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18 de Novembro de 2010 às 16:54

Um regime transitório para a tributação das mais-valias

Não está em causa a introdução da tributação das mais-valias, o que é comum em muitos países europeus, mas sim o facto de não terem sido adoptadas medidas transitórias.

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Em Julho deste ano, ao abrigo do PEC, foram aprovadas as seguintes medidas: (i) alterações às taxas de IRS, incluindo a criação de um novo escalão de 45%, e (ii) eliminação da isenção das mais-valias obtidas por pessoas singulares com a alienação de partes sociais detidas há, pelo menos, 12 meses.

A possível violação da Constituição (CRP) foi desde logo debatida. Relativamente à medida (i), foi agora conhecida a posição do Tribunal Constitucional (TC) que decidiu no sentido da não inconstitucionalidade, ainda que não por unanimidade, tendo sido vários os votos vencidos. No que respeita à medida (ii), a fiscalização preventiva ou sucessiva pelo TC não foi suscitada.

Não pretendendo entrar em discussões jurídicas, como saber se a CRP proíbe apenas a retroactividade autêntica e não já a inautêntica ou retrospectividade, ou se os factos tributários relativos ao IRS são autonomizáveis ou se se deve atender a um princípio da anualidade do imposto, a verdade é que é flagrante que estas normas violaram expectativas dos contribuintes.

No que respeita, em particular, à eliminação da isenção das mais-valias, pelo menos, relativamente às alienações ocorridas entre 1 de Janeiro de 2010 e a data de entrada em vigor da lei, é evidente a violação da confiança e das expectativas de não tributação.

No mundo das transacções, já afectado pelas dificuldades na obtenção de crédito, esta mudança legislativa trouxe constrangimentos adicionais às mesas de negociações, muitas vezes já em curso há longos meses, ao introduzir um factor de incerteza quanto ao nível da tributação dos vendedores, o que implicou necessariamente revisão das ofertas de aquisição, de forma a conseguir reequilibrar interesses de vendedores e compradores.

A incerteza e a instabilidade normativa são uns dos factores que menos contribuem para a atracção do IDE em Portugal. Todos entendem a necessidade que o contexto económico impõe aos Estados, mas a necessidade e a proporcionalidade das medidas introduzidas não deve ser esquecida, sob pena de se perder o comprometimento dos agentes económicos no esforço conjunto da mudança.

Assim, não está em causa a introdução da tributação das mais-valias, o que é comum em muitos países europeus, mas sim o facto de não terem sido adoptadas medidas transitórias, à semelhança do que ocorreu na data de entrada em vigor do CIRS.

Esse regime transitório, ao invés de uma total isenção para as acções adquiridas até a entrada em vigor da nova lei, poderia, por exemplo, ter previsto um sistema semelhante ao que vigora em Espanha para as acções adquiridas antes de 1994, que, ao alocar a mais-valia à totalidade do período de detenção da participação, permite simultaneamente que os contribuintes beneficiem de uma isenção parcial do ganho e que para os cofres do Estado reverta algum encaixe financeiro resultante dos ganhos imputáveis aos períodos fiscais mais recentes.

Não tendo sido aprovado um regime transitório, nem tendo sido suscitada a fiscalização pelo TC, são legítimas as dúvidas dos contribuintes sobre qual o tratamento a conferir a uma mais-valia obtida com a venda de uma participação, ocorrida, por exemplo, em Março. Deverá esta mais-valia contribuir para o saldo a apurar no final do ano ou não? Tudo leva a crer que Administração Fiscal responderá afirmativamente a esta pergunta, mas fundamentadas dúvidas sobre se a medida é retroactiva e/ou se o interesse público se deve sobrepor à protecção da confiança levarão, provavelmente, a que esta questão se arraste nos tribunais, o que de certo não contribui para a estabilidade, certeza e segurança jurídica que se pretende sejam princípios orientadores de um sistema fiscal.


*catarina.goncalves@pt.pwc.com
M&A Tax Manager



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