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13 de Março de 2006 às 13:59

Um homem bem educado

Feitas todas as contas, o que fez pender a favor de Sampaio o tempo do exercício do cargo? Sobretudo três coisas: a defesa do primado da política, o discurso em torno da democracia e dos direitos fundamentais e a matriz de civilidade. E uma quarta: Sampai

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Como já aconteceu pelo menos uma vez na vida política portuguesa, de Jorge Sampaio se dirá que foi um Presidente adiantado no seu tempo. Um representante de uma geração que quis, genuinamente, o desenvolvimento do país nas pessoas dos seus concidadãos. Quis vê-los como cidadãos de corpo inteiro. E como europeus, tão europeus como os demais.

Não foi nada fácil o segundo mandato de Sampaio. Foi mesmo muito mais difícil do que quase todos os mandatos anteriores. Não se tratou somente de atravessar uma grave crise económica global, europeia e portuguesa. Mesmo no estrito plano político, o seu mandato foi difícil.

No final de 2001 tentou segurar Guterres mas este, invocando o «pântano», saiu antes que se atolasse. Menos de três anos depois, no verão de 2004, Barroso viu em Bruxelas o que não havia visto nem deixado ver em Lisboa e também se foi embora. Não se pode dizer ser frequente nem normal. Sucedeu-se uma espera penosa, uma eternidade de dias, até à posse de Lopes. Quatro meses depois – quase um século face ao ritmo desenfreado da asneira compulsiva nunca vista – demitiu-o . Ainda teve tempo para assistir ao quarto PM do seu segundo mandato. Com tantas vicissitudes e apesar de tudo, conseguiu cumprir. No que se verá adiante. E não foi pouco.

É óbvio que nem tudo correu bem a Sampaio. Do primeiro mandato viu a sua bandeira regionalista sair derrotada, em 1998, para pena sua e alívio para o país. A outra bandeira eleita – a reforma da Justiça – ficou em casa, parada e surda. E o Procurador, apesar de tudo o que fez e sobretudo apesar do que não fez, manteve-se e não foi apeado. A Casa Pia abateu-se sobre o seu mandato, provocando um terramoto social, político e psicológico colectivos inimagináveis. No plano externo,  dificílima a questão do Iraque. No plano europeu, a dúvida se fez mesmo tudo o que estava ao seu alcance para ajudar ao impulso português no seio da UE, na medida em que se reclama que se vá «para lá dos Pirinéus».

Em compensação, pode creditar ao seu magistério o êxito inquestionável do nascimento de Timor Leste e  o exercício impecável do desempenho de Comandante Supremo das FA. Feliz a justaposição do êxito do Euro 2004, mais a «febre das bandeiras» e o seu mandato. E o contributo para uma instituição reforçada no seu peso político e credibilizada aos olhos dos cidadãos. Apesar das críticas, muitas vezes justas, ao estilo redondo dos seus discursos e ao número inflaccionado de palavras.  Feitas todas as contas e vistos os pratos da balança, o que fez, então, pender a seu favor o tempo do exercício do cargo?

Sobretudo, três coisas: a defesa do primado da política, a sustentabilidade do seu discurso em torno da democracia e dos direitos fundamentais e a inquestionável matriz de civilidade que consigo trouxe. Podem os portugueses não recordar especialmente, daqui a anos (ao contrário das actuais sondagens), a sua passagem por Belém. Já se sabe que não é fácil mudar de povo. Podem até achar que, num dado lapso de tempo da sua existência, tiveram como Presidente uma importação anglo-saxónica no estilo e no trato. E que isso foi uma bizarria ou uma contingência da história. Fazem mal. Porque o perfil discreto, o trato urbano, a cordialidade praticada, não sendo necessariamente obrigatórias, vão de bem com o exercício do cargo de PR. E quando são genuínas, como é o caso, são próprias de estadista que é o que o cargo reclama que se seja.

E há, ainda, outra coisa, não incluída nas considerações antecedentes. Sampaio é um homem bem educado. Coisa não despicienda nos tempos que vão correndo. Dele nunca se ouviu publicamente um «desapareça senhor guarda». Nem nunca deixou de cumprimentar os seus sucessores. Sampaio sempre soube que acima da política estão as pessoas. E desde pequeno que lhe ensinaram que se deve ser bem educado.

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