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15 de Setembro de 2005 às 13:59

Onde mora o erro na comunicação das políticas?

Foi durante um curto espaço de tempo, tema em destaque na saison: segundo Freitas do Amaral, «se algum erro o governo cometeu, foi não ter explicado suficientemente a inevitabilidade da subida de impostos».

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Logo veio à liça Pacheco Pereira, sentenciando que «o professor Freitas do Amaral aderiu à escola marcelista das falhas de comunicação», esclarecendo de seguida: «Marcelo Rebelo de Sousa tinha uma linha preferencial de explicação do que corria mal aos governos, tratava-se de medidas que não tinham sido bem explicadas», para concluir que «salvo honrosas excepções, os erros de comunicação são quase sempre apenas más políticas».

Já para Francisco Sarsfield Cabral, Freitas do Amaral teve razão no que disse, «mas a primeira condição para fazer passar uma mensagem governamental é não confundir as pessoas com afirmações desencontradas e isso tem acontecido». Um pouco antes, em depoimento na televisão, Medina Carreira defendendo a adopção de medidas económicas e sociais duras, justificou a sua exequibilidade desde que devidamente explicadas à opinião pública. Do conjunto destas opiniões, pode-se extrair a atribuição de importância variável à comunicação produzida para dar suporte às políticas públicas.

Quem acompanha com algum interesse a gestão pública, de há anos a esta parte não pode deixar de se interrogar sobre a consistência, bases e estudos de muitas decisões, as quais, justa ou injustamente, não parecem suportar-se em qualquer base programática, antes terem sido tomadas um pouco ao sabor dos momentos ou como simples reflexo dos interesses em jogo (essa ideia é alimentada pela forma atabalhoada e contraditória como são publicamente defendidas e adensam as interrogações sobre a falta de trabalhos de casa pelos partidos políticos, a superficialidade dos seus gabinetes de estudo e governos-sombra a que se adiciona o processo de escolha dos governantes, depois dos actos eleitorais e sem implicação efectiva nos programas anteriormente propostos.

Uma boa comunicação não transforma uma má política e se há razões para duvidar da ponderação e acerto de muitas decisões políticas, também é verdade que a inexistência de organização e estratégia de comunicação pública do Estado, não facilita a respectiva aplicação – não é essa a função dos Assessores de Imprensa dos governos e a forma e o tempo em que são recrutados, padece de fragilidades semelhantes às da maioria dos governantes.

Assentemos no seguinte: A comunicação estruturada de natureza pública, não é um mal necessário nem um bem indiscutível.

Ajuda a dar sentido, um entendimento às coisas, a pôr o sistema a funcionar, para além da sua natureza. Nesta perspectiva é conservadora, dando solidez às políticas, fortalece o Estado, se emergir no contraditório pelo seu rigor e clareza promove o reforço da organização social, mas se a comunicação for inadvertidamente ou não, o fim em si mesmo, o objecto, a gestão pública está finita, podem vir os próximos intérpretes.

Nunca é demais enfatizar a importância do Estado explicar bem a sua acção, não apenas para que a sociedade a entenda ou aceite, mas porque esse é um fundamento essencial da vida contemporânea.

E tanto assim é a nível central como dos municípios; o ciclo das políticas públicas em sociedades modernas e abertas, impõe grandes cargas informativas nos processos de preparação, decisão, implantação e até, quando existe de forma estruturada, na fase de avaliação.

Qual é a ideia global de desenvolvimento para cada município, como é que se vão harmonizar limites com expectativas e verter esse equilíbrio em medidas concretas? Como é que essa actuação vai chegar e ser entendida pelos destinatários?

Em períodos eleitorais, a vertigem comunicacional resume-se ao «eu ou nós» fizemos ou vamos fazer, e ao maior número de iniciativas públicas possível, frequentemente decididas sob pressão, num quadro de vulnerabilidade psicológica de que todos os protagonistas a um tempo, se alimentam e são vítimas.

Muitos cartazes, brochuras e folhetos depois, os actos e desabafos menos conseguidos são debitados à qualidade ou intensidade da comunicação produzida, que não «às boas ou más políticas»?

Existindo uma proximidade maior, por vezes excessiva, entre comunicação autárquica e comunicação eleitoral, justo é reconhecer, ao contrário do que acontece na estrutura central do Estado, que as autarquias locais, em particular os municípios, têm percebido e apostado ao longo dos anos, em constituírem equipas próprias, mais ou menos estruturadas e dimensionadas, de comunicação; o paradoxo é que, apesar disso, essas políticas de comunicação municipal surjam com frequência, como uma espécie de nebulosa, de recortes e coerência mal definidos.

Se uns não fazem ou só se limitam aos Assessores de Imprensa e se outros produzem mas não obtêm resultados, como é que se esclarece se os efeitos decorrem de falhas de comunicação ou de erros políticos?

Antes do mais, é preciso perceber, acreditar nas virtualidades da Comunicação Pública, um acto de convicção e não uma penosa cedência a modas ou influências.

Depois, localmente, saber e ajudar os autarcas a evoluir na forma como percepcionam e utilizam a comunicação – as vitórias eleitorais de proximidade retumbantes ou sucessivas e a inexperiência tendem a reforçar egos e autismos.

É muito comum, técnicos de comunicação dos municípios desabafarem a sua impotência e insatisfação por não conseguirem exercer influência técnica, fazer sobressair outras práticas e orientações junto dos decisores.

À inexperiência de muitos junta-se o receio de, ao divergir, poder pôr em causa o posto de trabalho, a incapacidade de propor alternativas ou simplesmente de justificar o que se pressente ser errado.

Na vida das pessoas e das organizações, aquilo que qualquer um pensa, nem sempre corresponde ao que se diz e ainda menos ao que é adequado comunicar, o processo de decisão é individual, solitário, com um campo de definição íntimo que escapa ao próprio decisor e nem sempre a presumida competência técnica é detentora de uma razão maior que defina a opção política.

Também entre os directores municipais de comunicação, dos que privilegiam a sedução como método aos que apostam na frontalidade, subsiste uma franja considerável de sobreviventes ávidos ou limitados a ordens para cumprir, que dificilmente acrescentam valor ao trabalho que produzem.

É neste quadro, de assinalável descontinuidade territorial de meios humanos qualificados, que os intérpretes políticos em geral e os autarcas em particular, são seres de acção e de comunicação colocados perante sucessivas probabilidades de produzir boas ou más políticas e consequente explicação pública.

Cada município tem uma condição e um rumo próprio, um trajecto feito de decisões mais questionáveis mas por menos gente, que podem e devem ser explicadas, obedecer a uma lógica e uma mensagem comum, de identificação e agregação.

É pois provável, quando surge o desconforto e a contestação a políticas centrais ou locais, que coexistam em percentagem variável,  lacunas de condução política e comunicacional. É que ambas se juntam e tornam inseparáveis desde a nascença!

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