Opinião
Sarkozy e a Turquia
A eleição de Nicholas Sarkozy como Presidente da República Francesa, trouxe alguma certeza no domínio da política europeia em relação ao alargamento, no sentido de que vai ser agora mais difícil a adesão da Turquia à União Europeia, posição que, neste dom
Por outro lado, também a Turquia está mergulhada numa teia complicada de eleições legislativas antecipadas e presidenciais, uma vez que o Tribunal Constitucional anulou a primeira volta destas últimas, após uma manifestação sem precedentes, onde se defendiam os valores de um Estado laico contra o governo de tendência islâmica, ainda que moderada, do Primeiro-ministro Recept Erdogan. Com efeito, este apresentou, à última hora, a candidatura surpresa do seu irmão, Abdullah Güll, actual Ministro dos Negócios Estrangeiros e membro do seu Partido para a Justiça e Desenvolvimento (AKP), o que impediu os minoritários sociais-democratas de apresentar o seu candidato.
Tal como em Itália, também o presidente turco é eleito pelo parlamento nacional, o que significa que o partido que detém a maioria no hemiciclo é aquele que tem todas as hipóteses de ver aprovado o seu candidato. Foi justamente contra este sistema, numa manobra política pouco clara e mesmo oportunista, após as violentas manifestações populares, que Erdogan vem defender o sufrágio universal e directo para as presidenciais e mesmo a redução do mandato de sete para cinco anos.
O presidente turco em final de mandato, Ahmet Sezer, deixa, apesar de algumas falhas na sua governação, um saldo positivo, sobretudo na defesa da democracia e de um Estado de direito laico. Daí que as suas relações com este primeiro-ministro nunca tenham sido fáceis, designadamente no veto sistemático à nomeação de novos juízes e altos funcionários, mas também a reformas exigidas pela União Europeia, no sentido da igualdade de tratamento das minorias religiosas.
Porém, fora da esfera política, o presidente Sezer, sempre evitou convidar Erdorgan e a sua mulher que usa o véu islâmico, como sempre negou o acesso ao palácio presidencial de outras mulheres de ministros ou de altas individualidades que usem também este traje tradicional islâmico.
Apesar desta política laica, e numa visão positiva, o que Sezer tentou fazer foi, apesar dos costumes islâmicos, restabelecer alguma igualdade entre homens e mulheres. É que na Turquia o panorama é desolador, dado que apenas 4,4% das mulheres são deputadas e menos de 1% estão nas autarquias, contra 31% na Alemanha e mesmo na machista França em que se atinge, apesar de tudo, uma participação feminina na casa dos 12%, o que faz com que aquele país ocupe um vergonhoso 162° lugar na classificação mundial da representação das mulheres em política. Mais do que isto, a falta de creches ou de estruturas pré-escolares, bem com a gritante discriminação salarial, não facilitam o caminho para a Europa. Muito menos após a eleição de Sarkozy que apenas pretende uma parceria estratégica com a Turquia, de nível comercial e económico. O panorama, como se sabe, teria sido diferente se Ségolene Royal tivesse sido eleita, mas convenhamos que entre os franceses e, provavelmente, entre os europeus em geral, a entrada dos turcos na Europa é vista sobretudo como uma ameaça ou, no melhor dos casos, como uma inevitabilidade política.
Porém, no meio de tudo isto, existe uma contradição intrínseca nesta estratégia de Sarkozy traduzida na sua declarada aliança com o eixo atlântico, em especial com os Estados Unidos, que são, como se sabe, os maiores apoiantes da entrada da Turquia na União, não só porque este país tem o maior exército da Nato, mas também devido à sua posição geográfica privilegiada, para além de poderem contribuir para uma inevitável diluição do projecto político europeu.
Caso para perguntar se o recentemente eleito presidente francês conseguirá superar esta contradição de posições ou, mais tarde do que mais cedo, irá flexibilizar posições e amolecer convicções no decorrer do seu mandato, forçado por esta aliança atlântica.
Em qualquer dos casos, as posições de Sarkozy, a serem mantidas, vão alterar, muito proximamente, o equilíbrio de forças no âmbito da União Europeia e, seguramente, alterar o rumo da sua integração.