (desde o Pré-escolar ao Ensino Superior), onde o ensino é universal, gratuito ou tendencialmente gratuito, isento de ideologias ou crenças religiosas e, na medida do possível, distribuído equitativamente pelo território. Até à última década foi, como sabemos, a rede de escolas e universidades públicas que monopolizou o sistema educativo português. Mas, apesar disso, o Estado não evitou elevados índices de abandono escolar precoce e uma taxa de diplomados inferior à dos nossos parceiros comunitários. Isto significa que, não obstante o parque escolar público e respectivos recursos, o nosso sistema educativo não garantiu cabalmente uma igualdade de oportunidades no domínio da formação, acabando por ser penalizados, sobretudo, os jovens com menores recursos económicos.

Com o crescimento da oferta escolar privada, a desigualdade de oportunidades na aprendizagem acentuou-se. É sabido que a qualidade do ensino difere, por vezes de forma gritante, de escola para escola, independentemente dos estabelecimentos serem públicos ou privados. Acontece que as famílias com maiores recursos económicos têm a possibilidade de escolher as escolas que consideram mais vantajosas para a educação dos seus filhos, enquanto que as famílias mais carenciadas e mesmo as da classe média sujeitam-se às escolas públicas situadas na respectiva área de residência, sem que o mérito escolar dos seus filhos seja tido em conta.

Neste contexto, considero que o financiamento do sistema educativo por parte do Estado não deve concentrar-se no parque escolar e respectivos recursos. Ou seja, esse financiamento deve ser repartido entre as escolas e os alunos, de modo a que as famílias possam escolher o estabelecimento de ensino que consideram mais adequado para os seus filhos. O financiamento do aluno dependeria do nível de rendimentos da sua família e assumiria a forma de um cheque ensino, válido quer para escolas privadas, quer para escolas públicas. Da competitividade por mais e melhores alunos resultariam, naturalmente, escolas com maior qualidade.

A mesma lógica de repartição do financiamento público entre estabelecimentos e estudantes deve aplicar-se ao Ensino Superior. Neste sentido, concordo com o sistema de empréstimos que o actual Governo negociou com a banca, assumindo o Estado o papel de fiador dos alunos, através de um fundo de garantia mútua. O pagamento da dívida tem início um ano após a conclusão do curso, período que serve para o ex-estudante integrar o mercado de trabalho.

Parece-me justo o sistema em que o Estado ou a banca, a título de empréstimo, pagam os cursos na sua totalidade. Quanto ao reembolso, estou em completo desacordo com o que a OCDE veio recentemente propor, através do alto funcionário da organização Paulo Santiago, para quem o “sistema ideal” de restituir a dívida pelos ex-estudantes dependeria da capacidade financeira de cada um, depois de inseridos no mercado laboral. Por conseguinte, os ex-estudantes com empregos melhor remunerados pagariam as suas dívidas integralmente, enquanto que os menos afortunados podiam fazê-lo em melhores condições (prazo de pagamento mais dilatado, por exemplo) ou, porventura, nem sequer seriam obrigados a saldar por completo o valor do reembolso.

Trata-se de uma discriminação injustificada, porquanto não reconhece nem valoriza o mérito académico. É que, por norma, as vagas para os empregos melhor gratificados são ocupadas por aqueles que concluíram os seus cursos com notas mais elevadas ou que revelaram maior mérito para o cargo. Por conseguinte, com o tal “sistema ideal” corria-se o risco de premiar percursos estudantis onde a competência académica, o esforço continuado e a capacidade empreendedora foram menos notórios. Por outro lado, continuar-se-ia a alimentar cursos perfeitamente desfasados das necessidades do mercado de trabalho, agravando-se assim a despesa do Estado. Aos custos decorrentes da não inserção laboral de um ex-estudante passaria a somar-se, inevitavelmente, o custo integral do respectivo curso.

Há não só uma lógica “assistencialista” a presidir à posição da OCDE como, arrisco dizer, uma espécie de condenação moral de quem usufrui de maiores rendimentos. Desta forma se desvirtua o sistema de empréstimos a estudantes universitários, que tem óbvias virtualidades e se promove a desigualdade na necessária partilha de custos entre o Estado e o aluno/utente do Ensino Superior. Assim não, obrigado!

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