Opinião
Orçamentalismo
O anúncio da redução da maioria das pensões e dos salários públicos em quase 15%, há cerca de 6 meses, no início da atual legislatura, foi feito num contexto que apontava para dois tipos de objetivos: a redução da despesa, do défice e do peso do Estado, e a desvalorização salarial.
O anúncio da redução da maioria das pensões e dos salários públicos em quase 15%, há cerca de 6 meses, no início da atual legislatura, foi feito num contexto que apontava para dois tipos de objetivos: a redução da despesa, do défice e do peso do Estado, e a desvalorização salarial. Este último não foi defendido oficialmente, mas foi então corroborado por muitos homens públicos próximos da filosofia governamental - é, portanto, apenas uma interpretação, mas muito provavelmente correcta.
Ao contrário, o governo disse, vezes sem conta, que aquelas reduções eram a única forma de atingir as metas impostas pelo Memorando de Entendimento com a troika pondo, assim, também, a responsabilidade sobre os ombros do Partido Socialista - que a aceitou, embora a contragosto.
Entretanto, o mundo evoluiu e aquilo que parecia uma coisa acertada, a redução generalizada dos salários no sector privado, também sem critério e sem olhar a produtividades laborais relativas, passou para a prateleira correcta, a dos grandes disparates macroeconómicos. Não mais se falou nisso - embora estas coisas vão e vêm com grande facilidade.
Ficou a redução das pensões e dos salários públicos a que, entretanto, se juntaram reduções em outras prestações sociais. E ficou até há pouco tempo a versão oficial da sua razão: ser a única forma de atingir o défice acordado com a troika.
Há cerca de dois meses, surgiu um novo episódio, até então escondido da opinião pública menos avisada mas porventura já desenhado há algum tempo: o da transferência do fundo de pensões da banca para a guarda do Estado. Não cabe aqui avaliar essa medida de política financeira e bancária - aparentemente, aliás, com sérios problemas para o erário público - mas cabe lembrar que, de repente, apareceu com uma "folga", que afinal não era (ou era?). Houve alguma confusão sobre a matéria, com vozes díspares, mas isso agora interessa menos.
É que, entretanto, a transferência das pensões dos bancários, que teve um impacto positivo no Orçamento de 2011, terá um impacto negativo no de 2012, correspondente a 0,9% do PIB ou mais de 2.000 milhões de euros. Isso fará, se nada for feito, o défice aumentar de 4,5 para 5,4% do PIB de 2012. Seguindo o critério das medidas anteriores, seria preciso ir buscar mais rendimentos para o Estado a mais austeridade. Mas, afinal, desta vez, isso não é necessário. Agora, já se pode recorrer a outro tipo de medidas "extraordinárias", nomeadamente a alienação de imobiliário e atribuição de concessões de jogo ou outras que ainda ninguém sabe.
Há aqui uma série de conclusões intermédias, mais ou menos complexas que, todavia, não acrescentam muito ao essencial. E o essencial é o seguinte: havia alternativa ao corte das despesas com pensões, salários públicos e transferências sociais, em 2012. Há muito tempo que muita gente já sabia isso, mas agora é dito claramente, embora de forma indirecta, pela acção do próprio governo.
E as alternativas não eram só as que o governo agora anuncia para 2012. Havia (e há) outras, como aumentar a tributação sobre as empresas de energia ou que têm contratos de PPP. Mas o problema mais grave não é da equidade fiscal, já de si sério. É outro, bem mais importante, com extensas implicações macroeconómicas. É que o corte das pensões, salários e transferências é parte integrante da enorme quebra do PIB, em 2012, estimada, por enquanto, em 3,1%.
Uma ideia genial, que iria mudar definitivamente o país, acaba como um facto económico pernicioso e irracional. É o que acontece quando se quer comandar a economia a partir do Terreiro do Paço. Muita coisa tinha ou tem ainda de ser feita, mas definir o quê e em que grau deve partir da análise da capacidade da economia aguentar e não de objetivos longínquos e abstratos. Como, aliás, agora nos é dito a partir de Washington.
Ao contrário, o governo disse, vezes sem conta, que aquelas reduções eram a única forma de atingir as metas impostas pelo Memorando de Entendimento com a troika pondo, assim, também, a responsabilidade sobre os ombros do Partido Socialista - que a aceitou, embora a contragosto.
Ficou a redução das pensões e dos salários públicos a que, entretanto, se juntaram reduções em outras prestações sociais. E ficou até há pouco tempo a versão oficial da sua razão: ser a única forma de atingir o défice acordado com a troika.
Há cerca de dois meses, surgiu um novo episódio, até então escondido da opinião pública menos avisada mas porventura já desenhado há algum tempo: o da transferência do fundo de pensões da banca para a guarda do Estado. Não cabe aqui avaliar essa medida de política financeira e bancária - aparentemente, aliás, com sérios problemas para o erário público - mas cabe lembrar que, de repente, apareceu com uma "folga", que afinal não era (ou era?). Houve alguma confusão sobre a matéria, com vozes díspares, mas isso agora interessa menos.
É que, entretanto, a transferência das pensões dos bancários, que teve um impacto positivo no Orçamento de 2011, terá um impacto negativo no de 2012, correspondente a 0,9% do PIB ou mais de 2.000 milhões de euros. Isso fará, se nada for feito, o défice aumentar de 4,5 para 5,4% do PIB de 2012. Seguindo o critério das medidas anteriores, seria preciso ir buscar mais rendimentos para o Estado a mais austeridade. Mas, afinal, desta vez, isso não é necessário. Agora, já se pode recorrer a outro tipo de medidas "extraordinárias", nomeadamente a alienação de imobiliário e atribuição de concessões de jogo ou outras que ainda ninguém sabe.
Há aqui uma série de conclusões intermédias, mais ou menos complexas que, todavia, não acrescentam muito ao essencial. E o essencial é o seguinte: havia alternativa ao corte das despesas com pensões, salários públicos e transferências sociais, em 2012. Há muito tempo que muita gente já sabia isso, mas agora é dito claramente, embora de forma indirecta, pela acção do próprio governo.
E as alternativas não eram só as que o governo agora anuncia para 2012. Havia (e há) outras, como aumentar a tributação sobre as empresas de energia ou que têm contratos de PPP. Mas o problema mais grave não é da equidade fiscal, já de si sério. É outro, bem mais importante, com extensas implicações macroeconómicas. É que o corte das pensões, salários e transferências é parte integrante da enorme quebra do PIB, em 2012, estimada, por enquanto, em 3,1%.
Uma ideia genial, que iria mudar definitivamente o país, acaba como um facto económico pernicioso e irracional. É o que acontece quando se quer comandar a economia a partir do Terreiro do Paço. Muita coisa tinha ou tem ainda de ser feita, mas definir o quê e em que grau deve partir da análise da capacidade da economia aguentar e não de objetivos longínquos e abstratos. Como, aliás, agora nos é dito a partir de Washington.
Economista, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Mais artigos do Autor
Orçamentalismo
16.01.2012
Passos Coelho e o futuro
20.12.2011
Um país enfraquecido
15.11.2011
Uma carta fora do baralho
19.10.2011
Ganhar tempo
14.09.2011
E o PSD, sabe nadar?
17.08.2011