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18 de Dezembro de 2006 às 13:59

Trabalhos (Es)Forçados

Um país pequeno e doce vai, pela terceira vez, presidir aos destinos da União Europeia na segunda metade do próximo ano. Mais: vai fazê-lo imediatamente a seguir ao semestre alemão da presidência rotativa.

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As comparações não serão inevitáveis pelo facto de a estratégia da presidência ter sido preparada conjuntamente para dois anos, até ao fim de 2008.

Ainda assim, que espera Portugal quando assumir a presidência? Pode contar com algo radicalmente diferente do que conheceu nas anteriores duas presidências. Da primeira presidência, em 1992, ficaram como marcos a entrada do escudo no mecanismo das taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu e a assinatura, no Porto, do Acordo que criou o Espaço Económico Europeu. Correu bem a presidência, apesar de os dinamarqueses terem dito que não à ratificação do Tratado da União. Alguém ainda se lembra ? Da segunda presidência, em 2000, ficaram a abertura de negociações para as novas adesões e o início da Conferência Intergovernamental para a reforma institucional. Correu bem a presidência. Alguém ainda se lembra? Em ambos os casos, havia muito em comum. O número de Estados-membros, que era o mesmo, certamente, mas, acima de tudo, a mentalidade que unia esses Estados-membros. Eram todos países ocidentais, que tinham uma história que, em comum, tinham um lado e o mesmo da barricada. Isto era uma argamassa fundamental para se ultrapassarem dificuldades. Porque, face a essa argamassa, em que não eram necessários "armistícios psicológicos", as dificuldades eram adjectivas. E quando começassem a ser substantivas, depressa se desvalorizariam nessa sede. E se resolveriam, como, sempre, acabaram por se resolver. As partes envolvidas estiveram juntas no desenvolvimento da União ou, pelo menos, não estiveram contra ela ou noutra organização directamente concorrente. Realidades que duraram quase quarenta anos, até o Muro cair. E esses valores partilhados foram, muitas vezes, suficientes para a tabuleta do caminho. Ou, pelo menos, para a tabuleta do caminho a não fazer. Hoje não é assim. O alargamento desmesurado, de uma só vez, sem rede nem protecção, diluiu, a vários títulos, o projecto europeu e perfurou a argamassa de que era feito. De sorte que, as tarefas da presidência estão muito mais dificultadas, constituindo mesmo algo de parecido com "trabalhos forçados". Ainda que na versão de "esforçados".

O que, antes, era visto como tentativa de impulso do projecto, é hoje subentendido como tentativa de evitar que o projecto se afunde. O que, antes, era afirmativo, é, hoje, defensivo. Não se trata só de presidir a 25 ou a 27 ou, num futuro mais ou menos próximo, a 30. Trata-se de presidir a uma organização de integração – e não de cooperação – com esse número e com tão díspares valores e mentalidades. Se a esta situação , que é factual e, portanto, incontroversa, se juntar a actual crise institucional que assola a Europa e as vozes eurocépticas que continuam a levantar-se contra a Constituição Europeia, tem-se já uma pequena amostra do caldo de cultura preparado. Acresce a consequente dificuldade que pode chegar à incapacidade decisional interna, com a imediata diminuição do poder de influência política para cenários do resto do mundo. A esperança, que, também aqui, é a última coisa a morrer, reside nas novas caras da presidência da França e da chefia do governo do Reino Unido, nessa altura já encontradas.

Eis o quadro que espera a presidência portuguesa.

A Europa assemelha-se hoje a um conjunto de castelos, desconfiados uns dos outros. Precisou de ouvir o último "suserano" que teve, Jacques Delors, apelar a um "mínimo de confiança" entre esses castelos. Estamos assim, nos mínimos. Simplesmente, no estado em que a Europa está, a presidência portuguesa tem de dar o máximo para assegurar o mínimo exigível.

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