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20 de Dezembro de 2011 às 23:30

Passos Coelho e o futuro

Vale a pena é falar no primeiro-ministro. Quem é ele? De onde vem? Para onde vai? E o que quer? Vale a pena porque nos ajuda a pensar melhor.

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Não vale a pena falar nos homens do PSD que ajudaram a construir a vitória, nos tanques de pensamento e nos comentadores televisivos que estenderam o tapete vermelho, nem em reuniões desconhecidas entre grupos de interesse, de maçons ou outros. Vale a pena é falar no primeiro-ministro. Quem é ele? De onde vem? Para onde vai? E o que quer? Vale a pena porque nos ajuda a pensar melhor.

Este exercício não é fútil no nosso sistema democrático, que, aliás, pouco se destaca na Europa. Por todo o lado são os futuros primeiros-ministros que fazem os cartazes eleitorais, que fazem as promessas. E, depois, são os primeiros-ministros que anunciam as grandes decisões, as grandes medidas, as ambicionadas soluções.

Quem é Passos Coelho? Segundo se pode ler da parca informação conhecida, era um jovem que dinamizava grupos e era seguido. Um rapaz popular, um líder. Mas isso não chegava. Precisava de ideias.

Passos teria, talvez, uma ideia de partida, como muitos, a de que Portugal tem de mudar. Durante toda a sua juventude terá ouvido que era esse o caminho, pois o ensino nos liceus e o debate na rua estão marcados desde há muito tempo por esse desígnio nacional, o da mudança. A equação parece fácil: se o País é mais pobre do que os seus vizinhos e se o queremos mais rico, então tem de mudar.

Mas o imperativo da mudança não bastava. Era preciso ter ideias sobre como fazê-lo e sobre o destino. A primeira ajuda veio da ideologia: para mudar seria preciso mudar o Estado. Afinal, ele tinha crescido muito e tinha-se tornado muito grande. A explicação desse crescimento e a definição de "grande" não perturbam, por definição, a ideologia, e Passos comprou o argumento sem pestanejar. Estava lançada a ideia das "gorduras" do Estado.

Mas há por aí muitas ideias que não chegam ao poder e é preciso ir perceber por que há umas que vencem e outras não.

Falar nesta altura de grupos de interesse é fácil – e, no caso, apropriado. Os grupos de interesse são necessários pois são eles que dão o mote do que deve ser feito e como. O problema não está na sua existência que, nos países mais avançados, é explicitamente reconhecida. O problema é terem um tapete vermelho sem obstáculos pois, se são de interesse, só acabam a sua acção quando obtêm tudo. É natural. Armado apenas da ideia de mudança, e da ideologia da mudança pela redução do Estado, Passos não consegue limitar a acção dos grupos de interesse.

A pesca de ideias, resultante ou não da falta, não é só por si grave, nem novo. Afinal, o governo anterior, do Partido Socialista, fez algo de semelhante. Também Sócrates não mostrava grandes ideias e também ele foi buscá-las onde as encontrava.

Mas Passos Coelho tem um problema acrescido que pode tornar a sua acção perniciosa. Aliás, tem dois, mas um deles é maior. O mais pequeno é que entrou numa altura em que o país está debilitado pela crise, o que torna os eleitores menos exigentes na avaliação das ideias que lhes são apresentadas.

O problema mais sério é que Passos conquistou o governo a partir de um terreno pantanoso (de onde ainda vai a tempo de fugir). E a questão é simples: como é que alguém pode defender o estado dos grupos de interesse se, à partida, acha que o estado não é para defender?

As sociedades desenvolvidas, na Europa como em outras partes do mundo, precisam de reformas. Mas as reformas fazem parte do crescimento, não são causas mágicas, exógenas, políticas. O estado tem de fazer parte dessa equação e deve ser defendido por quem tem as suas rédeas. Se chega lá alguém que não gosta dele, acaba por ser tomado pelos interesses privados.

Só um pequeno exemplo: se a Segurança Social for revista de tal modo que haja mais companhias privadas a intervir, quem garante que a venda desse mercado é feita pelo melhor preço e que não são cobradas rendas monopolistas (ou o equivalente) aos consumidores? O estado e só o estado, claro. E mais outro: como foi vendido o BPN? E ainda outro: porque há rendas que não são tributadas?

Em duas semanas Passos Coelho descobriu que não havia "gorduras do estado". Quanto tempo vai demorar para perceber que tem de defender o estado dos interesses privados? Será que vai conseguir? Já entrou no sexto mês de governo e ainda não se vislumbra uma esperança. Era bom para nós que percebesse depressa.

E pode também ser bom para ele, se quiser ficar para o futuro como aquele que soube defender quem lhe paga o salário, e não o contrário.

Numa história popular alguém dizia a um futuro governante: preciso de ti lá um ano, um ano e meio, no máximo. Mas os eleitores precisam de legislaturas completas com as coisas melhores no fim do que no princípio. E o lugar do primeiro-ministro no história também.

Podemos fazer alguma coisa para ajudar? Sim, não deixar que as coisas se façam sem serem vigiadas. É a nossa obrigação. Cada um no seu lugar pode ajudar. Não será mau, por exemplo, se conseguirmos, pouco a pouco, desmontar os argumentos falaciosos sobre de onde vem o crescimento e como chegamos a sociedades mais equilibradas. Na batalha do conhecimento, os grupos de interesse não têm quaisquer vantagens – a não ser os que têm futuro.




Economista, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
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