Opinião
Portugueses além fronteiras
No meu último artigo neste jornal fiz referência à campanha Portugal Europe’s West Coast, que considerei ser uma iniciativa feliz de promoção da imagem do nosso país no estrangeiro. Na altura, salientei a necessidade de transmitir para o exterior a realid
A ideia de um jardim à beira-mar plantado, com mulheres de lenço preto preguiçando à soleira da porta e homens anafados de enxada no ombro, tem de ser combatida, por ser redutora e ofuscar um país bem mais desenvolvido, competitivo e culto.
Este quadro pitoresco sobrevive no imaginário de muitos estrangeiros e penaliza, não só os portugueses que residem no seu país, como também aqueles que emigraram. Hoje, calcula-se que vivam no estrangeiro quase cinco milhões de portugueses e seus descendentes. Esta grande comunidade é muito heterogénea e já não incorpora esmagadoramente profissionais não qualificados, como no triste passado dos “bidonvilles”. As limitações do ensino superior português, bem como a escassez de oportunidades profissionais qualificadas no nosso mercado de trabalho, conduziram ao êxodo de massa cinzenta. Muitos jovens concluíram os seus doutoramentos e “pós-docs” em universidades estrangeiras e já não regressaram a Portugal, estando hoje a engrossar o capital humano de países nossos concorrentes.
Cientistas, engenheiros, médicos, advogados, economistas, gestores, músicos, artistas, professores, entre outros profissionais qualificados, ocupam lugares de destaque nas respectivas sociedades de acolhimento. Mas, apesar dos méritos de cada um, muitos tiveram que enfrentar algumas resistências durante a respectiva ascensão profissional, resistências essas decorrentes da tal imagem de atraso do nosso país.
Por outro lado, há hoje muitos luso-descendentes com relevância profissional, social e até política em vários países da Europa e do mundo. No entanto, verifico, pela minha experiência pessoal de contacto com esta comunidade, que também ela tem uma visão enviesada de Portugal, pensando ainda que o país permanece tal qual os seus pais ou avós o deixaram quando partiram em busca de um futuro mais auspicioso. Neste sentido, é ainda mais pertinente o esforço para desmistificar os preconceitos em relação a Portugal.
Os cerca de cinco milhões de emigrantes e luso-descendentes são uma massa crítica que Portugal, país de reduzida dimensão territorial e humana, não pode menosprezar, sob pena de estar a desbaratar um factor importante de desenvolvimento socioeconómico. Urge, portanto, fomentar redes de contacto (como os projectos LusoPartner, da ANJE, e The Star Tracker) e promover sinergias entre essa vasta comunidade, tendo como elemento de união e mobilização a ideia de um Portugal moderno, promissor e pleno de oportunidades. As velhas fórmulas de preservação das raízes nacionais, que exploram a saudade e outros sentimentos licorosos, estão obsoletas e são por isso comprovadamente ineficazes. Hoje, a ligação com os nossos emigrantes e luso-descendentes não pode ser feita apenas pelo tradicional apelo dos três efes (fado, futebol e Fátima), da sardinha assada, dos bailes de paróquia, dos matraquilhos ou mesmo do binómio sol/praia.
O “networking” que deve ser fomentado entre a comunidade de emigrantes e luso-descendentes tem, isso sim, que assentar em factores bastante mais atractivos, como a oportunidade de partilhar conhecimento, estabelecer parcerias, gerir talentos e desenvolver negócios. Não vale a pena estar aqui a relembrar que o mundo não tem fronteiras, que as comunicações são instantâneas, que os transportes estão mais rápidos e baratos, que o fluxo de capitais é cada dia mais escorreito, que as barreiras culturais e linguísticas se esbateram? Tudo isto é óbvio e deve ser aproveitado para, a partir desse elo de ligação que é a ideia de uma nova portugalidade, expandir e consolidar as relações entre Portugal e a sua diáspora.
Do ponto de vista estritamente económico, Portugal só tem a ganhar com a existência de interlocutores privilegiados um pouco por todo o mundo. Para os nossos empresários, e apesar do dinheiro não ter pátria e do chamado “mercado da saudade” já não ser relevante, o “networking” com emigrantes e luso-descendentes pode contribuir para dar dimensão internacional aos investimentos portugueses. Pelo protagonismo que conhecem nos seus países de acolhimento, muitos dos elementos da comunidade de emigrantes e luso-descendentes assumem-se como líderes de opinião (de influência variável), transmitem uma imagem mais sofisticada do nosso país e têm, em alguns casos, boa capacidade financeira. Logo, podem servir de embaixadores dos produtos e serviços portugueses, ser parceiros de negócio dos nossos empresários, investirem na nossa economia ou criarem as suas próprias empresas em Portugal.
Tudo isto é possível, mas exige de Portugal uma outra estratégia diplomática. Não basta o Presidente da República visitar de vez em quando as comunidades de luso-descendentes ou o Instituto Camões organizar uns saraus para meia dúzia de emigrantes. Há que assumir um novo paradigma de relacionamento, o qual passa necessariamente por um trabalho conjunto entre entidades públicas de promoção externa, embaixadas, associações empresariais, universidades e instituições de diferente índole, de modo a que o “networking” seja constante, pró-activo e abarque muito mais áreas do que aquelas em que habitualmente assenta a nossa diplomacia.