Opinião
E o PSD, sabe nadar?
O governo está quase em velocidade cruzeiro, mas ainda não percebemos o que ele é.
O governo está quase em velocidade cruzeiro, mas ainda não percebemos o que ele é. Claro que perceber algo hoje não conta necessariamente para o futuro, dada a instabilidade da época. E as governos mudam ao sabor do ciclo eleitoral. Mas a verdade é que é difícil perceber. Os partidos às vezes fazem falta.
Logo nos seus primeiros dias, o governo confrontou-nos com quatro matérias, nenhuma urgente, o imposto extraordinário do Natal, o fim das "golden shares", as nomeações para a Caixa Geral de Depósitos e a venda do BPN ao BIC. A seguir, veio a divulgação do relatório sobre a taxa social única, a reacção à visita da "troika", mais uma subida de impostos, desta vez na energia, e uns passos indefinidos sobre a RTP. Tudo somado, não há ainda indicação de um caminho coerente para o que vai acontecer. O que se vê até aqui são impostos, clientelismo, uma repartição injusta dos custos da crise pelos cidadãos, hesitações, e alguma falta de clareza quanto a objectivos.
Certo que ainda é cedo para fazer o balanço, e é possível que sejamos surpreendidos por acções que venham a dar alguma coerência ao que até aqui se pôde ver. É sempre cedo, quando se trata de avaliar governos em funções. Ou não.
E que mais nos dizem os ministérios que deram que falar? Na educação, pudemos ver um início ideológico, seguido de alguma confusão e de pouca acção. Não há resultados, mas podem ainda chegar mudanças para melhor. Há escolas que fecham, o que pouco muda relativamente ao passado, e há maior preocupação nas disciplinas centrais e menos nas periféricas, o que parece bom. Ainda nada foi dito sobre universidades e nada sabemos se as reformas necessárias aí estão para vir. Estranhamente, aquilo que se retirou aos liceus, a avaliação dos escalões mais altos, é uma das coisas que falta nas universidades. Mas falta muito mais.
Da saúde ainda pouco se sabe, mas o curriculum do ministro tem deixado todos muito optimistas quanto a um futuro mais sensato e não há razão, aparentemente, para que esse optimismo se desvaneça. O mesmo se poderá dizer na justiça. Aguardemos.
Na economia e emprego ainda não pudemos ver nada de palpável. Apenas sabemos que a vontade de mudar e de deixar obra feita é grande, mas ainda falta saber o quê. É uma pasta de futuro preocupante, até porque por ela passarão muitas decisões que devem ser tão afastadas de ideologias quanto possível. O país precisa de obras, de subsídios mais ou menos bem dados, e de melhores políticas de emprego. Pouco sabemos sobre cada uma destas matérias, apenas que o ministério diz que não quer obras, que quer promover o turismo e as exportações, e que trata os parceiros sociais a PowerPoint. É pouco, pois precisamos de muito.
A pasta da defesa anda silenciosa e espera-se que silenciosa continue pois é uma pasta que precisa de emagrecer e quanto menos ruído melhor. Na Administração Interna já se viu que não há dinheiro e que será um ministério de gestão de contas correntes. E não valerá a pena continuar a dizer pouco sobre o pouco que os ministérios que faltam ainda contam.
A não ser o das Finanças, que se tem mostrado o ministério mais importante, como seria de esperar e como é tradição. Mais importante, mais capaz de orientar a política do governo, mas também mais dependente da vontade política do primeiro-ministro e do seu parceiro de coligação em lhe dar os necessários poderes.
Até aqui as coisas têm corrido bem ao ministro das Finanças, com uma conjuntura política que ajuda a subir impostos. Mas o mais difícil está para vir. Os "atrasos" nos cortes de despesa mostram menos a incapacidade do ministro ou a sua falta de vontade, e mais as dificuldades em se levar a cabo a redução do Estado. Aliás, quanto mais tempo esses cortes tardarem, melhor será, pois a economia sofrerá menos e, podemos presumir, serão mais bem feitos.
E o resto? A redução da taxa social única é uma boa ideia, mas não há dinheiro para a fazer bem, o que mostra até que ponto os destinos do país não dependem dele próprio. Como se sabe, o corte constitui uma desvalorização fiscal, isto é, uma ajuda para o país produzir o mesmo a preços mais baixos no estrangeiro. A desvalorização é desde sempre a receita preferida do FMI e, na falta da monetária, grátis, resta a fiscal, cara, e que não parece estar ao alcance da economia portuguesa, pelo menos na medida do que seria necessário. Resta o quê?
O ministro ainda acredita que a contracção orçamental traz crescimento (no que tem uma companhia cada vez mais rara), por via dos efeitos positivos na "confiança". Mas recusa-se a quantificar esses efeitos o que, deve dizer-se, não é boa economia pois toda a boa economia é quantificável. Pode ser que esteja certo, mas pode também duvidar-se disso. É que não estamos numa simples crise de confiança, mas sim numa geral retracção dos mercados, a nível internacional, que só os governos têm conseguido combater, num combate que ainda vai a meio.
É sempre mais fácil apontar desconexões do que ver coerências. E talvez a indefinição que grassa na política do governo seja inescapável. Mas é também verdade que falta um elemento fundamental para nos ajudar a perceber o que se passa, fruto da tendência para fazer desaparecer os partidos da governação.
Será que o PSD se vai deixar continuar a apagar, ou será que vai reagir? Seria bom que mostrasse quanto vale e o que vale. A leitura e avaliação do que se passa seriam mais fáceis de fazer. A democracia agradeceria. Assim como a busca de soluções para o imbróglio em que estamos metidos.
Afinal, é um partido social-democrata e europeu e as soluções passam por essas duas frentes. Tudo o resto são divertimentos. Desconectados.
Economista, Instituto de Ciências Sociais
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Logo nos seus primeiros dias, o governo confrontou-nos com quatro matérias, nenhuma urgente, o imposto extraordinário do Natal, o fim das "golden shares", as nomeações para a Caixa Geral de Depósitos e a venda do BPN ao BIC. A seguir, veio a divulgação do relatório sobre a taxa social única, a reacção à visita da "troika", mais uma subida de impostos, desta vez na energia, e uns passos indefinidos sobre a RTP. Tudo somado, não há ainda indicação de um caminho coerente para o que vai acontecer. O que se vê até aqui são impostos, clientelismo, uma repartição injusta dos custos da crise pelos cidadãos, hesitações, e alguma falta de clareza quanto a objectivos.
E que mais nos dizem os ministérios que deram que falar? Na educação, pudemos ver um início ideológico, seguido de alguma confusão e de pouca acção. Não há resultados, mas podem ainda chegar mudanças para melhor. Há escolas que fecham, o que pouco muda relativamente ao passado, e há maior preocupação nas disciplinas centrais e menos nas periféricas, o que parece bom. Ainda nada foi dito sobre universidades e nada sabemos se as reformas necessárias aí estão para vir. Estranhamente, aquilo que se retirou aos liceus, a avaliação dos escalões mais altos, é uma das coisas que falta nas universidades. Mas falta muito mais.
Da saúde ainda pouco se sabe, mas o curriculum do ministro tem deixado todos muito optimistas quanto a um futuro mais sensato e não há razão, aparentemente, para que esse optimismo se desvaneça. O mesmo se poderá dizer na justiça. Aguardemos.
Na economia e emprego ainda não pudemos ver nada de palpável. Apenas sabemos que a vontade de mudar e de deixar obra feita é grande, mas ainda falta saber o quê. É uma pasta de futuro preocupante, até porque por ela passarão muitas decisões que devem ser tão afastadas de ideologias quanto possível. O país precisa de obras, de subsídios mais ou menos bem dados, e de melhores políticas de emprego. Pouco sabemos sobre cada uma destas matérias, apenas que o ministério diz que não quer obras, que quer promover o turismo e as exportações, e que trata os parceiros sociais a PowerPoint. É pouco, pois precisamos de muito.
A pasta da defesa anda silenciosa e espera-se que silenciosa continue pois é uma pasta que precisa de emagrecer e quanto menos ruído melhor. Na Administração Interna já se viu que não há dinheiro e que será um ministério de gestão de contas correntes. E não valerá a pena continuar a dizer pouco sobre o pouco que os ministérios que faltam ainda contam.
A não ser o das Finanças, que se tem mostrado o ministério mais importante, como seria de esperar e como é tradição. Mais importante, mais capaz de orientar a política do governo, mas também mais dependente da vontade política do primeiro-ministro e do seu parceiro de coligação em lhe dar os necessários poderes.
Até aqui as coisas têm corrido bem ao ministro das Finanças, com uma conjuntura política que ajuda a subir impostos. Mas o mais difícil está para vir. Os "atrasos" nos cortes de despesa mostram menos a incapacidade do ministro ou a sua falta de vontade, e mais as dificuldades em se levar a cabo a redução do Estado. Aliás, quanto mais tempo esses cortes tardarem, melhor será, pois a economia sofrerá menos e, podemos presumir, serão mais bem feitos.
E o resto? A redução da taxa social única é uma boa ideia, mas não há dinheiro para a fazer bem, o que mostra até que ponto os destinos do país não dependem dele próprio. Como se sabe, o corte constitui uma desvalorização fiscal, isto é, uma ajuda para o país produzir o mesmo a preços mais baixos no estrangeiro. A desvalorização é desde sempre a receita preferida do FMI e, na falta da monetária, grátis, resta a fiscal, cara, e que não parece estar ao alcance da economia portuguesa, pelo menos na medida do que seria necessário. Resta o quê?
O ministro ainda acredita que a contracção orçamental traz crescimento (no que tem uma companhia cada vez mais rara), por via dos efeitos positivos na "confiança". Mas recusa-se a quantificar esses efeitos o que, deve dizer-se, não é boa economia pois toda a boa economia é quantificável. Pode ser que esteja certo, mas pode também duvidar-se disso. É que não estamos numa simples crise de confiança, mas sim numa geral retracção dos mercados, a nível internacional, que só os governos têm conseguido combater, num combate que ainda vai a meio.
É sempre mais fácil apontar desconexões do que ver coerências. E talvez a indefinição que grassa na política do governo seja inescapável. Mas é também verdade que falta um elemento fundamental para nos ajudar a perceber o que se passa, fruto da tendência para fazer desaparecer os partidos da governação.
Será que o PSD se vai deixar continuar a apagar, ou será que vai reagir? Seria bom que mostrasse quanto vale e o que vale. A leitura e avaliação do que se passa seriam mais fáceis de fazer. A democracia agradeceria. Assim como a busca de soluções para o imbróglio em que estamos metidos.
Afinal, é um partido social-democrata e europeu e as soluções passam por essas duas frentes. Tudo o resto são divertimentos. Desconectados.
Economista, Instituto de Ciências Sociais
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