Opinião
Marketingmoda, municípios e territórios
A premissa não pode ser mais elucidativa: «analisar o potencial de desenvolvimento dos territórios, com base numa metodologia de planeamento e com recurso ao marketing territorial, como instrumento adaptado a situações concretas».
Surpreendentemente, o autor do texto, publicado na revista bibliográfica de Geografia y Ciências Sociales de Barcelona, é um português, geógrafo de formação, que adiante define o marketing territorial «como a análise, planificação, execução e controlo de processos concebidos pelos actores de um território? e visa responder às necessidades e expectativas das pessoas e entidades, melhorar a qualidade e a competitividade global de uma cidade e território adjacente – o novo conceito inverte o raciocínio do planeamento, centrando-o nos processos de comunicação e nas necessidades, expectativas e comportamentos das pessoas e organizações».
Ainda segundo o autor e a própria Associação Portuguesa de Geógrafos, «está em marcha a criação de um espaço de debate e aprendizagem, não apenas em Portugal, centrado na resolução de problemas práticos de marketing territorial».
Eis um conjunto de indicadores muito sugestivos para sinalizar um conjunto de interrogações:
> O que é que os geógrafos têm a ver com marketing?
> O que estará subjacente ao marketing territorial – interligação ou apropriação de conceitos e funções?
> Que papel para os municípios face a este novo desafio?
Comecemos pelas profissões, sua evolução, e em particular pelos domínios da comunicação onde o marketing se insere: recorde-se que o conceito teórico das Relações Públicas, com essa designação, não vingou e evoluiu sem assinalável brilho para Comunicação nas Organizações, muitos jornalistas só lhe vestem a pele quando em funções num meio de comunicação social, a propaganda dilui-se em marketing, os publicitários e respectivas agências também e, como se tem visto nesta campanha eleitoral, qualquer candidato a autarca com olho para a coisa e arte para as cumplicidades, desenvolve o seu negócio de marketing político com a sagacidade que está à vista; qual termómetro social, os jovens que antes aspiravam a uma carreira no jornalismo ou na publicidade, hoje, identificam-se cada vez mais com o mítico marketing, como opção desejada e de futuro para as suas vidas.
No entretanto informáticos houve que, encarando «uma janela de oportunidade», se projectaram para além dos hardware e software, apresentando-se como gestores de informação, chegam agora os geógrafos, tentando romper os limites da aplicação das suas técnicas como antes o fizeram os especialistas em gestão, sempre empenhados em ultrapassar uma espécie de secundarização social face a economistas e financeiros.
O mundo da comunicação tornou-se irresistível, a presumida eficácia do marketing a chave do sucesso da sociedade actual, onde tudo se compra e vende. Perante a complacência da estrutura política, em cujo âmago «qualquer um sabe e pode produzir trabalho de marketing», daí resultando um Estado desarmado para exigir e verificar competências profissionais, caminha-se para um centrão comunicacional, o marketing pronto a utilizar, sem conteúdo nem fronteiras palpáveis, um território balcanizado onde todos cabem, gente profissional de facto mas sem reconhecimento de direito e onde, como habitualmente, sobreviverão os mais argutos.
Não se considerando intangível nem intocável, ou só aberto a uma casta clarividente, resistirá o marketing a esta voragem colectiva e disfuncional?
É que o desenvolvimento e declínio das profissões, se resulta fundamentalmente das capacidades e méritos dos seus intérpretes, sendo uma realidade que se tem de perceber como dinâmica, também se distorce com perdas, onde não há ou não se cumprem, regras elementares.
É pois intenso na actualidade o brilho do marketing, a sua luz de indiscutível e garantida eficácia, a qual sempre «brilha ao fim do túnel», mas também, é indispensável dizê-lo, nem tudo se resume à oportunidade e ligeireza do momento.
Reportemos agora ao incontornável Kotler para quem, «os lugares estão constantemente a ser ordenados e avaliados em todas as dimensões possíveis e imaginárias».
Por isso, defendem as modernas teorias, que « (este novo) marketing actua no coração das cidades, na projecção das que se querem afirmar como globais, assentando para isso num sistema de informação baseado na monitorização de indicadores territoriais».
Complementarmente, afirma-se que «as cidades são mais do que espaços, são conjuntos de imagens», para num assomo de lucidez se deixar escapar que a «criação de imagens das cidades, ao contrário das dos produtos, dependem de várias lógicas».
Reorganizando os elementos em equação: a globalização estabeleceu campos de concorrência mais vastos, duros e em permanência, a afirmação dos territórios passa pela compreensão e apropriação dessa lógica que o marketing redesenhado permite operacionalizar, o que lhe confere uma atractividade e convergência de especialidades profissionais, assinalável.
De simples conjunto e articulação de processos e técnicas, o marketing pode acrescentar uma nova dimensão à gestão urbana e territorial e ameaça introduzir-se no território da política clássica. Recentemente, em artigo publicado em revista da especialidade, um especialista da área com oportuna ironia, propunha a criação de um curso de Engenharia de Marketing, «como a ciência para quem o prazo, a economia do detalhe e o custo por contacto se sobrepõem à inovação do produto, à criatividade da campanha ou mesmo à ideia simples que por ser tão simples, parece demasiado óbvia».
Esta evolução associa a si duas questões muito interessantes: a primeira consiste em tentar perceber quem é que interpreta e quem é que beneficia desta competição pelo desenvolvimento up-to-date das cidades e territórios, a outra é, em que medida podem/devem os municípios ser os pólos dinamizadores, de referência, deste novo posicionamento estratégico.
Sempre que tem lugar, o empenho e entusiasmo numa drástica mudança de política, produz efeito semelhante ao de uma brusca aceleração mecânica – os corpos projectam-se em sentido contrário, donde, se é desejável acompanhar os desafios para o futuro, não é menos problemático tentar perceber quem é que vai ficar para trás, se estes sectores menos dinâmicos e capazes são recuperáveis, integráveis ou pura e simplesmente descolam e divergem da nova realidade. Será possível um outro futuro, compaginável, sem esta corrida asfixiante pelas novas técnicas, tecnologias e betão?
Até hoje a relação entre os municípios, os seus territórios e a respectiva projecção competitiva tem obedecido à seguinte lógica: Um primeiro nível de actuação que corresponde às atribuições e competências objectivas, pré-definidas, constitui a base primária de intervenção, com a prestação de serviços básicos, depois, no patamar seguinte, vem a lógica de ocupação espacial – se a avaliação entre realidade e perspectivas for interessante, rasga-se caminho para investimentos e constrói-se o retrato político do desenvolvimento municipal, apesar do modelo de poder local, tal como está montado e é interpretado, conduzir a enormes desperdícios de dinheiro e de tempo.
Assim, os líderes locais mais capazes têm sido aqueles que têm conseguido compatibilizar essas fragilidades, anestesiando-as com dureza e afecto, com a imagem, autoridade e a evidência física da obra, mas agora o desafio parece ser outro: como estabilizar pessoas, projectos e organizações no terreno isto é, criar, fixar e distribuir riqueza local ou regional, face à volatilidade da vida actual?
A estratégia até pode ser política, mas o modus operandi, para contrapor e afirmar individualidade e diferenciação de um território numa lógica global, implica uma noção clara de escalas, tempos, «mercados» e a unificação de um «produto», suficientemente atractivo e renovável, somatório de vários outros com componentes, propriedade e gestores muito diversos, que é indispensável implicar numa lógica comum.
Nesta perspectiva parece fazer sentido o recurso a «conceitos de Marketing», uma interpretação diferente das teorias dois em um (o que não quer dizer que qualquer profissional não se possa enriquecer ou dominar outros campos do conhecimento), mas também do imediatismo que parece já cativar alguns municípios, que nos antípodas daquela perspectiva, projectam estruturas de micro-marketing para disseminar as suas políticas de cultura ou de desporto, na convicção de que estas não «rendem» o suficiente ou podem obter melhores resultados junto da opinião pública local?
A plasticidade do que aí vem, vai-se confrontar com a necessidade de lideranças diferentes, partilha e assunção de responsabilidades dos vários actores sociais, uma nova organização local e o contributo técnico aberto e muito diversificado de várias especialidades e domínios.
Conceber, como alguns já teorizam, o marketing urbano como a gestão estratégica das imagens dos territórios, tendo como orientação que a concorrência desta forma estabelecida, é sobretudo simbólica assentando na fabricação de imagens, é retroceder a esta voragem onde todos sabem e podem fazer tudo, à mesma lógica que conduz à pobreza do «marketing eleitoral» em curso.