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10 de Agosto de 2005 às 13:59

Turismo e municípios: das grandes ambições aos pequenos passos

Na expressão de um conceituado fotógrafo checo, da agência Magnum, em entrevista recentemente publicada no DNA, «no período comunista, se um carro estrangeiro parasse numa praça em Praga, toda a gente ficava especada a olhar para ele.

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Era muito difícil conseguir um visto para entrar. Agora têm milhões de turistas, a trazer dinheiro mas a destruir a vida das pessoas que vivem em determinadas ruas e já não podem ir ao seu bar de sempre porque os preços estão demasiado altos».

Logo a seguir o próprio se encarrega de esclarecer: «Não tenho nostalgia alguma do passado» mas, passe alguma ponta de exagero, o paradoxo existe e remete-nos para a essência da seguinte questão: quais os fundamentos adequados para uma política de Turismo, como é que ela deve ser perspectivada?

Quando estamos a pensar num país, numa região ou município, o Turismo pressupõe receitas, prestígio, dinâmica social e cultural, desenvolvimento versus crescimento económico – subjacente a tudo isto a qualidade e diversidade da oferta, as oportunidades climáticas, a natureza e a intervenção da mão humana.

À medida que o território aumenta, maior é a diversidade e a sazonalidade, o que implica estratégias adaptadas às diversas circunstâncias, e este é um desafio sempre presente, mas dois outros aspectos têm vindo a ganhar importância neste sector de actividade: a racionalidade das políticas, trabalhadas com base em indicadores prospectivos de médio prazo, dando maior consistência económica aos investimentos e respectiva rentabilidade e, sobretudo, a crescente mobilidade planetária, fruto de maior conhecimento (circulação de informação), mais dinheiro disponível, massificação dos transportes, isto é, são, benefícios líquidos da globalização que funciona.

Tal como a globalização, o turismo pressupõe ultrapassar fronteiras e isso não se decreta, acontece de forma natural encontrar-se turistas hoje em dia, em territórios e épocas do ano, onde tal, até há bem pouco tempo nunca acontecia.

Esta realidade acabará por moldar as políticas e tem especial acuidade nos municípios que começam a despertar para o Turismo, baseando-se nas receitas de sempre.

Com efeito, uma mutação tão rápida e drástica como terá ocorrido em Praga, não se descortina entre nós, mesmo no Algarve, a tradicional subida de preços na época estival faz funcionar a pequena economia e poupança locais, embora previsivelmente, mais cedo ou mais tarde, a qualidade da concorrência e a diversidade da oferta tenderão a produzir os necessários equilíbrios.

Portugal, onde o turismo é apontado como um dos famosos clusters é o mesmo país onde, em tempo, um dos responsáveis pelo sector declarou que o «turismo de pé-descalço» não era bem vindo.

A euforia dos bons momentos é propícia a tiradas grandiloquentes sem tradução prática, tal como um território não passa a ter vocação turística só porque nele se edificam empreendimentos turísticos e alguns apoios complementares.

Deixando de parte o turismo de negócios, vocacionado para os grandes centros económicos, cosmopolitas e com oferta variada, uma estratégia de desenvolvimento turístico pressupõe criar condições objectivas para o lazer e prazer dos que demandam um determinado território.

Neste desiderato cabem todos os que ali se deslocam ciscunstancialmente ou por factores aleatórios, mas têm valor acrescentado porque validam as opções, os que escolheram aquele local em função dessa estratégia, sejam estrangeiros ou portugueses.

Cabe aqui um breve parênteses  para sublinhar a perplexidade por, apesar das campanhas – tipo do ICEP «Vá para fora, cá dentro», a generalidade dos municípios (com uma intervenção crescente neste domínio) e as próprias regiões turísticas não privilegiarem uma promoção interna alargada da sua oferta.

História, património, condições naturais, equipamentos, não são suficientes para um menu turístico eficaz – as acessibilidades, a manutenção das vias de comunicação e seus passeios (questões tão simples quanto difíceis entre nós), uma atenção constante à sinalização (da rodoviária à patrimonial) e a adequada manutenção dos suportes e sua pintura, são aspectos que separam a superficialidade da consistência duma política.

Estes são domínios onde o trabalho dos municípios mais deixa a desejar com um impacto muito negativo na qualidade de vida local e não tem desculpa porque espelha no essencial, lacunas na organização.

Deficiências de natureza semelhante, frequentemente agravadas por sensibilidades políticas diferentes e protagonismos inconciliáveis levam a que Turismo e Cultura ou Informação e Turismo, actuem de forma desligada onde é suposto obterem-se sinergias.

A animação cultural e a divulgação turística são especializações nos respectivos domínios, que devem responder à política e estratégia para o sector, mas a insanável tendência para considerar os técnicos formados nos domínios das ciências humanas, como detentores de somatórios de generalidades, leva a que muitos decisores optem por decidir e fazer (ou mandar fazer) apenas segundo os seus gostos, convicções ou influências.

A par de outras funções estritamente ligadas à actividade turística como o acolhimento, promoção de eventos, animação e gestão dos espaços públicos (das praias às estâncias de neve) a informação estruturada transporta mensagens específicas, através de linguagem, suportes e distribuição própria, cujos investimentos significativos mais justificam uma articulação cuidada, clarividente entre políticas e intérpretes, dos municípios às regiões turísticas.

A nossa independência quase exclusiva do sol e das praias, origina uma intermitência turística, com efeitos visíveis na sazonalidade do emprego originando também um conjunto indirecto de intervenções nos domínios da segurança, transportes, estacionamento e saúde, entre outros, que são imperativas da qualidade a que, os municípios turisticamente mais desenvolvidos, se devem obrigar.

Independentemente dos diagnósticos e estratégias que ciclicamente vêm a público sobre as potencialidades turísticas do país e dos caminhos para as desenvolver, do papel dinamizador do Estado central e dos agentes económicos, há um outro patamar de intervenção em crescendo, igualmente importante: o dos municípios, os quais na ânsia de obter resultados no curto espaço de tempo dos mandatos, são tentados a superficializar as políticas, secundarizar a organização de suporte e dar pouca importância a coisas que de tão simples, são essenciais para a qualidade de vida evidenciada.

À exigência das populações nativas, devem-se adicionar assim as expectativas dos visitantes, de forma a que as relações de troca, oferta e procura turística, funcionem de forma equilibrada, sendo indispensável a clarividência de perceber que não basta existir para ter potencialidades, que estas não são uniformes em todos os territórios e que a diferenciação e a sagacidade são condições de sucesso.

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