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14 de Setembro de 2011 às 11:33

Ganhar tempo

Em 1973 começou uma grande crise que duraria, digamos, dez anos. Em 2007 começou outra que pode durar outros dez. Mas há mais.

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Em 1973 começou uma grande crise que duraria, digamos, dez anos. Em 2007 começou outra que pode durar outros dez. Mas há mais. E se a segunda mudar o crescimento de equilíbrio do mundo ocidental como fez a primeira?

Podemos estar todos enganados. De facto, aquilo que está bem enraizado na mente de muita gente é que o Ocidente tem de voltar a crescer bem, sem excepção. Mas será que isso é verdade, que o futuro tem de revelar taxas de crescimento do PIB per capita a níveis históricos ou mesmo superiores?

Durante anos, o mundo ocidental cresceu a taxas próximas de 0,5% ao ano. Depois, lá para a segunda metade do século XIX, as taxas subiram para, digamos, 1,5% ao ano. Seguiram-se anos conturbados mas onde e quando houve crescimento este passou a taxas anuais à volta de 2%. A seguir à segunda Guerra Mundial, as taxas de crescimento económico por habitante saltaram para valores acima de 3% e, em muitos lugares, incluindo Portugal, Espanha ou Itália, para bem perto de 5%.

A crise de 1973 acabou com isso, e o crescimento económico "normal" voltou a cercar os 2%, níveis em que se aguentaria durante algumas décadas.

Estas mudanças sustentadas das taxas de crescimento traduzem alterações dos estados de equilíbrio do crescimento a nível mundial, não havendo ainda explicações suficientemente boas para cada uma delas e muito menos para o conjunto (se houvesse, a história económica acabava como disciplina). As taxas têm-se situado dentro de intervalos curtos por causa da crescente integração da economia internacional, já com algumas boas décadas de existência.

E se a crise em que estamos atravessados mudar de novo o "steady state" do crescimento da economia internacional? Isso pode acontecer. Podemos estar a chegar a um novo equilíbrio. Ninguém nos diz que daqui para a frente o mundo ocidental não voltará a crescer abaixo de 2% ao ano, ou próximo de 1%. Talvez na Europa, por exemplo, as economias mais pobres cresçam um pouco acima desses valores, pois, afinal, sempre haverá alguma recuperação do atraso a fazer. Mas, mesmo aí, o crescimento pode ser menos do que o que se registou desde meados da década de 1980.

Essa mudança de crescimento de equilíbrio pode até nem ser má e gostar dela não traduz uma visão derrotista, nem que se deita a toalha para o chão. É uma projecção histórica sobre o futuro, apenas isso.

Ora, se a Europa crescer mais devagar, é preciso ganhar tempo.

A Europa tem vindo a fazer frente à crise com medidas importantes de injecção de liquidez nos mercados, quer por parte dos governos, através dos défices e do aumento da dívida, quer por parte dos bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu. Essas medidas foram crescentemente acompanhadas por medidas de austeridade e de reestruturação institucional, um pouco por todo o lado, para evitar que as medidas de socorro beneficiassem mais uns do que outros, para evitar beneficiar mais os "pecadores" do Sul do que os "santos" do Norte. Por trás de todo esse grande programa está ainda, todavia, a ideia de que o crescimento económico regressará às taxas conhecidas anteriormente, e de que esse crescimento ajudará os estados a equilibrarem as contas, por via do aumento das receitas, e as economias a diminuir a dependência do financiamento externo, por via do crescimento da produtividade.

Ora, se o crescimento não retomar os ritmos anteriores, todo esse plano cai por água abaixo. E mesmo que haja alguma retoma na rapidez do crescimento, se ela demorar tempo a chegar, entretanto a economia internacional pára às mãos dos problemas financeiros.

O que fazer, perante este cenário? Ninguém sabe verdadeiramente, pois ninguém sabe o que se passará se, por exemplo, à Grécia forem impostas mais medidas de austeridade, seguindo de perto o passado, assim como ninguém sabe o que acontecerá se lhe deixarem não pagar o que deve ou sair do euro. Esses dois cenários são maus, embora se saiba mais sobre o primeiro, que é o que tem sido tentado, do que sobre o segundo, que poucos querem tentar.

Quando não se sabe o que fazer em política económica e sobretudo em política económica internacional, em que se multiplicam vontades e centros de decisão, a única coisa a fazer é ganhar tempo.

As economias não se curam com remédios santos, revoluções ou outras coisas imaginadas nas ideologias. Curam-se devagar com os sinais emanados dos mercados, governos tacteantes mas atentos, tentativas e erros, pouca ambição. Por isso ganhar tempo para que as economias encontrem por elas o seu novo estádio de crescimento parece ser a melhor solução.

E será possível ganhar tempo? Os recentes sinais alemães dizem que sim. Merkel perdeu outras eleições, para os partidos da esquerda, mais pró-europeus. Primeiro, os mercados reagiram mal, com medo do que viria aí. Mas, depois, ainda reagiram pior com a certeza de que é preciso mudar. Para além disso, saíram duas figuras de topo do Bundesbank, daquelas que preferem curas fortes, porventura por terem pressentido mudanças no ar. Se as mudanças alemãs se confirmam - o que acontecerá ou não nos próximos dias - estamos salvos por mais um bocado de tempo.

Por cá, continuamos num mundo à parte. Pelo menos até às vésperas das próximas eleições, quando o actual Governo perceber que também precisa de ganhar tempo - embora de outro tipo.



Economista, Instituto de Ciências Sociais
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