Opinião
Um presidente comunista na União Europeia
Longe vão os tempos em que a coligação austríaca do chanceler Schussel com o populista Jorg Haider fez rebentar uma onda de indignação junto dos governos da União, por ser, potencialmente, violadora das liberdades democráticas e dos direitos fundamentais,
Estávamos em tempo da segunda presidência portuguesa dos Conselhos da União e não deixa de ser curioso que, passados oito anos, seja eleito, à frente da presidência do Chipre, mas também do executivo, o comunista Demetris Christofias por uma maioria expressiva de 53,36% dos votos expressos, batendo o seu rival conservador Ioannis Kasoulides.
Como é que num país que pertence à União Europeia e à zona euro, com indicadores económicos e financeiros invejáveis em relação à média comunitária, elege o secretário-geral do Partido Progressista do Povo Trabalhador – AKEL, membro do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Unitária verde, com uma licenciatura em Moscovo – e que se declara, ainda hoje, abertamente marxista-leninista?
Por outro lado, contraditoriamente com a sua ideologia, Demetris Christofias afirma-se um adepto da economia de mercado, mas a grande vantagem na sua eleição foi o facto de ser um homem do norte e ter como bandeira da sua campanha a reunificação da ilha, dividida entre cipriotas turcos da República Turca do Chipre do Norte, de maioria muçulmana, liderada por Mehmet Ali Talat e apenas reconhecida pelo governo de Ancara, que ocupou aquela parte da ilha em 1974, e a parte grega da ilha, país independente e membro de pleno direito da União, de maioria ortodoxa. De resto, nestas eleições, Chrysostomos II, arcebispo de Nicósia e chefe da toda-poderosa Igreja Ortodoxa do Chipre, tomou partido pelo candidato da direita conservadora, afirmando que a eleição de um comunista seria um enorme desastre.
Porém, ninguém parece ter ouvido a voz da religião, ou serem temidas as suas palavras, porque assim que Christofias foi declarado vencedor, logo altos dignitários, entre eles, o Presidente da Comissão Europeia, apressaram-se a congratulá-lo.
A questão é que, quando o Chipre aderiu à União, fê-lo com a ilha dividida por um muro, quando outros muros se tinham abatido, como o de Berlim, não se devendo esquecer que o novo chefe de Estado agora eleito, foi contrário ao plano para reunificação da ilha, em 2004, proposto por Kofi Annan, antigo secretário-geral das Nações Unidas, que agora tem a sua própria agenda, a qual visa, rapidamente, iniciar as negociações com o líder da comunidade turco-cipriota sob os auspícios da ONU, numa solução que tudo indica que seja de federação bicamaral.
Isto iria, designadamente, permitir a adesão da Turquia, porque existe a teoria que não se procedeu ainda à reunificação por causa da má vontade do lado turco. No entanto, qualquer que seja a ideologia do novo presidente, não é encorajador para uma solução negociada os 40 mil soldados estacionados, até porque, segundo o presidente turco Abdullah Gül, uma qualquer solução forçaria sempre a saída da Turquia do Norte do Chipre.
Não deixa de ser contraditório e, simultaneamente interessante, que com um comunista à frente, simultaneamente da presidência do país e do executivo cipriota grego, se tente a reunificação, quando as potências europeias e mundiais, apoiam, por outro lado, a desagregação da Sérvia e a independência do Kosovo.
São os desencontros da política europeia na vertente externa, que podem dar resultados desastrosos, pese embora a margem de tolerância que a caracteriza, uma vez que falta coerência ao conjunto e linhas estratégicas que fazem com que, casos semelhantes, sejam tratados de modos diversos. Isto significa, igualmente, que é urgente a existência de novas regras, designadamente que prevejam uma coordenação mais congruente ao nível da Política Externa e de Segurança Comum.