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05 de Maio de 2008 às 13:59

Os “empresários transgénicos”

No meu último artigo abordei a questão da igualdade no acesso ao ensino, considerando tratar-se de um princípio basilar do sistema educativo, bem como de um factor determinante para a qualidade da democracia, para o crescimento económico e para a coesão s

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Não menos importante para o desenvolvimento do País é a igualdade de oportunidades e de condições no exercício da actividade empresarial, uma questão que não é pacífica em Portugal e cujas entorses têm raízes na nossa História.

Não existe uma verdadeira tradição liberal em Portugal, apesar da Constituição Vintista (1822), uma das mais avançadas da época, e de alguns fogachos de liberalismo ao longo da nossa História contemporânea. Na verdade, a cultura política e económica dominante no nosso país foi sempre estatizante, quer antes da revolução liberal, quer durante o constitucionalismo republicano: I República, Estado Novo e III República. Mesmo os governos mais recentes eximiram-se de abandonar o modelo estatizante, não obstante a inegável abertura da economia à iniciativa privada e a diminuição do peso do Estado na dinâmica económica.

Importa ressalvar, desde já, que o Estado é indispensável ao desenvolvimento de uma actividade económica sustentável. O mercado deve ser livre, mas é necessário estabelecer regras e balizas no relacionamento entre os agentes económicos. Sem a regulação estatal, o caos instalar-se-ia na economia e o progresso socio-económico ficaria hipotecado. Contudo, não é menos verdade que, a partir de uma certa dimensão, o Estado é um obstáculo ao progresso económico.

Ora, em Portugal, o Estado permanece sobredimensionado e isso interfere na desejada igualdade de oportunidades e de condições no exercício da actividade empresarial. Do Estado dependem as grandes obras de engenharia civil, do Estado depende o ordenamento do território, do Estado depende a atribuição de subsídios, do Estado dependem isenções e benefícios fiscais, do Estado dependem as entidades de regulação sectoriais? Tudo isto para além, claro, das normais funções legislativas do Estado, através das quais é definido o quadro regulador das actividades económicas.

Com esta presença avassaladora do Estado na economia, é natural que alguns empresários se sintam tentados a fazer da capacidade de influência sobre os decisores públicos o seu grande trunfo competitivo. Para estes empresários, o “networking” privilegiado e informal com os decisores públicos – desenvolvido, por exemplo, à mesa de restaurantes famosos, durante uma partida de golfe ou numa festa da “socialite” – é mais importante do que o desenvolvimento de competências empresariais ou do que a aposta na inovação, no conhecimento, na sofisticação tecnológica, no capital humano e na produtividade das suas empresas. Ou seja, a única vantagem verdadeiramente competitiva que consideram é o acesso aos corredores do poder. Esta estratégia empresarial baseada na agenda de contactos alimenta-se, além do mais, da pequenez e provincianismo do nosso país. Em Portugal quase tudo se passa no “inner circle” do poder, independentemente da cor política do governo em funções. Talvez por isso esta prática empresarial não seja assumida como uma opção, mas antes como uma obrigação necessária à sobrevivência das empresas.

Obviamente que é legítima a capacidade de “lobbying” dos empresários, desde que não ultrapasse a fronteira do tráfico de influências – prática que estou convencido ser a excepção e não regra em Portugal. Mas esta capacidade subverte a igualdade de oportunidades e de condições no exercício da actividade empresarial, fazendo emergir aquilo a que chamo de “empresários transgénicos”. Faço, pois, uma analogia com as plantas transgénicas, cuja semente é modificada para que consigam resistir a pragas e doenças ou para que produzam substâncias que lhes permitam suportar a utilização de pesticidas de largo espectro. Quer dizer, independentemente de um eventual ataque de vírus, essas plantas serão sempre menos vulneráveis. Metaforicamente, os “empresários transgénicos” são aqueles que, em relação aos restantes, têm maior robustez devido, precisamente, ao relacionamento próximo que mantêm com os decisores públicos.

Escorados na sua capacidade de influência e negociação com os diferentes poderes, os “empresários transgénicos” passam relativamente incólumes às dificuldades na obtenção de crédito, aos abusos fiscais, à perda de competitividade das exportações, às limitações do código do trabalho, aos atrasos do Estado na liquidação das suas dívidas, à lentidão na aplicação da Justiça? Enfim, um conjunto de entraves que hoje penalizam fortemente o comum dos empresários, mas que a imunidade “transgénica” parece isentar.

Em democracia é legítimo pressionar os poderes públicos, mas isso deve ser feito de forma transparente e ética. Quando tal não se verifica, há um desvirtuamento da livre concorrência entre agentes económicos potenciado, como vimos, pelo peso que o Estado ainda tem na nossa economia. Para obviar esta situação, importa antes de mais reduzir a actividade do aparelho estatal na dinâmica económica e regulamentar o “lobbying” em Portugal. Com a acreditação dos “lobbistas” junto da Assembleia da República, por exemplo, saber-se-ia em que nome fala quem influencia as decisões, por quem é financiado e quais são os objectivos e interesses de quem representa. Isto é, existiria uma muito maior transparência (o que não significa que os negócios de bastidores desaparecessem) e, consequentemente, uma maior equidade no exercício da actividade empresarial. A competitividade do País só teria a ganhar com isto.

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