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15 de Novembro de 2011 às 23:30

Um país enfraquecido

Só há verdadeiros erros quando há verdadeiras alternativas. Pois, até nisso o actual governo português está com azar.

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Só há verdadeiros erros quando há verdadeiras alternativas. Pois, até nisso o actual governo português está com azar. Com tanta ideia espalhada por tanta Europa, seria estranho que só fosse possível realinhar as economias pelos níveis de competitividade determinados pelos equilíbrios externos de curto prazo. Mas, mais estranho ainda, é que essa ideia tivesse sequer chegado ao governo de um país com 25 anos de União Europeia. E qual é, então, a alternativa?

Comecemos pelo fim, que é mais fácil. As ideias que chegaram agora ao governo de Portugal estão na calha há alguns anos. Não é difícil ligar os pontos e muitos viram actuar a escola filosófica que achou que tinha de chegar ao poder através do PSD, e que encontrou em Passos Coelho o militante com potencial para o fazer. Desde já, é de elementar democracia felicitar os mentores dessa estratégia, pelo êxito que alcançaram.

Todavia, é preciso notar que tais ideias vingaram num debate arrastado, ideológico e fraccionado. Um debate que ainda é fruto do PREC, das universidades e dos liceus em turbilhão, que escondeu uma minoria silenciosa que se revelaria admiradora de Margareth Thatcher, Ronald Reagan, de George W. Bush e da guerra do Iraque – e que não têm um único herói na história da integração europeia.

Uma geração que, em contradição consigo própria, se viu a venerar o euro, uma ideia social-democrata de espectro largo, e que se tenta fechar em apertados modelos monetaristas.

E esses pensamentos chegaram ao Governo também numa altura em que o país está numa fase de grandes dúvidas. Perante uma crise que envolve severas vertentes, nacionais e internacionais, muita gente se tem perguntado se não é mesmo necessário dar uma volta ao país. E muita gente pergunta se não é isso que está a ser feito em outros sítios? Sim e não. A diferença, a grande diferença, está no grau: ninguém nas outras economias, grandes ou pequenas, está a tentar dar a volta dos 180 graus.

Uma economia moderna não pode ser moldada pelo Estado, pois ela vai muito para além dele. É mais um paradoxo dessas ciências extremas que se dizem liberais, a favor do mercado, e depois usam o Estado para tentar enfiar a economia na sua "caixa negra" de eleição; e fazendo de conta que não se lembram de que o Estado é, fundamentalmente, uma gigantesca máquina de redistribuição de rendimento. Como os mais atentos observadores, incluindo gente do "outro" PSD, estão recorrentemente a lembrar.

Os Estados e as economias precisam de reformas como de pão para a boca, literalmente. Não há economias modernas sem reformas. Em todo o lado, dos Estados Unidos à Suécia, de Portugal ao Reino Unido. Está sempre tudo a mudar e se as instituições não mudam, incluindo as públicas, não há mudança. Mas as economias modernas não precisam de revoluções: fogem delas. É por isso que as revoluções acontecem, regra geral, nos países menos desenvolvidos, e são tentadas, apenas, nos mais enfraquecidos (pobre Portugal!)

Qual é o negócio, qual é a família, qual é a estrutura que aguenta, sem graves problemas, um choque em um ano de quebra de receitas ou de rendimentos de 20% ou mais? Poucos, seguramente. Então como é que um governo se presta a promover isso de forma generalizada?

É necessário, argumenta veementemente essa geração de pensadores. De tal forma que não há teorias económicas alternativas, acções coevas relevantes, ou acontecimentos históricos exemplares que a faça mudar de ideias.

Entre as teorias, estão todas as que não têm como prioridade os equilíbrios financeiros externos; entre as acções, estão as que se fizeram nos dois últimos anos em tudo o que não é zona euro; e, entre os acontecimentos, estão o combate à Grande Depressão, o Plano Marshall, ou a reunificação alemã. Haverá legítimas dúvidas sobre os ensinamentos de cada um desses acontecimentos, tomados isoladamente. Mas não haverá tantas dúvidas quando todos apontam para a mesma conclusão: a de que, a nível nacional e internacional, as restrições financeiras têm de ser combatidas, e não absorvidas.

Há muita gente que lembra que essa opção não está ao alcance de um país periférico, ultrapassado por centros de decisão exteriores. Essa limitação é verdadeira, mas não é peremptória: enquanto há dúvidas, não se deve pôr a roda da carroça no automóvel.

Então, o que deve ser feito? Duas coisas. Em primeiro lugar, tudo aquilo que não puser em perigo a recuperação futura da economia. Em segundo lugar, tudo aquilo que for prudente. Melhor dizendo, tudo o que não seja asfixiar a economia para que ela vá encontrar um novo equilíbrio financeiro num nível de rendimento em 20 ou 30% inferior ao da partida.

Para terminar, duas contradições e um aproveitamento. A primeira contradição é que esse modelo deflacionista não impede que a economia volte a ser dependente de financiamento externo, na fase da recuperação. Pode, aliás, agravar essa dependência se o ajustamento estrutural for abrandado por causa dos rendimentos mais baixos. A segunda é que, quando o país voltar aos mercados (não sorrir), voltará a taxas semelhantes ou mesmo superiores às dos actuais programas de ajuda.

O aproveitamento é verdadeiramente perverso. Depois de uma quebra do produto de 20%, será fácil ter "recuperações" anuais do PIB de 2 ou 3% – e com isso ganhar novamente eleições, perante um eleitorado cansado e de memórias curtas.

Afinal, não se trata de uma geração inexperiente. Mas talvez o país, entretanto, desperte.


Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
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